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Sugestões e resultados esperados para as intervenções concretas de incentivo à participação popular

Tendo garantido um comportamento específico dos/as animadores/as do processo de forma a enfrentar os entraves à participação, uma metodologia de intervenção deve ser composta caso a caso, a partir do processo que se queira implementar, seja de planejamento urbano, discussão do orçamento, intervenção urbanística ou outra. A seguir, exporemos uma proposta simpli- ficada de construção de um processo de democracia direta que comece com

15 Na relação animador/habitantes, além da cortesia normal da vida em sociedade, é preciso diferenciar-se do representante típico da elite em aparência e comportamento, evitando tudo que o distinga e que lembre as relações de desigualdade: acessórios que mostrem poder econômico, palavras pouco usuais que possam ser incompreensíveis aos interlocutores, distância física na conversação, contatos apressa- dos. Para construir a ponte que permitirá uma boa comunicação e uma relação igualitária, é necessário atentar para as diferenças existentes entre técnicos e população. É preciso salientar, entretanto, que os sinais portadores de diferenciação intrínsecos à vivência cultural dos membros da elite, como a atitude corporal confiante, a desenvoltura no falar, o olhar direto, a capacidade de pedir e mesmo de mandar – exercida desde a infância na relação com empregados domésticos, por exemplo – são captados pelas pessoas, e negá-los seria falsear a realidade. O desafio é ter uma relação onde a diferença não signifique hierarquia. A ideia de trabalhar com os moradores da comunidade visada, e não por eles é uma afirma- ção de princípio contra o paternalismo, mas é difícil de ser colocada em prática, particularmente em bairros com tantas carências. Anda-se no fio da navalha, e é preciso estar consciente disso.

mobilizações nos bairros, seguida de debates nas regiões ou aglomerações de bairros (como as Prefeituras-bairro) e só depois em Audiências Públicas para toda a cidade.

Nos momentos iniciais, o papel da equipe animadora é muito importan- te para motivar a participação ampliada e ajudar as pessoas a manter uma atitude otimista em relação ao êxito do processo, criar confiança no que está sendo feito e garantir que tudo que for decidido coletivamente guiará as eta- pas seguintes. Nunes (2002) entende essa equipe como uma espécie de in- telectual orgânico no sentido de Gramsci (1985), por funcionar como cata- lizadora do engajamento coletivo enxergando os desafios a longo prazo. Ela é também mediadora de conflitos, já que mantém seu aspecto de elemento externo, mais imune às disputas internas nas comunidades ou entre diferen- tes interesses na cidade. A equipe deve estimular a confiança das pessoas, desafiá-las, mostrar-lhes que a participação é um processo previsto em lei e conscientizá-las do direito de exigir que suas decisões sejam respeitadas. Por fim, os/as animadores podem ser intermediários entre as demandas locais e a estrutura municipal e estimuladores de ações coletivas da cidadania para melhorar seu quadro de vida.16

Na lógica da pedagogia da participação, o ato de participar de decisões coletivas está longe de ser um ato meramente formal. Implica organização, debate, surgimento de líderes, processos reivindicativos, em ações concretas. O animador/gestor/técnico que não quiser correr os riscos de lidar com uma população mais exigente, mais cônscia do seu poder de pressão, mais estimu- lada a lutar por melhores condições de vida, não poderá conduzir um verda- deiro processo participativo. Isso ficou evidente no processo transcorrido em Salvador entre 2014 e 2016.

Antes do início do processo nos bairros, é necessário que a equipe res- ponsável – seja ela de técnicos da Prefeitura, ou de empresa contratada, ou equipe mista – proponha a discussão da metodologia prevista. Para tal, ela deve disponibilizar ao público documentos essenciais como seu Plano de Trabalho, Plano de Ação, Plano de Mobilização e Comunicação, Cronograma previsto, os diversos regimentos de encontros públicos (de bairro, de regiões e geral da cidade), os endereços dos locais escolhidos para reuniões e os meios

16 Mutirões, quermesses, exposições, hortas comunitárias, mercados de troca diretas de bens usados, plan- tio de árvores, saraus, entre outras ações.

de participação pela internet. Todo esse conteúdo deverá inaugurar uma es- pécie de Plataforma Interativa de Controle Social a ser disponibilizada em

site próprio, que será um banco de dados para que a cidadania acompanhe o

processo e possa avaliá-lo. Na Plataforma serão disponibilizados: a cartogra- fia completa da cidade, dados detalhados do orçamento municipal e outros dados georreferenciados, como, por exemplo, o mapa de investimentos pre- vistos, com informações sobre obras/ações realizadas, em andamento e pro- jetadas – desde os respectivos processos licitatórios até os dados pertinentes a sua execução, assim como a fonte dos recursos (municipais, oriundos de convênios, parcerias), etc. Todo esse conteúdo deve vir em linguagem simples e compreensível.

Para o controle social, outras ferramentas deverão ser apresentadas pre- viamente na metodologia, embora só no processo elas possam ser detalhadas, ampliadas e revistas de forma compartilhada com a sociedade civil. As con- tribuições da sociedade civil nos encontros públicos em todas as escalas – das reuniões de bairro até as Audiências Públicas – deverão ser compiladas, geor- referenciadas e organizadas em forma de Banco de Contribuições, propos- tas cujo status deve ser indicado na Plataforma: pendente/em andamento, descartada, incorporada, etc. Do mesmo modo, as instâncias e os gestores envolvidos deverão responder periodicamente ao que foi solicitado pela po- pulação no decorrer do processo. Essas ferramentas de controle social devem ser incorporadas como lógica de gestão e ser continuamente atualizadas e publicadas trimestral, semestral, anual ou bianualmente, a depender do caso.

O acordo para elaboração e atualização continuada dessas ferramentas, assim como o conteúdo mínimo que deve ser sistematizado, precisa ser acor- dado entre os agentes envolvidos – poderes Executivo, Legislativo, sociedade civil e Ministério Público, este último como mediador potencial do processo. As reais possibilidades de sua execução, diante das variáveis identificadas e dos cenários construídos e discutidos amplamente de forma compreensí- vel a todos, precisam ser cotejadas com o previsto. Tudo isso deve ser feito em linguagem clara, gráfica, informativa, didática e envolvente. A política e o planejamento urbano precisam ser controláveis pela cidadania por meio de prazos, metas, indicadores, e seus responsáveis devem honrar esses compro- missos públicos. Para todas essas ferramentas devem ser previstos momen- tos de aperfeiçoamento, detalhamento e avaliação, assim como orçamento e pessoal competente.

O Conselho da Cidade deve ser o espaço privilegiado para a discussão prévia da metodologia a ser empregada no processo participativo, contanto que este seja deliberativo e sua composição representativa e legitimada democratica- mente. Os documentos que saírem dessa discussão no Conselho devem tornar- -se públicos imediatamente após a chancela dessa instância de participação.

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