• Nenhum resultado encontrado

C ONSEQUÊNCIAS E CONÔMICAS DE UMA “S UPERPROTEÇÃO ” PRIVADA DA I NFORMAÇÃO

1.5. T EORIAS E CONÔMICAS PARA J USTIFICAR A P ROPRIEDADE I NTELECTUAL NO S ÉCULO

1.5.5. C ONSEQUÊNCIAS E CONÔMICAS DE UMA “S UPERPROTEÇÃO ” PRIVADA DA I NFORMAÇÃO

INFORMAÇÃO

Finalmente, observa-se que uma excessiva proteção de direitos de propriedade distorce os mercados, por afastar a regra geral de livre concorrência. Assim, criam-se ineficiências estáticas na forma de pesos mortos.

Além disso, uma proteção excessiva à PI interfere com a habilidade de outros inovadores atuarem, e, portanto, criam ineficiências estáticas. Em terceiro, incentiva-se um

próximos a zero, permitindo uma economia de escala. Com este cenário, os custos médios diminuem na medida em que a produtividade aumenta. Esta situação é descrita pelos economistas como “monopólio natural” (LITAN, Robert E., in “Antitrust and the New Economy”, University of Pittsburgh, Law Review, v.

62, n. 3, Spring 2001, pg. 249).

109 L

EMLEY, Mark A., in "Property, Intellectual Property, and Free Riding". Standford Law School, Working Paper No. 291, August 2004

55

comportamento oportunista (rent-seeking), que é socialmente dispendioso, e mesmo um superinvestimento em P&D, que – na opinião de LEMLEY – poderia criar um subinvestimento em outras áreas produtivas110.

Parafraseando a citação de ISAAC NEWTON (“Se enxerguei longe, é porque estive apoiado nos ombros de gigantes”), CARL SHAPIRO se refere à verdadeira pirâmide sobre a qual os pesquisadores têm que se apoiar para produzir inovação. Para escalar essa pirâmide, o pesquisador precisa obter permissão para a pessoa que, antes dele, colocou um tijolo no patamar inferior (o que, na analogia, consiste no pagamento de royalties ou taxas).

Embora reconheça que tais entraves cresceriam na medida em que se avança no processo inovador (isto é, conforme se avança de “P” para “D”, isto é, da Pesquisa Básica para o Desenvolvimento – sendo insignificantes em “P” e crescentes em “D”), o autor reconhece que uma excessiva proteção conferida à Propriedade Intelectual, acompanhada pela necessidade de se negociar royalties com uma infinidade de proprietários, teria como resultado último um desestímulo à inovação.

O autor alude a este elevado número de patentes como Patent Thickets (que pode ser traduzido por “emaranhado de patentes”):

“Today, most basic and applied researchers are effectively standing on top of a huge pyramid, not just on one set of shoulders. Of course, a pyramid can rise to far greater heights than could any one person, especially if the foundation is strong and broad. But what happens if, in order to scale the pyramid and place a new block on the top, a researcher must gain the permission of each person who previously placed a block in the pyramid, perhaps paying a royalty or tax to gain such persmission? Would this system of intellectual property rights slow down the construction of the pyramit or limit its height?

Clearly, pyramid building, namely, research and development (R&D), is taking place at an impressive pace today, so there is no great cause for alarm, especially in the area of basic research where the “royalty” is often (but not always) nothing more than a citation. As we move from pure R to applied R and ultimately to D, however, one can fairly ask whether our legal and commercial institutions are in fact properly designed to promote rather than discourage the creation of products and services that draw on many stands of innovation and thus potentially require licences from multiple patent holders. To complete the analogy, blocking patents play the role of the pyramid's building blocks.

Mixing metaphors, thoughtful observers are increasingly expressing concerns that our patent (and copyright) system is in fact creating a patent thicket, a dense web of overlapping

110 Importante observar que a “teoria da propriedade” não serve para fundamentar direitos sobre marcas e

publicidade, por exemplo. Tais direitos devem buscar sua fundamentação econômica em outras teorias , como a redução de custos de busca, a necessidade de se evitar confusão entre concorrentes, entre outras.

56

intellectual property rights that a company must hack its way through in order to actually comercialize new technology. With cumulative innovation and multiple blocking patents, stronger patent rights can have the perverse effect of stiffling, no encouraging, innovation111”. Também HOVENKAMP e BOHANNAN ressaltam que a expansão da Propriedade

Intelectual contribui para o aumento dos custos de inovação, atravancando o ritmo da inovação, dado que o processo inovador, em alguns mercados, depende de um trabalhar sobre terreno alheio. Portanto, o sistema de Propriedade Intelectual, ao conferir direitos para além do que seria necessário para criar incentivos para inovação, acaba por elevar demasiadamente os custos de pesquisa de terceiros, atravancando o processo de contínua inovação. Tais custos, que são impostos sobre a sociedade, não possuem nenhuma contrapartida por parte dos proprietários112.

