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C RÍTICAS À E XTENSÃO DOS F UNDAMENTOS E CONÔMICOS DA P ROPRIEDADE T ANGÍVEL

1.5. T EORIAS E CONÔMICAS PARA J USTIFICAR A P ROPRIEDADE I NTELECTUAL NO S ÉCULO

1.5.4. C RÍTICAS À E XTENSÃO DOS F UNDAMENTOS E CONÔMICOS DA P ROPRIEDADE T ANGÍVEL

TANGÍVEL À PROPRIEDADE INTELECTUAL

É importante ressaltar que esta visão econômica da Propriedade Intelectual como Propriedade é bastante particular, tendo sido rejeitada por autores importantes, como HAYEK, que foi enfático em sua refutação, ao afirmar que “a slavish application [to intellectual property] of the concept of property as it has been developed for material things has done a great deal to foster the growth of monopoly. . . . [D]rastic reforms may be required if competition is to be made to work103.”

O próprio RICHARD POSNER, um dos maiores expoentes do Law and Economics,

rejeitou prontamente tal doutrina.

De fato, o caso da Propriedade Intelectual difere da Propriedade convencional, pois esta última está mais relacionada com o problema de internalizar externalidades positivas, do que com o problema das externalidades negativas. Ou seja, o argumento, no caso da Propriedade Intelectual, reside em se evitar que efeitos positivos do investimento se propaguem para outros.

No caso da Propriedade privada sobre bens materiais, as externalidades positivas também estão presentes em muitas situações, porém, isto não costuma gerar preocupações na sociedade.

Se eu reformo a fachada da minha casa, e o melhor aspecto dela passa a beneficiar a vizinhança, eu não posso exigir uma compensação por esta externalidade positiva criada. Se eu planto flores em meu jardim, e os passantes podem apreciá-lo ao passar pela calçada, igualmente, eu não poderia pleitear uma compensação, nem tampouco poderia chamar isso de free-riding (embora, nos dois exemplos, se trate de externalidades positivas).

É fato que existem exceções, em que as externalidades positivas têm relevância para a propriedade privada. Pensemos, por exemplo, no caso de uma rodovia pública, em que, como contraprestação pela sua construção, o governo concede a uma empresa o direito de sua exploração econômica, por meio de cobrança de um pedágio. Isso implica que aquela empresa particular terá o direito de excluir outros do que seria, naturalmente, um recurso público. Outro exemplo é o caso de construção de um shopping center, o qual pode acarretar valorização imobiliária para os moradores vizinhos.

103 H

AYEK, Friedrich A., in “Individualism and Economic Order”, The University of Chicago Press (1948), disponível em http://mises.org/sites/default/files/Individualism%20and%20Economic%20Order_4.pdf – acesso em 14.12.2014.

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O ponto crítico é que, mesmo no caso de tais exceções, o investimento em propriedade tangível não depende da internalização de todas as externalidades positivas. No exemplo do shopping, o fato de haver externalidades positivas não compensadas, resultantes da valorização imobiliária de áreas circunvizinhas, não afetará a decisão sobre o investimento. O que o investidor espera é capturar benefícios bastantes de seu investimento de modo a que ele possa se tornar lucrativo. O benefício excedente resultante será dissipado – pelo mercado, se o recurso é negociado em uma economia concorrencial, ou pela regulação de preços pelo governo (no caso dos pedágios, por exemplo).

O caso das externalidades na propriedade privada é, portanto, assimétrico. O modelo só exige a internalização das externalidades negativas apenas em um nível em que os custos de transação criados excedam a externalidade (uma vez que as externalidades negativas afetarão a decisão sobre investimento).

Embora o problema de investimentos gerarem efeitos positivos a terceiros (i.e., externalidades positivas) não seja sempre visto em economia como um problema social, pelas razões demonstradas acima, é importante salientar, no entanto, que alguns autores brasileiros proeminentes fazem referência à importância de se combater o free-riding como um dos fundamentos do sistema de Propriedade Intelectual. Veja-se, por exemplo, CALIXTO SALOMÃO FILHO, para quem a Propriedade Intelectual “impedindo o free-riding,

ou seja, o aproveitamento por parte daquele que não investiu na pesquisa dos resultados dela advindos, estimula a pesquisa e o desenvolvimento individual. A repressão ao free- riding encontra, portanto, um fundamento eminentemente concorrencial104”.

