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Os embargos de declaração e o prequestionamento ficto

3. PREQUESTIONAMENTO

3.5. Os embargos de declaração e o prequestionamento ficto

Nos termos do artigo 535 do Código de Processo Civil, são cabíveis embargos de declaração para suprir omissão, obscuridade ou contradição.

Ocorre que, em virtude da necessidade de suprir o requisito do prequestionamento, especialmente diante do entendimento dado à Súmula nº 356 do Supremo Tribunal Federal, os embargos de declaração passaram a ser utilizados para dar trânsito ao recurso, no sentido de provocar o

prequestionamento da matéria, ainda que tais embargos sejam rejeitados. Vale dizer, caso o acórdão não tivesse prequestionado a matéria, a simples oposição dos embargos de declaração seria suficiente para considerá-la prequestionada, independentemente do resultado dos embargos.

Essa hipótese, em que ocorre a oposição dos embargos de declaração para suscitar a matéria constitucional ou infraconstitucional, ainda que a conseqüência do seu julgamento seja desfavorável ao embargante, configura o que a doutrina e a jurisprudência denominaram de “prequestionamento ficto”. Referido procedimento era acatado pelo Supremo Tribunal Federal, o qual considerava que, reagitada a questão constitucional não enfrentada pelo acórdão, mediante embargos de declaração, tem-se por prequestionada a matéria, para viabilizar o recurso extraordinário, ainda que se recuse o Tribunal a quo a manifestar-se a respeito (v.g., RE 210638, 1ª T, 14.04.1998, Pertence, DJ 19.6.1998; RE 208639, 2ª T, 6.4.99, Jobim, DF 4.2.00, RTJ 172/273; RE 219934, Pl, 14.06.00, Gallotti, DJ 16.2.2001).131

Nessas ocasiões, havendo rejeição dos embargos declaratórios, a interposição do recurso extraordinário baseava-se na própria matéria objeto dos referidos embargos, e não na recusa do tribunal de origem em se pronunciar a respeito da questão constitucional.132

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RE nº 266.397-2 (PR), j. 09.03.2004, 1ª Turma, Relator Ministro Sepúlveda Pertence. No mesmo sentido, a conclusão exposta no RE nº 418.876-7 (MT), j. 30.03.2004, 1ª Turma, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, ao propugnar que “a oposição de embargos declaratórios visando à solução de matéria antes suscitada basta ao prequestionamento, ainda quando o Tribunal a quo persista na omissão a respeito”.

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Nesse sentido, importante o julgamento do RE nº 210.638-1 (SP), j. 14.04.98, 1ª Turma, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, que apresentou a seguinte ementa: “O que, a teor da Súm. 356, se reputa carente de prequestionamento é o ponto que, indevidamente omitido pelo acórdão, não foi objeto de embargos de declaração; mas, opostos esses, se, não obstante, se recusa o Tribunal a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte, permitindo-se-lhe, de logo, interpor recurso extraordinário sobre a matéria dos embargos de declaração e não sobre a recusa, no julgamento deles, de manifestação sobre ela”. Aliás, à época,

O entendimento exposto pelo Supremo Tribunal Federal redimensionou o entendimento que se tinha diante da Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça, que defendia a inadmissibilidade do recurso especial na situação em que, mesmo diante da oposição de embargos de declaração, não houvesse pronunciamento do tribunal a respeito da questão infraconstitucional que se pretendia fosse prequestionada. Bem por isso, entendeu-se que a Súmula nº 356 do Supremo Tribunal Federal seria aplicável não apenas ao recurso extraordinário, como também ao recurso especial.133

Ocorre que tal situação ocasionou uma série de injustiças, um volume exagerado de embargos de declaração e especialmente a criação de uma hipótese para cabimento dos embargos não prevista na lei.

