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Plano Diretor de Salvador: o desencontro entre a política e o urbano

A partir das questões discutidas até aqui, podemos nos aproximar da realida- de de Salvador e interrogar sobre que Políticas Urbanas revelam o atual Plano Diretor dessa cidade. Concordamos que Salvador tem um histórico de conflitos e judicialização dos seus últimos planos diretores e leis de ordenamento do uso e ocupação do solo. Como afirma a Promotora de Urbanismo Hortência Pinho,

O Município de Salvador tem resistido a incorporar as profundas alterações trazidas pelo Estatuto da Cidade, com vistas à gestão democrática da Cidade. Tal oposição ilegal tem se revelado nos Planos Diretores Municipais desde 2004, 2008 e 2012, todos judi- cializados. O PDDU de 2008 é emblemático, foi atropelado por 173 emendas ‘noturnas’ que premiavam o clientelismo e os interesses pessoais. A judicialização foi promovida por sete associações e o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA-BA). (PINHO, 2017, p. 4)

No caso do Plano Diretor de 2008 e da “Nova LOUOS” subsequente, de acordo com Thais Rebouças,

A aprovação do PDDU gerou novas judicializações, mas ele con- tinuou vigente até dezembro de 2011*, quando o prefeito João Henrique conseguiu aprovar a chamada ‘Nova LOUOS’, que alterava a LOUOS e o PDDU de Salvador. Antes da aprovação dessa lei, o pre- feito havia apresentado à Câmara dois projetos de Lei intitulados PDDU da Copa e Nova LOUOS, com o objetivo de alterar, respecti- vamente, os conteúdos do PDDU de 2008 e da Lei do Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo de Salvador de 1984. Mais uma vez, ten- sionado por entidades e movimentos sociais, o Ministério Público da Bahia (MP/BA) e o Ministério Público Federal (MPF) entraram com um pedido de liminar para impedir a tramitação do PDDU da Copa na Câmara dos Vereadores. Essa liminar se amparava no Estatuto da Cidade, que estabelece que qualquer alteração no Plano Diretor, deve passar por amplo processo de participação popular, o que não ocorreu. O PDDU da Copa foi retirado da pauta da votação da Câmara por ordem judicial, mas, como estratégia para burlar a decisão da justiça, o prefeito apresentou novo Projeto de Lei de alte- ração da LOUOS, com o conteúdo do PDDU da Copa. No entanto, em mais uma tentativa de golpe, a Nova LOUOS é aprovada em dezem- bro daquele mesmo ano e sancionada em janeiro do ano seguinte, alterando o Plano Diretor, de forma absolutamente arbitrária. [...] A mobilização das pessoas nas ruas e a atuação vigilante do pró- prio MP/BA, bem como de entidades e organizações da sociedade civil, resultaram numa Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn). Alguns meses depois, o MP/BA conseguiu que o Tribunal de Justiça emitisse uma liminar para suspensão de diversos artigos considera- dos inconstitucionais, especialmente os que alteravam o PDDU/2008. (REBOUÇAS, 2016)

Com relação ao Plano Diretor mais recente, a Prefeitura de Salvador lançou o Plano Salvador 500 em maio de 2014, propondo um planejamen- to municipal de longo prazo (35 anos), sendo que sua data limite coincidi- ria com os 500 anos de fundação da cidade. (SALVADOR, 2015)

Esse planejamento municipal articularia três níveis: 1) um planejamen- to estratégico incidindo na escala metropolitana expresso no próprio Plano Salvador 500; 2) o planejamento urbano do município, com a revisão do PDDU; 3) um planejamento operacional que responderia às demandas mais urgentes da população com soluções de curto prazo, mas referenciando-se no Plano Estratégico Salvador 500 e no PDDU. (SALVADOR, 2015)

Os produtos da elaboração desse planejamento teriam como produtos: 1) Plano Salvador 500; 2) Anteprojeto de Lei do PDDU; 3) Anteprojeto de Lei da LOUOS, sendo que a participação dos habitantes da cidade neste processo se daria por meio das Oficinas de Bairros, Audiências Públicas e Fóruns Setoriais e Temáticos previstos. (SALVADOR, 2015)