Os autores também destacam o problema da captura do legislador por interesses especiais de grupos específicos, como um fator causador da excessiva proteção conferida à PI e, em última análise, da imposição de um freio ao processo inovador. Para eles, “Clearly Congress is stuck. Over the past few decades it has tended to listen only to right holders and not users, and innovation suffers. One important result of legislative capture in copyright infringement, particularly where derivative works and fair use are concerned113”.

Em artigo famoso, MICHAEL HELLER e REBECCA S. EISENBERG, escrevendo vinte

anos após The Tragedy of Commons (Hardin, 1968), falam de uma Tragedy of Anticommons – referindo-se, especificamente, à transição, nos Estados Unidos, da Pesquisa e Desenvolvimento em biomedicina, de um regime financiado por recursos públicos, para um regime privatizado – e às consequências que tal mudança poderia produzir para o processo contínuo de inovação114.

111 S

HAPIRO, Carl – “Navigating the Patent Thicket: Cross Licenses, Patent Pools, and Standard Setting, Univesity of California at Berkeley”

112 H

OVENKAMP, Herbert e BOHANNAN, Cristina in “Creation without Restraint - Promoting Liberty and Rivalry in Innovation”, Oxford University Press, pg. 11

113 H

OVENKAMP, Herbert e BOHANNAN, Cristina in “Creation without Restraint - Promoting Liberty and Rivalry in Innovation”, Oxford University Press, pg. 18

114 “Like the transition to free markets in post-socialist economies, the privatization of biomedical research

offers both promises and risks. It promises to spur private investment but risks creating a tragedy of the anticommons through a ploriferation of fragmented and overlapping intellectual property rights. An anticommons in biomedical research may be more likely to endure than in other areas of intellectual property because of the high transactions costs of bargaining, heterogeneous interests among ownersm, and cognitive biases of researchers. Privatization must be more carefully deployed if it is to serve the public goals of biomedical research. Policy-makers should seek to ensure coherent boundaries of upstream patentes and to minimize restrictive licensing practices that interfere with downstream product development. Otherwise, more up-stream rights may lead paradoxally to fewer useful products for improving human

57

JANET HOPE bem expressou o que tal tragédia dos anticommons representa para os pesquisadores individuais no ramo de biotecnologia: anos de trabalho duro em pesquisa, e de financiamento público conseguido a duras penas, colocados, em última análise, sob a ameaça de um “beco sem saída” de negociações de licenças115.

Nos Estados Unidos, a partir da década de 1980, com a disseminação da tecnologia digital e da internet, vários movimentos, com fundamentos morais e teóricos diversos, surgem em crítica ao sistema da Propriedade Intelectual e à sua inadequação para regular as novas formas de produção de conhecimento então insurgentes.

LARRY LESSIG,YOCHAI BENKLER,JAMES BOYLE,PAMELA SAMUELSON – entre outros

autores – enxergaram na revolução tecnológica a abertura de novas oportunidades de produção não proprietárias de conhecimento, não baseadas no mercado116. Trata-se de um movimento de crítica a uma visão maximalista da Propriedade Intelectual, de repercussão internacional, sem importar – no entanto – em negação ao regime117.

Também é importante mencionar movimentos que pretenderam instituir formas colaborativas – commons-based-peer production – de produção e compartilhamento de informações, como o software livre (copyleft), idealizado por RICHARD STALLMAN118,ou o

health”. (HELLER,Michael e EISENBERG,Rebecca S. - “Can Patents Deter Innovation? The Anticommons in Biomedical Research”, Science, 1 May 1998, Vol. 280, no. 5364, pgs. 698-701)

115 H

OPE, Janet, “Biobazaar: The Open Source Revolution and Biotechnology”, USA-UK, Harvard University Press, 2008

116 “The network information economy requires access to a core set of capabilities - existing information and

culture, mechanical means to process, store and communicate new contributions and mixes, and the logical system necessary to connect them to each other. What nonmarket forms of production need is a core common infrastructure that anyone can use, irrespective of whether their production model is market based or not, proprietary or not” (BENKLER, Yochai, “The Wealth of Networks: How social production transforms markets and freedom. New Haven/London: Yale Univesity Press, 2006)

117

“Ressalte-se que, apesar de anti-maximalista, não se trata de um movimento abolicionista. Os discursos

clássicos de fundamentação intelectual não são inteiramente abandonados, mas submetidos a uma tarefa de apresentação crítica, tendo-se em vista a elaboração de um regime menos unilateral quanto aos interesses protegidos e mais sensível à criação de um ambiente/infra-estrutura em que produção cultural possa ocorrer e fluir com um número menor de restrições. Além dos nomes já citados, podemos mencionar os de William W. Fisher, Julie E. Cohen, Eben Moglen, Mark Lemley, Jonathan Zittrain, Neil Weinstock Netanel, Mark Rose, Carol M. Rose, dentre outros, inclusive fora da área do direito, como é o caso de Siva Vaidhynathan. Internacionalmente, o movimento tem influenciado diretamente, ou encontrado sintonia em, obras de outros autores, como José de Oliveira Ascensão em Portugal, Peter Drahos na Austrália, Michael Geist no Canadá, Bernt Hugenholtz na Holanda, e Ronaldo Lemos no Brasil”. (MIZUMAKI, Pedro Nicolletti, “Função Social da Propriedade Intelectual: Compartilhamento de Arquivos e Direitos Autorais na CF/88”, Dissertação de Mestrado, Pontífica Universidade Católica de São Paulo, 2007)

