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D IVISÃO T RADICIONAL ENTRE P ROPRIEDADE I NDUSTRIAL E P ROPRIEDADE L ITERÁRIA

1.6. A SPECTOS C ONCEITUAIS DA P ROPRIEDADE I NTELECTUAL

1.6.1. D IVISÃO T RADICIONAL ENTRE P ROPRIEDADE I NDUSTRIAL E P ROPRIEDADE L ITERÁRIA

LITERÁRIA E ARTÍSTICA

Para fins didáticos, costuma-se dividir, tradicionalmente, a Propriedade Intelectual em dois grandes grupos, considerando que o exercício da ação criativa humana pode ser exercida tanto no campo da estética (Propriedade Literária e Artística) como no campo da técnica (Propriedade Industrial)124.

Conforme GAMA CERQUEIRA:

“O primeiro grupo denomina-se, geralmente, propriedade literária, científica, artística, em oposição à propriedade industrial, que designa o segundo. Ambas sob a denominação genérica de 'propriedade industrial, que designa o segundo. Ambas, sob a denominação genérica de propriedade imaterial ou propriedade intelectual, constituem objeto do direito industrial, considerado como ramo autônomo da ciência jurídica”. Mas nos países em que o

exclusivity, minus the loss of social value from a diminished public domain. It must also account for the very considerable administrative and litigation costs of running the IP system as well as its propensity to make serious errors. Antitrust policy has an important role as well”. (HOVENKAMP, Herbert e BOHANNAN, Cristina in “Creation without Restraint - Promoting Liberty and Rivalry in Innovation”, Oxford University Press, December 2011; U Iowa Legal Studies Research Paper). No Brasil, SALOMÃO FILHO clama por uma revisitação ou “atualização” do Direito Industrial, com intuito de interpretá-lo como uma instituição que também visaria a preservar a instituição concorrência: “De tudo o que foi dito, a conclusão é direta. Não há

que se falar em complementaridade entre direito industrial e direito concorrencial. Não se deve, tampouco, cogitar de derrogação das regras do direito concorrencial pelo direito industrial. O direito industrial é, ao contrário, um campo no qual os princípios concorrenciais têm particular aplicação. Ocorre que esses princípios são publicísticos, i.e., tendentes à proteção de difusão do conhecimento e não à proteção privada de concorrentes. Reconstruído com base em princípios concorrenciais institucionais, o direito industrial não apenas ganha novas hipóteses legais de incidência, como passa a ter uma disciplina muito mais abrangente e rígida a um só tempo”. Segundo nos parece, o ponto comum entre a perspectiva do autor e a nossa neste

trabalho é o reconhecimento de importância de aplicação do Direito Concorrencial (i.e., o “Direito Antitruste”) ao Direito Industrial e, em particular, à Propriedade Intelectual, como forma de corrigir as distorções de uma excessiva privatização de bens intelectuais. (SALOMÃO FILHO, Calixto, in “Direito Industrial, Direito Concorrencial e Interesse Público”, Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, ano 2, n. 7, 2004, pg. 29)

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“O poder da inteligência do homem e a atividade de sua imaginação criadora manifestam-se no domínio

das artes e das ciências, como no campo da técnica e das indústrias, em obras de vários gêneros, que encontram proteção na lei e constituem origem de variadas relações jurídicas”. (GAMA CERQUEIRA, João da, “Tratado de Propriedade Industrial”, Vol. I, Rio de Janeiro, Revista Forense, 1946, p. 67)

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Direito Industrial não logrou alcançar autonomia didática, doutrinária ou legislativa, a propriedade imaterial é desdobrada em membra disjecta: a propriedade literária, científica e artística é estudada, geralmente, como parte do direito civil, ao passo que a propriedade industrial é considerada como capítulo do direito comercial ou, quando muito, como simples especialidade no quadro desse ramo do direito125”.

Adiante-se que esta separação está em franca crise, pelos motivos que analisaremos mais adiante neste tópico. Entretanto, para meros fins de exposição, nos valeremos da costumeira divisão em um primeiro momento.

No campo da Propriedade Industrial, estão incluídos126 as patentes127, os modelos de utilidade128, o desenho industrial129, as marcas130, as indicações geográficas131 e os segredos empresariais132.

125 G

AMA CERQUEIRA, João da “Tratado de Propriedade Industrial, GAMA CERQUEIRA, João da Tratado de Propriedade Industrial, Vol. I, Rio de Janeiro, Revista Forense, 1946, pg. 70-71)

126 A Convenção de Paris dispõe em seu Artigo I, 2o parágrafo, o seguinte: “A proteção da propriedade

industrial tem por objetivo os privilégios de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos e modelos industriais, as marcas de fábrica e de comércio, o nome comercial e as indicações de procedência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal”.