Atualmente, apesar da edição da Súmula nº 98 pelo Superior Tribunal de Justiça, admite-se a oposição de embargos de declaração apenas quando ocorrerem as hipóteses previstas no Código de Processo Civil, isto é, omissão, obscuridade e contradição – e, obviamente, desde que tais matérias tenham sido devidamente devolvidas ao Tribunal a quo.

o voto do eminente relator foi bastante esclarecedor a respeito da matéria que deveria constar do recurso extraordinário: “A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual ‘não foram opostos embargos declaratórios’. Mas, se opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte. Não desconheço opiniões em contrário no Tribunal (cf. e.g., RE 208639, Inf. STF nº 78). Estou, porém, data venia, em que reclamar ainda aqui a interposição de recurso extraordinário para, reconhecida a nulidade do acórdão que se negou a completar a decisão, compelir a tanto o Tribunal a quo para só depois admitir o recurso de mérito é formalismo incompatível com a instrumentalidade, a economia e, de conseqüência, a efetividade do processo, cuja inadequação sobe de ponto em tempos de congestionamento da justiça como o que vivemos”.

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De fato, no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 317.281-2 (RS), j. 28.06.2001, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, concluiu-se que “a recusa do órgão julgador em suprir omissão apontada pela parte através da oposição pertinente de embargos declaratórios não impede que a matéria omitida seja examinada pelo STF, como decorre a fortiori da Súmula 356, que é aplicável tanto ao recurso extraordinário, como ao recurso especial, a despeito do que estabelece a Súmula 211 do STJ, data venia”.

Nessa linha de raciocínio, caso sejam rejeitados os embargos, persistindo, assim, omissão, obscuridade ou contradição, devem as partes interpor recurso especial e/ou recurso extraordinário. No recurso especial, alega- se, em preliminar, a negativa de vigência ao artigo 535 do Código de Processo Civil, em um ou mais de seus incisos,134 conforme se trate de ausência de prestação jurisdicional no tocante ao saneamento de omissão, aclaramento de obscuridade ou desvencilhamento de contradição do julgado. Já no recurso especial, a preliminar de negativa de prestação jurisdicional deverá estar consubstanciada na contrariedade do julgado ao art. 5º, incisos XXXV e LV, da Constituição Federal,135 que tratam, respectivamente, do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional136 e da ampla defesa. Ainda na hipótese de recurso extraordinário, argumenta-se em preliminar a violação ao art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, que cuida do princípio da fundamentação das decisões judiciais.137

De qualquer forma, seja no recurso especial, seja no extraordinário, as partes devem requerer, na preliminar acima mencionada, a nulidade do acórdão recorrido e a determinação do tribunal superior para que outra decisão seja proferida pelo tribunal local, a fim de que sejam sanados os vícios apontados.

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“Art. 535. Cabem embargos de declaração quando: I – houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição; II – for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal.”

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“Art. 5º (....): XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (...) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (...).” 136

José Afonso da Silva, Comentário contextual à Constituição, p. 131, prefere denominar o citado princípio como o da proteção judiciária.

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De fato, o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal assim preceitua a respeito da necessidade de motivação das decisões judiciais: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)”.

Entende-se daí que os embargos de declaração, atualmente, prestam- se única e exclusivamente para sanar omissões, contradições ou obscuridades. Nesse sentido é o entendimento de diversos julgados, entre os quais transcrevemos os que se seguem:

“Havendo a Câmara julgadora, ao decidir agravo de instrumento, deixado de pronunciar-se sobre questão de inegável relevância que havia sido expressamente suscitada pela agravante, impõe-se, uma vez não sanada a omissão em sede de declaratórios, reconhecer afrontado o artigo 535, CPC.”138

“Judiciário – Acesso – Alcance. A garantia constitucional alusiva ao acesso ao Judiciário engloba a entrega da prestação jurisdicional de forma completa, emitindo o Estado-juiz entendimento explícito sobre as matérias de defesa veiculadas pelas partes. Nisto está a essência da norma inserta no inciso XXXV do artigo 5º da Carta da República.”139

Percebe-se, pelo que foi acima mencionado, que a oposição de embargos de declaração para fins de prequestionamento deverá preencher, regra geral,140 três requisitos: a) existência de matéria constitucional ou infraconstitucional em discussão; b) devolução da matéria constitucional ou infraconstitucional ao tribunal estadual; c) não obstante referida matéria tenha sido devolvida ao tribunal, a discussão a seu respeito tenha se tornado omissa, obscura ou contraditória no acórdão.