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3. PREQUESTIONAMENTO

3.2. Constituição de 1988

prequestionamento ficto; 3.6. Prequestionamentos explícito e implícito; 3.7. Outras questões referentes ao prequestionamento: 3.7.1 Matéria de ordem pública; 3.7.2 Questão que surge no próprio julgado; 3.7.3 Interposição dos recursos extraordinário e especial por terceiro prejudicado; 3.7.4 Multa em decorrência de embargos protelatórios e a Súmula 98 do Superior Tribunal de Justiça; 3.7.5 Necessidade da presença da decisão a que se reporta o acórdão do órgão fracionário, em caso de incidente de inconstitucionalidade; 3.7.6 Insuficiência de suscitação da matéria apenas no voto vencido para efeitos de prequestionamento; 3.7.7 Dispensa de prequestionamento nas hipóteses de habeas corpus concedido de ofício; 3.7.8 Ação rescisória; 3.8. Conclusão

3.1. Histórico

Antes de se adentrar no exame do tema objeto do presente estudo –

prequestionamento –, faz-se necessário entender a origem do instituto, as suas

alterações ao longo do tempo nas diversas Constituições e as adaptações da doutrina e da jurisprudência a essas mudanças, inclusive com a edição de Súmulas, para que se possa compreender o conceito atual de prequestionamento e as diversas discussões acerca do assunto.

O prequestionamento tem sua origem no Direito norte-americano, especificamente com o recurso do writ of error, oriundo da seção 25 do Judiciary

seguintes situações: a) em face de decisão (seja no mais alto grau da Justiça Comum ou do Tribunal de Eqüidade) contrária à validade de um tratado, de uma lei ou da autoridade exercida pelos Estados Unidos; b) contra decisão que julgasse válida uma lei ou a autoridade exercida pelos Estados, decisão essa ofensiva à constituição, aos tratados ou às leis dos Estados Unidos; c) contra decisão contrária a título, direito, privilégio ou isenção, prerrogativas essas previstas em dispositivos da constituição, de tratado, de lei ou de concessão dos Estados Unidos. No recurso do writ of error, o elemento da discussão poderia ser revisto, alterado ou confirmado pela Suprema Corte dos Estados Unidos.122 Como observa José Miguel Garcia Medina, a base do mencionado recurso consubstancia-se na “questão federal controvertida”, afastando de sua análise a matéria estadual, visa, precipuamente, à uniformização de entendimento das normas constitucionais e das infraconstitucionais no âmbito federal.123

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Eis o inteiro teor da Seção 25 do Judiciary Act de 1789: “That a final judgment or decree in any suit, in the highest court of law or equity of a State in which a decision in the suit could be had, where is drawn in question the validity of a treaty or statute of, or an authority exercised under, the United States, and the decision is against their validity; or where is drawn in question the validity of a statute of , or an authority exercised under, any State, on the ground of their being repugnant to the constitution, treaties, or laws of the United States, and the decision is in favour of such their validity, or where is drawn in question the construction of any clause of the constitution, or of a treaty, or statute of, or commission held under, the United States, and the decision is against the title, right, privilege, or exemption, specially set up or claimed by either party, under such clause of the said Constitution, treaty, statute, or commission, may be re-examined, and reversed or affirmed in the Supreme Court of the United States upon a writ of error, the citation being signed by the chief justice, or judge or chancellor of the court rendering or passing the judgment or decree complained of, or by a justice of the Supreme Court of the United States, in the same manner and under the same regulations, and the writ shall have the same effect as if the judgment or decree complained of had been rendered or passed in a circuit court, and the proceedings upon the reversal shall also be the same, except that the Supreme Court, instead of remanding the cause for a final decision as before provided, may, at their discretion, if the cause shall have been once remanded before, proceed to a final decision of the same, and award execution. But no other error shall be assigned or regarded as a ground of reversal in any such case as aforesaid, than such as appears on the face of the record, and immediately respects the before-mentioned questions of validity or construction of the said constitution, treaties, statutes, commissions, or authorities in

dispute” (Constitution Society. Disponível em:

http://www.constitution.org/uslaw/judiciary_1789.htm. Acesso em 23 de abril de 2006).