127 “Uma patente, na sua formulação clássica, é um direito, conferido pelo Estado, que dá ao seu titular a

exclusividade da exploração de uma tecnologia. Como contrapartida pelo acesso do público ao conhecimento dos pontos essenciais do invento, a lei dá ao titular da patente um direito limitado no tempo, no pressuposto de que é socialmente mais produtiva em tais condições a troca da exclusividade de fato (a do segredo da tecnologia) pela exclusividade temporária de direito”. (BARBOSA, Dênis Borges, “Introdução à Propriedade Intelectual”, pg. 295, disponível no portal do autor em http://www.denisbarbosa.addr.com/) 128 “[o] modelo de utilidade corresponde a uma forma nova de produto conhecido que resulta em melhor

utilização.” Assim, “os modelos de utilidade visam a melhorar o uso ou a utilidade dos produtos, dotando-os de maior eficiência ou comodidade em sua utilização, por meio de uma nova configuração.” (SILVEIRA , Newton, Propriedade intelectual, 3ª Ed., Ed. Barueri, Manole, 2005, pg. 7)

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“Já os desenhos industriais se reduzem a objetos de caráter meramente ornamental, objetos de gosto,

como se dizia no passado. A proteção, no caso, restringe-se à nova forma conferida ao produto, sem considerações de utilidade, podendo achar-se aplicada a um objeto útil ou não. Tal forma, entretanto, deve achar-se desvinculada da função técnica, isto é, não pode consistir em uma forma necessária para que o produto preencha a sua finalidade, hipótese em que se configuraria um modelo de utilidade” (SILVEIRA, Newton, “Propriedade intelectual”, cit., p. 7.)

130“marca é o sinal visualmente representado, que é configurado para o fim específico de distinguir a origem

dos produtos e serviços. Símbolo voltado a um fim, sua existência fáctica depende da presença destes dois requisitos: capacidade de simbolizar e capacidade de indicar uma origem específica, sem confundir o destinatário do processo de comunicação em que se insere: o consumidor. Sua proteção jurídica depende de um fator a mais: a apropriabilidade, ou seja, a possibilidade de se tornar um símbolo exclusivo, ou legalmente unívoco, em face do objeto simbolizado”. (BARBOSA, Dênis Borges, “Introdução à Propriedade Intelectual”, pg. 700)

131 “Pelo art. 177, considera-se indicação de procedência o nome geográfico de país, cidade, região ou

localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço. Já denominação de origem é o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos”. (BARBOSA, Dênis Borges, “Introdução à Propriedade Intelectual”, pg. 794)

132 “O art. 195 da Lei 9.279/96, como já mencionado no capítulo sobre concorrência desleal, considera

crime o ato de quem divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; ou divulga, explora ou utiliza-se,

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No campo da Propriedade Literária e Artística, em teoria, se trata da proteção da forma (estética) de expressão de ideias (corpus mysticus), e não do meio mecânico em que a expressão é reproduzida (corpus mechanicus). Neste campo, se dá a proteção do direito autoral e direitos a ele conexos133. Entretanto, a tutela do software, como já aludido anteriormente, embora certamente mais relacionada ao aspecto funcionalidade do que ao aspecto estético, se dá, no Brasil, conforme o direito de autor.

Há, ainda, direitos sui generis, que não se enquadram nem no campo da Propriedade Industrial e nem no campo da Propriedade Literária e Artística, como o direito de Cultivares134 e de Circuitos Integrados135.

O quadro abaixo, tal como reproduzido por CLÁUDIO R. BARBOSA136, resume,

segundo uma concepção mais tradicional – leia-se – as espécies de direitos de Propriedade Intelectual e respectivos requisitos de proteção e campos de aplicação:

Direitos de Propriedade

Intelectual Instrumentos de Proteção Requisitos Campo de Aplicação

Propriedade Industrial

Patentes Novidade, Atividade inventiva,

aplicação industrial Indústria Modelos de Utilidade Novidade, ato inventivo,

aplicação industrial Indústria

sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude”. (BARBOSA, Dênis Borges, “Introdução à Propriedade Intelectual”, pg. 640)

133“Reiterando um princípio universalmente aceito, a proteção do direito do autor abrangerá expressões e

não ideias, procedimentos, métodos de operação ou conceitos matemáticos como tais. Para os programas de computador, em código fonte ou objeto, se reservará a proteção das obras literárias pela Convenção.Igualmente serão protegidas por direito autoral as bases de dados, legíveis por máquina ou em outra forma, nos casos em que, pela seleção ou da disposição de seu conteúdo, constituam criações intelectuais, deverão ser protegidas como tal. Essa proteção não se estenderá aos dados ou ao material em si, e não afetará qualquer direito autoral subsistente nesses dados ou material.(BARBOSA, Dênis Borges, “Introdução à Propriedade Intelectual”, pg. 306)