No processo de elaboração desse novo Plano Diretor, a Prefeitura com- prometeu-se a assegurar um processo participativo, no entanto, essa par- ticipação revelou-se pro forma,

[...] apenas os ritos, sem preocupação com a participação real, ver- dadeira, substancial e de conteúdo, criando um ‘teatro’ democrático. O que melhor descreve o processo é a analogia a uma maratona olím- pica, ante a sucessão de longas audiências públicas em horários im- peditivos da participação dos trabalhadores, nas quais foi garantido o ‘exercício das falas’, sem, no entanto, considerar as contribuições [...] Nesse ‘espaço convidado’, das quatorze audiências públicas, dis- cutiu-se em apenas seis sessões a Minuta do Projeto de Lei do PDDU, e, posteriormente, de forma acelerada, foi apresentado ao Conselho Municipal de Salvador, em duas reuniões extraordiná- rias. Na sequência o Prefeito, de imediato, enviou o Projeto de Lei para a Câmara em 18/11/2015.

Uma das circunstâncias fáticas que chamam a atenção é a de que, em apenas 60 dias (18/09 a 18/11), apresentou-se a 1a Minuta do Projeto de Lei de atualização do PDDU, realizaram-se seis audiências públicas, elaborou-se a 2a Minuta do Projeto de Lei (que, vale frisar, não foi sequer submetida à sociedade) e encaminhou-se o Projeto de Lei à Câmara dos Vereadores. Tudo isto em meros dois meses. Na Câmara dos Vereadores, o Projeto (no 396/2015) foi submetido a 18 audiências públicas, em ritmo acelerado e também em horários

incompatíveis com a jornada dos trabalhadores. Observou-se o des- cumprimento do Regimento Interno, submetendo a apreciação da constitucionalidade do PL (Projeto de Lei) à Comissão de Justiça ape- nas às vésperas da aprovação (e não no início da tramitação, como exige o regimento), ocorrida em 13 de junho de 2016. Ademais, as Emendas Parlamentares e de Populares foram incorporadas e apro- vadas sem antes terem sido submetidas ao conhecimento da socie- dade civil, não houve sequer uma única audiência pública cuja pau- ta fosse alguma das emendas apresentadas. Salienta-se ainda que diversas emendas foram à votação sem conhecimento da totalidade dos edis, que protestaram em ata. Surpreendentemente, as cento e trinta e três emendas foram votadas em bloco, impossibilitando re- cusas individuais. (PINHO, 2017, p. 5-6, grifo nosso)

Para Raquel Cerqueira Santos (2016, p. 136),

[...] a experiência participativa do Plano Salvador 500 se enquadraria como um processo de consulta. Isto localiza esta experiência como in- serida em uma etapa de pseudoparticipação, uma vez que não há uma real repartição do poder entre o Estado e a população participante. De fato, o que se presenciou foi um esvaziamento político do pro- cesso participativo. Em primeiro lugar, pelo público que os proces- sos atingiram: houve pouca representatividade de grupos organi- zados e movimento sociais. Isto foi bem representativo quando esferas do poder público, como o próprio Ministério Público Estadual ou grupos técnicos de fiscalização se constituíram en- quanto os grandes interlocutores da administração pública. [...] a metodologia utilizada coibia o debate: as audiências públicas e as oficinas eram ministradas enquanto aulas, pressupondo uma diferenciação de níveis entre os dois polos do processo, a adminis- tração pública e a população participante. A estrutura metodológica das atividades pressupunha dois polos: o polo ativo, que provia in- formações (ocupado pela coordenação do plano) e o polo passivo, que as recebia (a população).

Os problemas apontados no processo de elaboração e aprovação do Plano Diretor indicam sua falta de legitimidade social e política. Há um desencontro entre a política e o urbano, pois a política institucionalizada despreza demandas social e territorialmente referenciadas ao fechar seu espaço de formulação à deliberação cidadã.

Somam-se a essas dificuldades o descumprimento de conteúdos mínimos e aspectos técnicos e legais do Plano Diretor, exigidos por legislações e normas pertinentes. (PINHO, 2017) No entanto, no que pesem as questões levantadas, esse plano foi aprovado na forma da Lei Municipal nº 9.069/2016.

O macrozoneamento do Plano Diretor: Qual ordenamento

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