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O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial: e outras questões relativas a sua admissibilidade e ao seu processamento, p. 107 e 115.

O writ of error também esteve presente no sistema jurídico argentino. Aliás, as premissas presentes no ordenamento jurídico desse país são bastante semelhantes às do direito norte-americano, conforme disposto no artigo 14 da Ley 48 argentina, que cuida da organização e competência dos tribunais nacionais.124

Já no Brasil, o recurso extraordinário foi introduzido no ordenamento jurídico por intermédio do Decreto 848, de 24 de outubro de 1890, que também se fundamentou no writ of error norte-americano.125

Posteriormente, a Constituição de 1891 contemplou a matéria em seu art. 59, § 1º, prevendo recurso para o Supremo Tribunal Federal “quando se

questionar sobre a validade ou a applicação de tratados e leis federaes, e a

decisão do tribunal do Estado fôr contra ella” (grifo nosso).

Desse dispositivo, verifica-se claramente que o instituto do prequestionamento surgiu do termo “questionar”. Naquela época, portanto,

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De fato, assim prescreve o citado dispositivo da Ley 48: “Articulo 14. Una vez radicado un juicio ante los Tribunales de Provincia, será sentenciado y fenecido en la jurisdicción provincil, y sólo podrá apelarse a la Corte Suprema de las sentencias definitivas pronunciadas por los tribunales superiores de provincia en los casos siguientes: 1. Cuando en el pleito se haya puesto en cuestión la validez de un Tratado, de una ley del Congreso, o de una autoridad ejercida en nombre de la Nación y la decisión haya sido contra su validez. 2. Cuando la validez de una ley, decreto o autoridad de Província se haya puesto em cuestión bajo la pretensión de ser repugnante a la Constitución Nacional, a los Tratados o leyes del Congreso, y la decisión haya sido em favor de la validez de la ley o autoridad de provincia. 3. Cuando la inteligencia de alguna cláusula de la Constitución, o de un Tratado o ley del Congreso, o una comisión ejercida en nombre de la autoridad nacional haya sido cuestionada y la decisión sea contra la validez del título, derecho; privilegio o exención que se funda en dicha cláusula y sea materia de litigio” (Portal de Abogados – Uniones Civiles. Disponível em: http://www.portaldeabogados.com.ar/codigos/48.htm. Acesso em 24 de abril de 2006).

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Pela leitura do parágrafo único do artigo 9º do referido decreto, que organizou a Justiça Federal à época, pode-se perceber a extrema semelhança do texto com as premissas do writ of error, já delineadas anteriormente: “Haverá também recurso para o Supremo Tribunal Federal das sentenças definitivas proferidas pelos tribunaes e juizes dos Estados: a) quando a decisão houver sido contraria à validade de um tratado ou convenção, à applicabilidade de uma lei do Congresso Federal, finalmente, à legitimidade do exercicio de qualquer autoridade que haja obrado em nome da União – qualquer que seja a alçada; b) quando a validade de uma lei ou acto de qualquer Estado seja posta em questão como contrario à Constituição, aos tratados e às leis federaes e a decisão tenha sido em favor da validade da lei ou acto; c) quando a interpretação de um preceito constitucional ou de lei federal, ou da clausula de um tratado ou convenção, seja posta em questão, e a decisão final tenha sido contrária à validade do titulo, direito e privilegio ou isenção, derivado do preceito ou clausula”.

prequestionar significava ter sido a questão federal/constitucional questionada

pelas partes, bem como terem sido tais questões decididas pela decisão recorrida.

