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COPYLEFT E SOFTWARE LIVRE

TECNOPOLÍTICAS

1.4 DISPOSITIVOS BIOPOTENTES: MULTIDÃO CONECTADA

1.4.1 COPYLEFT E SOFTWARE LIVRE

Na seção 1.2, foi abordado como o surgimento da internet se dá a partir de dois eixos principais: um, militar; outro, acadêmico, voltado à disseminação de conteúdo científico e à cooperação intelectual. O potencial das redes digitais de comunicação para a produção colaborativa e a livre troca de conhecimento, portanto, vem sendo explorado desde suas origens, desdobrando-se em uma série de ações – ainda que conquiste maior visibilidade e adesão do usuário comum nas últimas décadas.

Segundo Malini e Antoun,224 a transição do sistema centralizado em grandes hubs para a arquitetura mais distribuída, possibilitada pelo uso dos modems, ainda no ano 1984, desempenha papel fundamental para multiplicar as conexões fora de ambientes especializados e para o surgimento da cultura hacker e do ciberativismo. Os grupos de discussão da Usenet (a primeira plataforma de conversação online) e as BBSs225 convertem a rede gradualmente em um meio propício à “produção de relações, de afetos, de cooperação e de trocas de conhecimentos micropolíticos”.226

Deste modo, o ano de 1984 pode ser lido como o ano da invenção do ciberespaço. É o instante de organização de inúmeros grupos ativistas que fundam a noção de ciberespaço – esse território virtual de trocas, ação coletiva e produção comum de linguagens nomeada assim no seminal Neuromancer, romance de William Gibson, também datado de 1984, uma obra que se torna metáfora perfeita dessa subjetivação informacional trazida pelo povoamento da internet através dos grupos de discussão.227

É nesse mesmo ano que o programador Richard Stallman228 funda a Free Software Foundation e a licença copyleft, criando mecanismos para o livre compartilhamento da propriedade intelectual. Stallman trabalhava, então, no Laboratório de Inteligência Intelectual do MIT,229 onde foi adquirida uma impressora capaz de produzir em uma velocidade altíssima, mas que eventualmente, porém, destruía páginas a serem impressas. Buscando solucionar o problema, o cientista solicitou o código-fonte ao fabricante do equipamento, mas a empresa se recusou a fornecê-lo por razões comerciais. Tal fato o levou a vislumbrar um futuro distinto para o universo informático, em que os códigos-fontes fossem

                                                                                                               

224MALINI; ANTOUN, op. cit.,

225 Bulletin Board Systems, sistema de troca de mensagens por meio de fóruns, que pode ser considerado um precursor das redes sociais contemporâneas, 226 MALINI; ANTOUN, op. cit., p. 17.

227 Ibidem, p. 19.

228Richard Matthew Stallman (1953-), programador, hacker e ativista norte-americano, criador da licença GNU (General Public License) que consolida o conceito de copyleft.

229Massachusetts Institute of Technology, centro norte-americano de pesquisa em tecnologia localizado em Cambridge, Massachusetts, EUA.

distribuídos livremente para a reprodução e aperfeiçoamento por outros programadores, conduzindo o conhecimento acerca da área a se multiplicar e se aperfeiçoar de maneira contínua e acessível.230

Stallman afastou-se do MIT e se dedicou à produção de um sistema operacional aberto, o GNU. O código-fonte do produto era distribuído, inicialmente, mediante pagamento de uma taxa de cento e cinquenta dólares, mas garantia a liberdade de execução, modificação e distribuição de cópias e versões adaptadas do programa. Consequentemente, surgiu a necessidade de garantir que adaptações derivadas do código original não fossem patenteadas como criações autorais, e submetidas às restrições do

copyright. Dessa maneira, foi lançada a licença copyleft, assegurando a todo produto originado de um software livre a mesma abertura concedida ao dispositivo precedente: “Ninguém é forçado a entrar no

nosso clube, mas aqueles que desejam participar devem nos oferecer a mesma cooperação que recebem de nós. Isso torna o sistema justo”.231 Mais recentemente, a partir de 2001, o lançamento das licenças Creative Commons232 possibilita graus intermediários de licenciamento de conteúdos, por exemplo: o

                                                                                                               

230Ver: ibidem, p. 42-43.

231STALLMAN, apud MALINI; ANTOUN, op. cit., p. 45.

232Sobre os diferentes tipos de licenças disponibilizadas pela Creative Commons: “Atribuição CC BY

Esta licença permite que outros distribuam, remixem, adaptem e criem a partir do seu trabalho, mesmo para fins comerciais, desde que lhe atribuam o devido crédito pela criação original. É a licença mais flexível de todas as licenças disponíveis. É recomendada para maximizar a disseminação e uso dos materiais licenciados.

Atribuição-CompartilhaIgual CC BY-SA

Esta licença permite que outros remixem, adaptem e criem a partir do seu trabalho, mesmo para fins comerciais, desde que lhe atribuam o devido crédito e que licenciem as novas criações sob termos idênticos. Esta licença costuma ser comparada com as licenças de software livre e de código aberto "copyleft". Todos os trabalhos novos baseados no seu terão a mesma licença, portanto quaisquer trabalhos derivados também permitirão o uso comercial. Esta é a licença usada pela Wikipédia e é recomendada para materiais que seriam beneficiados com a incorporação de conteúdos da Wikipédia e de outros projetos com licenciamento semelhante.

Atribuição-SemDerivações CC BY-ND

Esta licença permite a redistribuição, comercial e não comercial, desde que o trabalho seja distribuído inalterado e no seu todo, com crédito atribuído a você. Atribuição-NãoComercial CC BY-NC

Esta licença permite que outros remixem, adaptem e criem a partir do seu trabalho para fins não comerciais, e embora os novos trabalhos tenham de lhe atribuir o devido crédito e não possam ser usados para fins comerciais, os usuários não têm de licenciar esses trabalhos derivados sob os mesmos termos. Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual CC BY-NC-SA

Esta licença permite que outros remixem, adaptem e criem a partir do seu trabalho para fins não comerciais, desde que atribuam a você o devido crédito e que licenciem as novas criações sob termos idênticos.

Atribuição-SemDerivações-SemDerivados CC BY-NC-ND

Esta é a mais restritiva das nossas seis licenças principais, só permitindo que outros façam download dos seus trabalhos e os compartilhem desde que atribuam crédito a você, mas sem que possam alterá-los de nenhuma forma ou utilizá-los para fins comerciais.Também fornecemos instrumentos que operam no espaço ‘todos os direitos concedidos’, do domínio público. O nosso instrumento CC0 permite que os licenciantes renunciem a todos os direitos e coloquem um trabalho no domínio público. A nossa Marca de Domínio Público permite que qualquer usuário da internet “sinalize” um trabalho para indicar que este se encontra no domínio público.” Fonte: <https://br.creativecommons.org/licencas/>, acesso em: 14 ago. 2015.

autor pode permitir a livre reprodução do seu trabalho, desde que citados os créditos, ou que não seja usado para fins comerciais.

A ideia central do copyleft é que nós damos a qualquer um a permissão para executar o programa, copiar o programa, modificar o programa e redistribuir versões modificadas – mas nós não lhe damos permissão para somar restrições de sua propriedade. Deste modo, as liberdades cruciais que definem o “software livre” são garantidas a qualquer um que tenha uma cópia; eles tornam-se direitos inalienáveis.233