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“Após o aparecimento das técnicas de manipulação genética, tornou-se consideravelmente mais fácil o

patenteamento dos objetos da biotecnologia, inclusive das variedades de plantas e animais. Antes de 1973, no entanto, apenas um número limitado de novas tecnologias do campo biológico atingiam os padrões mínimos de patenteabilidade - principalmente no que toca às novas variedades de plantas e animais. Tal limitação gerou a necessidade de criar, já há algum tempo, um sistema específico de proteção”. (BARBOSA, Dênis Borges, “Introdução à Propriedade Intelectual”, pg. 306)

135 “De 1959 até 1981, a produção de circuitos integrados era exclusividade americana; a indústria

desenvolvia-se bem e não pensava em propriedade intelectual. A entrada da indústria japonesa no mercado revolucionou as perspectivas do crescimento da oferta e inverteu a liderança de comercialização: em 1986, 47% do mercado mundial eram japoneses e 39%, americanos 1064. Alguma coisa teria que ser feita para proteger a indústria americana de tais piratas. Mas o sistema de patentes não operava adequadamente na proteção dos circuitos integrados”. (BARBOSA, Dênis Borges, “Introdução à Propriedade Intelectual”, pg. 615)

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Baseado na publicação da ONU (1993) e OMPI (1994) por CARLOS A.PRIMO BRAGA – “Traded-Related Intellectual Property Issues: The Uruguay Round Agreement and its economic implications”. P.383. In. “The Uruguay round and the developing economies/Edited by Will Martins, L. Alan Winters, New York: World Bank, 1995.

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Desenho Industrial Novidade, caráter ornamental Indústria, Serviços Marcas Sinais que identifiquem bens

ou serviços

Agricultura, Indústria e Serviços Indicação Geográfica Sinais que identificam bens Agricultura e Indústria Segredos Empresariais Informações comerciais e/ou

industriais confidenciais

Agricultura, Indústria e Serviços Propriedade Literária e

Artística

Direito de Autor e Direitos

Conexos Obras criativas e originais Artes e Entretenimento

Proteções Sui Generis

Direito de Cultivares Espécie com descritores

estáveis Agricultura Circuitos Integrados Layout (Tridimensional)

Original Indústria

A primeira diferença essencial que desponta entre os grupos Propriedade Industrial e Propriedade Literária e Artística é que a primeira tem como pressuposto um conceito de novidade, ao passo que, a segunda, trabalha com a ideia de originalidade.

Novidade é um conceito aferível objetivamente, consistindo em uma criação que não esteja compreendida no estado atual da técnica – assim considerado como o atual estoque de invenções já divulgadas por meio do sistema de patentes. É fundamental, para o conceito de novidade, que esta inovação não possa ser atingida com facilidade por qualquer técnico no assunto (conceito semelhante ao homem médio, ou seja, pessoa que esteja apta a trabalhar em um determinado ramo da técnica, e não o superdotado, fora de série).

Este conceito está atrelado às ideias fundamentais, já expostas anteriormente, de (i) que toda inovação se baseia, em parte, no trabalho do inventor, e, em parte, no suporte conferido pelo atual estágio de conhecimento da sociedade, e (ii) não se admite a apropriação daquilo que está em domínio público.137

A seu turno, a originalidade é um conceito subjetivo, atrelado ao ineditismo. Obras semelhantes, não afrontam o conceito de originalidade, a não ser que se passe a adentrar o campo da cópia servil pura e simples138.

137 Este foi um dos primeiros limites reconhecidos pela Suprema Corte Americana à prerrogativa do

Congresso de estabelecer privilégios: “The Congress in the exercise of the patent power may not overreach

the restraints imposed by the stated constitutional purpose. Nor may it enlarge the patent monopoly without regard to the innovation, advancement or social benefit ained thereby. Moreover, Congress may not authorize the issuance of patents whose effects are to remove existent knowledge from the public domain, or to restrict free access to materials already available, Innovation, advancement, and things which add to the sum of useful knowledge are inherent requisites in a patent system which by constitutional command must “promote the Progress of . . . useful Arts.” This is the standard expressed in the Constitution and it may not be ignored”. (Graham v. John Deere Co, 1966, apud BURCHFEL, Kenneth J. in “Revising the Original Patent clause: Pseudo History in Constitutional Construction”, In Harvard Law Review, Volume 2, Spring Issue, 1989, pg. 163)

138 “No direito autoral, é tipicamente objeto de proteção a obra, fruto de criação pessoal, ainda que seja

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