Para MARK LEMLEY, no entanto, a teoria econômica não exigiria a internalização de todas as externalidades positivas, mas apenas a apreensão de benefícios em nível capaz de permitir a recuperação dos investimentos.

Aqui, um esclarecimento se faz necessário, apenas para dizer que a recuperação dos investimentos não pode ser uma garantia da teoria econômica, senão uma mera potencialidade (em outras palavras, a recuperação do investimento deve ser possível). Em uma economia de mercado, o risco é inerente, e não há que se falar em garantia dos investimentos, mas sim, de uma expectativa razoável de recuperação de investimentos e de

104 S

ALOMÃO FILHO,Calixto,in “Direito Industrial, Direito Concorrencial e Interesse Público”, Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, ano 2, n. 7, 2004, pg. 29.

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lucros. Não está claro, na frase de LEMLEY, qual seria o alcance de sua afirmação, mas se ela for tomada na primeira acepção, discordamos dessa ideia105.

Em matéria de Propriedade Intelectual, ao contrário da Propriedade tangível, praticamente todas as externalidades são positivas. Portanto, o que se denomina Tragedy of Commons em matéria de bens tangíveis é praticamente uma comédia em se tratando da informação.

Essa diferença básica se deve ao fato de que a Tragedy of Commons se relaciona à escassez natural dos bens corpóreos – o que não se verifica quanto à informação, que, uma vez publicada, torna-se praticamente ubíqua. Precisamente por conta da característica de não-rivalidade, a informação não apresenta nenhum risco de uma Tragedy of Commons.

Copiar informação, em verdade, multiplica os recursos disponíveis. A cópia, vista dessa maneira, apenas cria externalidades positivas não compensadas – as quais não levantam muitas preocupações, como vimos acima, quando descrevemos a análise econômica da propriedade privada.

De fato, um dos objetivos da Propriedade Intelectual é, inclusive, promover as externalidades positivas. A Propriedade Intelectual atua dessa forma ao estimular que ideias que, do contrário, permaneceriam em segredo, sejam amplamente disseminadas106. Em outras palavras, a disseminação do conhecimento (e a irradiação, na sociedade, dos efeitos positivos, daí resultantes) é, também, uma das finalidades do sistema.

105 Em um outro trecho, porém, L

EMLEY se exprime em termos mais precisos em nossa opinião: “In a private

market economy, individuals will not generally invest in invention or creation, unless the expected return from doing so exceeds the cost of doing so - that is, unless they can reasonably expect to make a profit from the endeavor”. (LEMLEY, Mark A., "Property, Intellectual Property, and Free Riding". Standford Law School, Working Paper No. 291, August 2004). Como havíamos referido anteriormente, já STUART MILL, ao discutir a proposta de criação de um sistema de recompensas em substituição ao sistema de patentes, afirmou que o sistema de patentes seria preferível por não conferir nenhuma discricionariedade às autoridades públicas quanto ao montante da recompensa, pois este é um julgamento feito pela sociedade por meio do mecanismo de mercado. Se a invenção for considerada útil, o mercado lhe atribuirá maior valor. Ou seja, a patente não confere uma garantia de retorno de investimentos, uma vez que o “prêmio” pela invenção será conferido pelo mercado. No Brasil, KARIN GRAU-KUNTZ tem, sistematicamente, combatido a ideia da Propriedade Intelectual como garantia de retorno de investimentos, de forma imune aos riscos normais do mercado (GRAU-KUNTZ, Karin. A interface da propriedade intelectual com o direito antitruste, publicado na plataforma do IBPI – Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual www.ibpibrasil.org), especificamente no endereço http://www.ibpibrasil.org/40693/64901.html).