Esse preceito foi repetido nas Constituições de 1934 e 1937.126

A Constituição de 1946, entretanto, excluiu o vocábulo “questionar” para a hipótese de violação da lei federal ou de tratado, mas o manteve em relação à validade da lei federal em face da Constituição.127 Apesar disso, o entendimento jurisprudencial direcionou-se no sentido da exigência do prequestionamento.

A Constituição de 1967, enfim, suprimiu definitivamente o termo “questionar”,128 ocasionando a edição das Súmulas 282 e 356, ambas relativas à exigência do prequestionamento.

3.2. Constituição de 1988

A atual Constituição Federal, além de criar a figura do Recurso Especial para o novel Superior Tribunal de Justiça, em seus dispositivos referentes aos recursos excepcionais, também não mencionou o vocábulo

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Na Carta de 1934, a previsão era no seguinte sentido: “Art. 76. Á Corte Suprema compete: (...) 2) julgar: (...) III, em recurso extraordinário, as causas decididas pelas justiças locaes em única ou ultima instancia: a) quando a decisão fôr contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja applicação se haja questionado; b) quando se questionar sobre a vigência ou a validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão do tribunal local negar applicação á lei impugnada”. Idêntico texto se encontra no artigo 101, inciso III, alíneas "a” e “b”, da Constituição de 1937. 127

De fato, assim previa o artigo 101 da citada Constituição: “Art. 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete: (...) III – julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais ou juízes: a) quando, a decisão fôr contrária a dispositivo desta Constituição ou a letra de tratado ou lei federal; b) quando se questionar sôbre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada”. 128

O artigo 114 da Carta de 1967 disciplinou o cabimento do recurso extraordinário dessa forma: “Art. 114. Compete ao Supremo Tribunal Federal: (...) III – julgar mediante recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais ou juízes, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal; (...) c) julgar válida lei ou ato de govêrno local contestado em face da Constituição ou de lei federal; (...)”.

“questionar” em nenhuma das hipóteses de cabimento do Recurso Especial ou do Recurso Extraordinário, tendo utilizado, em vez disso, os termos “contrariar” e “contestar”. De fato, assim prevêem os artigos 102 e 105 da mencionada Carta:

“Art. 102 – Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...) III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão

recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a

inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.” (destaques acrescentados)

“Art. 105 – Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (...) III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local

contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente

da que lhe haja atribuído outro tribunal.” (destaques acrescentados)

Vale notar que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, muito se discutiu acerca da constitucionalidade das Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal e do próprio requisito do prequestionamento, tendo prevalecido o entendimento de que esse requisito, nelas contido, era constitucional, especialmente em virtude da natureza dos recursos excepcionais.

Nessa época surgiram três correntes doutrinárias em torno do conceito do prequestionamento. A primeira o conceituava como a manifestação expressa do tribunal recorrido acerca de determinado tema; a segunda, como o debate anterior à decisão recorrida (ônus da parte), e a terceira, a soma das duas tendências anteriores, que era justamente a posição que já vinha sendo adotada.

O entendimento que tem prevalecido a partir da Constituição de 1988 é o da terceira corrente, no sentido de que o prequestionamento está na decisão

inferior, embora as Cortes Superiores tenham continuado a fazer referência à

Súmula nº 282 do Supremo, que exige também a prévia postulação das partes. Note-se, como reforço de argumentação em relação à terceira posição, que, de acordo com os artigos 102, III, e 105, III, da CF/88, tanto o Recurso Especial quanto o Recurso Extraordinário têm em comum a exigência de que a

decisão recorrida contenha uma questão constitucional ou uma questão federal.

Percebe-se, por conseguinte, que a própria Constituição Federal delimita o conceito de prequestionamento, considerando que decisão apta a provocar a

interposição de recurso excepcional é aquela que contenha uma questão constitucional ou uma questão federal. Em conseqüência, aquilo que não tiver sido objeto de decisão não pode ser alvo de recurso.