118

“So, I looked for a way to stop that from happening. The method I came up with is called “copyleft”. It's

called copyleft because it's sort of like taking copyright and flipping it over. [Laughter] Legally, copyleft works based on copyright. We use the existing copyright law, but we use it to achieve a very different goal. Here's what we do. We say, “This program is copyrighted.” And, of course, by default, that means

it's prohibited to copy it, or distribute it, or modify it. But then we say, “You're authorized to distribute copies of this. You're authorized to modify it. You're authorized to distribute modified versions and

extended versions. Change it any way you like.” But there is a condition. And the condition, of course, is the reason why we go to all this trouble, so that we could put the condition in. The condition says: Whenever

58

Open Source, de semelhantes propósitos – porém sem a mesma fundamentação ideológica119.

De modo geral, os economistas divergem acerca do que seria um nível adequado de proteção. Certamente, porém, tal nível adequado de proteção variaria de acordo com o tipo de direitos de Propriedade Intelectual (por exemplo, direitos autorais e patentes), os ciclos de vida de cada produto, a velocidade com que se propagam imitações, e outras características específicas de cada mercado.

Por vezes, a discrepância entre a proteção legal e a realidade econômica torna-se, com o perdão do trocadilho, patente.

Basta tomar, por exemplo, o caso da proteção conferida ao software, a qual, no Direito Brasileiro, se dá sob a tutela conferida aos direitos autorais, com proteção estendida pelo prazo de cinquenta anos120.

É difícil imaginar uma justificativa econômica para tamanho nível de proteção, considerando a atual dinâmica do mercado de softwares, sobretudo, se observarmos a velocidade com que novos aplicativos são criados atualmente, e por qualquer pessoa que disponha de um computador e mínimos conhecimentos em programação.

Tais aplicativos são criados e vendidos, via internet, por meio de downloads feitos por meio de aparelhos móveis. Alguns desses aplicativos chegam ao ápice do sucesso,

you distribute anything that contains any piece of this program, that whole program must be distributed under these same terms, no more and no less. So you can change the program and distribute a modified version, but when you do, the people who get that from you must get the same freedom that you got from us. And not just for the parts of it -- the excerpts that you copied from our program – but also for the other parts of that program that they got from you. The whole of that program has to be free software for them”. The

freedoms to change and redistribute this program become inalienable. (STALLMAN , Richard, “Free Software: Freedom and Cooperation” (discurso), New York University in New York, New York on 29 May 2001)

119

“Anyway, there's even a group of people who focus on this particular benefit as the reason they give, the

main reason they give, why users should be permitted to do these various things, and to have these freedoms. If you've been listening to me, you've noticed, you've seen that I, speaking for the free software movement, I talk about issues of ethics, and what kind of a society we want to live in, what makes for a good society, as well as practical, material benefits. They're both important. That's the free software movement. That other group of people -- which is called the open source movement -- they only cite the practical benefits. They deny that this is an issue of principle. They deny that people are entitled to the freedom to share with their neighbor and to see what the program's doing and change it if they don't like it. They say, however, that it's a useful thing to let people do that. So they go to companies and say to them, “You know, you might make more money if you let people do this.” So, what you can see is that to some extent, they lead people in a similar direction, but for totally different, for fundamentally different, philosophical reasons”. (STALLMAN , Richard, “Free Software: Freedom and Cooperation” (discurso), New York University in New York, New York on 29 May 2001)

120Lei 9.609/1998:

“Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei. (...)

§ 2º Fica assegurada a tutela dos direitos relativos a programa de computador pelo prazo de cinqüenta anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao da sua publicação ou, na ausência desta, da sua criação”.

59

levantando milhões de forma repentina, mas caem em ocaso em seguida, fazendo com que os altos lucros iniciais despenquem vertiginosamente, antes que as imitações possam ser disseminadas121e 122.

Seria muito difícil, porém, que a legislação atingisse um nível de detalhamento adequado a cada mercado, bem como que antecipasse todos os possíveis problemas que novos mercados possam suscitar.

Contudo, há que se ter em mente que, quanto maior a proteção conferida pela PI, menor o escopo do domínio público – que, por assim dizer, pertence à sociedade, constituindo-se de fonte primária de todas as inovações. Esse balanço deve ser considerado na elaboração de políticas de proteção à Propriedade Intelectual.