106

“Moreover, in a world without patents, inventive activity would be biased toward inventions that could be

kept secret, in just the same way that an absence of property rights in physical goods would bias production towards things that involve minimum preparatory investment” (POSNER, Richard A. In “Economic Analysis

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LEMLEY extrai, de um precedente das cortes, um exemplo de mal uso da analogia da Propriedade Privada, ao citar um caso em que se entendeu que o réu havia cometido uma infração ao acessar o protocolo WHOIS de um site na internet107.

No caso em questão (Register.com v. Verio), a corte entendeu que o réu, ao acessar as informações, havia agido como quem “apanha uma maçã de uma árvore que cresceu na propriedade do autor”.

No entanto, ao contrário da analogia com a propriedade tangível, o autor não fora privado de nenhum bem. “Apanhar uma maçã” parece uma conduta negativa, porque presume que se trata de um bem rival, cujo consumo priva o proprietário de algo. A simples mudança da analogia para “espiar” o terreno do vizinho mudaria todo o juízo de valores no qual se baseou a interpretação.

Tratar a informação como propriedade privada tangível nos induz a imaginar o uso da informação como uma usurpação de bem alheio (i.e., free-riding) – e, portanto, como algo que deveria ser proibido, inclusive por afrontar à moral.

Para LEMLEY, a justificação básica da Propriedade Intelectual advém de algo que

seria apenas um problema secundário da propriedade tangível: o risco de que os criadores não terão lucros suficientes para recuperar seus custos.

A produção de qualquer bem envolve investimentos na forma de custos fixos, que devem ser feitos antes da produção, e custos variáveis ou marginais, que são incorridos cada vez que uma nova unidade é produzida.

Para a maioria dos bens tangíveis, um preço alto o bastante para cobrir os custos marginais de produzir unidades adicionais do bem, acrescido de um lucro razoável, é suficiente para gerar lucros a partir de investimentos em capital fixo.

Nesse aspecto, a informação difere dos bens tangíveis, porque o custo marginal de reproduzi-la é baixíssimo. Os custos fixos de produzir a informação variam de indústria para indústria, ao passo que os custos marginais são muito baixos. Em todas as situações, a razão entre custos fixos e custos marginais é muito maior do que em qualquer outra espécie de bens. Esta é a característica essencial da chamada Nova Economia108.

107

O “WHOIS” é um protocolo específico que permite a consulta de informações de contato e DNS (“Domain Name System”) de uma entidade na internet, isto é, de um domínio, um endereço IP ou um Sistema Autônomo. Esse sistema (WHOIS) permite o acesso a três tipos de contato de uma entidade: Contato Administrativo (Admin Contact), Contato Técnico (Technical Contact) e Contato de Cobrança (Registrant

Contact). Esses contatos são informações de responsabilidade do provedor de internet, que as nomeia de

acordo com as políticas internas de sua rede.

108 “Tais empresas [i.e., da chamada “Nova Economia”] caracterizam-se por manter altos custos fixos em

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Consideradas essas características, se não houvesse proteção da Propriedade Intelectual, os concorrentes do inventor estariam em uma situação claramente mais vantajosa, porque eles seriam capazes de lucrar cobrando, pelos bens reproduzidos, apenas um preço superior aos seus custos marginais, sem ter arcado com os custos fixos de produção dos bens. Em contrapartida, o proprietário, que suportou os custos fixos de produção do bem, estaria em uma situação desprivilegiada, pois apenas poderia cobrar um preço superior aos seus custos fixos – preço este que não seria competitivo.

O resultado, com base na teoria econômica, é que haveria uma falta de incentivos para produção de bens intelectuais. O objetivo da Propriedade Intelectual, visto sob esta ótica, é criar uma escassez que não existe naturalmente, a fim de incentivar os investimentos em inovação.

Esse incentivo, diga-se, deve ser suficiente para criar uma expectativa razoável de recuperação de custos fixos e de uma taxa de lucro (por incentivo suficiente entende-se como um nível abaixo de um controle perfeito).

Como conclui LEMLEY, “the critical difference is that intellectual property law is

justified only in ensuring that creators are able to charge a sufficiently high price to ensure a profit sufficient to recoup their fixed expenses. (...) Sufficient incentive, as Larry Lessig reminds us, is something less than perfect control. Economic theory offers no justification for awarding creators anything beyond what is necessary to recover their average fixed costs”109.