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PERFORMATIVIDADE E INDETERMINAÇÃO

No documento Urbanismo entre pares: cidade e tecnopolítica (páginas 114-117)

DISPOSITIVOS URBANOS

2.2.2 “INTELIGÊNCIA”: UM GRANDE NEGÓCIO

2.3 PARÂMETROS PRELIMINARES DE ANÁLISE

2.3.4 PERFORMATIVIDADE E INDETERMINAÇÃO

As cidades se fazem e se transformam a todo instante. Não apenas por arquitetos, urbanistas e gestores públicos, mas especialmente por seus habitantes, a partir da vivência cotidiana. Recorre-se novamente aqui ao conceito de urbanismo performativo,392 que considera os usuários de um dado espaço seus principais agentes produtores. Toma-se a metrópole como fruto, em mutação constante, da experiência coletiva, assim como actante constituinte nos processos de organização humana.393

O planejamento urbano tradicional, por outro lado, conduz a gestão do espaço a partir de uma sequência linear de etapas e de uma abordagem que pretende dar conta da totalidade dos seus fenômenos de transformação. Esses passos costumam ser impermeáveis uns aos outros e à dinâmica da cidade, que ocorre dissociada dos dispositivos oficiais. Trâmites burocráticos excessivos resultam em processos lentos, que não atendem à urgência de certas demandas, gerando intervenções que, uma vez prontas, podem já não se adequar aos contextos para que foram concebidas.

Faz-se necessário pensar ferramentas que incorporem a dimensão performativa da vida urbana, tomando a cidade como sistema em transformação constante, de completude incapturável. Propõe-se                                                                                                                

389 FLUSSER, op. cit., p. 63-73. 390 Ibidem, p. 118.

391 Ibidem, p. 131. 392 WOLFRUM, op. cit. 393HILLIER, op. cit., p. 4.

criar mecanismos com abertura à instantaneidade e à indeterminação, o que não implica em descartar planos de longo prazo, ou em desconsiderar o tempo e a cautela requeridos por determinados tipos de intervenção. Acredita-se, contudo, que a gestão urbana possa ser menos estanque e acontecer em diversos níveis, tornando-se mais leve, mais flexível, mais porosa às dinâmicas cotidianas da cidade e à auto-organização.

2.3.5 COLABORAÇÃO

Parte-se aqui do princípio de que a conectividade em rede fornece condições propícias à organização de ações ou à produção de conhecimento de maneira colaborativa. Discutiu-se na seção 1.4 como a criação das licenças copyleft gerou abertura para que os softwares desenvolvidos dessa maneira se beneficiassem da possibilidade de serem continuamente aperfeiçoados e multiplicados, a partir da contribuição de usuários diversos. A colaboração é a ideia por trás de iniciativas como a Wikipedia ou das ferramentas de crowdsourcing: a partir de pequenos esforços, feitos por múltiplos agentes, são produzidos grandes resultados.

Remete-se, no que toca a esse ponto, ao conceito de inteligência coletiva, às filosofias do DIY e, especialmente, do DYWO,394 discutidas na seção 1.4, e que preconizam que fazer junto constitua o cerne das práticas propostas.

2.3.6 COMPARTILHAMENTO

No primeiro capítulo, foi abordado como o compartilhamento de conteúdo imaterial em rede subverte a lógica tradicional da propriedade privada, criando um modelo que, paradoxalmente, reduz o valor de troca ao mesmo tempo em que produz riqueza, uma vez que a reprodutibilidade infinita desses recursos resulta em abundância.

Naturalmente, a reprodução é muito diferente das formas tradicionais de roubo, pois a propriedade original não é tomada de seu proprietário; simplesmente passa a haver mais propriedade para alguém mais. A propriedade privada baseia-se tradicionalmente numa lógica de escassez – a propriedade material não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo; se você a tem, eu não posso tê-la –, mas a infinita reprodutibilidade que é um elemento central dessas formas imateriais de propriedade solapa diretamente qualquer concepção de escassez como esta.395

A expansão crescente da comunicação em rede, contudo, começa a gerar efeitos ainda mais profundos, quando se percebe que a conectividade ampliada cria condições para que também estruturas,                                                                                                                

394DIY – do it yourself, ‘faça você mesmo’; DIWO – do it with others, ‘faça com os outros’. 395 HARDT; NEGRI, apud MALINI; ANTOUN, op. cit., p. 53.

espaços e bens materiais passem a ser compartilhados por um número cada vez maior de pessoas. Sob essa perspectiva, ter acesso a determinados equipamentos ou lugares torna-se mais importante do que possuí-los, fazendo emergir novos padrões de consumo.

2.3.7 FLEXIBILIDADE

Finalmente, a flexibilidade aparece como um aspecto fundamental ao que se poderia entender como urbanismo de segunda ordem. Em certa medida, trata-se de uma característica que se apresenta com diferentes graus de intensidade nos parâmetros mencionados anteriormente. Acredita-se que seja importante destacá-la dada sua relevância na busca por alternativas às práticas hegemônicas de planejamento urbano. Há de se considerar, no entanto, que encontrar maneiras para que as ferramentas que articulam a organização das cidades sejam adaptáveis, acompanhem as transformações cotidianas do espaço e reduzam a burocratização consiste em um esforço que é, ao mesmo tempo, tão importante quanto arriscado, impondo um grande desafio aos que desejem atuar nesse sentido.

Discutiu-se na seção 1.2 como os novos modos de produção que se constituem com a perda de protagonismo do modelo industrial se articulam por meio de dispositivos biopolíticos pautados pela mobilidade, pela maleabilidade e pelo conexionismo. Capitalismo flexível é, inclusive, uma das denominações dadas com frequência a tal reorganização do mundo do trabalho. Há de se concordar, portanto, que a flexibilidade esteja por trás de muitos dos mecanismos de dominação, expropriação do comum e segregação atuantes nas metrópoles biopolíticas, sobretudo a partir de políticas neoliberais que promovem a privatização crescente dos espaços urbanos.

O que se questiona aqui é justamente o impulso recorrente de fazer frente a tais políticas mediante o enrijecimento institucional e a expansão do controle estatal sobre as dinâmicas urbanas, promovendo a manutenção das práticas regulatórias de planejamento. Propõe-se que, em vez disso, se explore a flexibilidade em prol do bem comum e da ampliação democrática, tendo em vista as tensões e as contradições que atravessam a referida tarefa. Como fazer isso é questão ainda a ser investigada, mas acredita-se que alguns dos exemplos apresentados no próximo capítulo indiquem pistas interessantes a serem perseguidas.

CAPÍTULO III

No documento Urbanismo entre pares: cidade e tecnopolítica (páginas 114-117)