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O UTRAS F IGURAS A NTICONCORRENCIAIS E NVOLVENDO A P ROPRIEDADE

3.4. I LUSTRAÇÕES DOS E NCONTROS ENTRE P ROPRIEDADE I NTELECTUAL E A NTITRUSTE

3.4.4. O UTRAS F IGURAS A NTICONCORRENCIAIS E NVOLVENDO A P ROPRIEDADE

INTELECTUAL:PATENT TROLLS E SHAM LITIGATION

Muito se discute, especialmente nos Estados Unidos, sobre os patent trolls – também chamados patent assertion entities ou non-practicing entities.

Trata-se de detentores de patentes cuja única atividade econômica é extrair lucro a partir de processos judiciais baseados supostas violações de suas patentes.

Nessas situações, ocorre o chamado problema de hold-up, isto é, o problema do refém.

Uma determinada empresa que já tenha realizado um investimento para produzir um determinado produto com base em uma tecnologia possui custos muito elevados para migrar para uma tecnologia alternativa.

Como essas entidades não desenvolvem e nem lançam produtos no mercado, elas não estão sujeitas à típica estratégia de contra-ataque, ou seja, a ameaça de ajuizamento de ações alegando violação recíproca de patentes.

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Os Patent Trolls se valem dos altos custos de litígio, os quais envolvem não apenas as custas judiciais, mas, também, as horas internas expendidas em produzir provas contra as alegações levantadas em juízo pelos Trolls. Some-se a isso a possibilidade de o autor em um processo de violação requerer a busca e apreensão dos produtos, o que é um risco muito alto para as empresas produtivas.

Por tais circunstâncias, os Patent Trolls possuem um grande poder de barganha , podendo, portanto, pressionar para que o litígio resulte em acordo, em que poderão exigir royalties em valor muito acima do razoável.

Estima-se que os Patent Trolls sejam responsáveis por um terço dos processos envolvendo violações de patentes nos Estados Unidos. Um estudo acadêmico calcula que os Trolls custariam à sociedade norte-americana aproximadamente 30 bilhões de dólares ano e que teriam representado um custo de 500 bilhões no curso das últimas duas décadas400.

Para que se tenha uma ideia do atual nível de demonização dos trolls nos Estados Unidos, basta dizer que o tema tornou-se assunto de primeira página em dois dos principais jornais no país, o New York Times e o Wall Street Journal, ambos condenando a prática oportunista e agressiva de tais entidades.

Até mesmo o presidente Barack Obama condenou os Trolls publicamente em um discurso em fevereiro de 2013, em que defendeu uma reforma do sistema de patentes.

O ativismo legislativo contra os Patent Trolls produziu quatorze projetos de lei em discussão no Congresso até o final de 2013 – além de diversas outras iniciativas no âmbito de vinte e sete estados americanos.

O principal projeto em âmbito federal – o Innovation Act – foi aprovado na comissão jurídica do Congresso e na House of Representatives em 05 de Dezembro de 2013, por expressiva votação (325-91).

O projeto eleva o nível de requisitos para conhecimento de petições iniciais em casos envolvendo violação ao direito de patentes, obrigando o autor a identificar, especifica e objetivamente, as suas alegações, fornecendo detalhes sobre os métodos ou atos objetos da acusação, bem como a informar a principal atividade econômica da entidade que alega violação e as reais partes interessadas.

400 B

ESSEN, James, "The Private and Social Costs of Patent Trolls", Boston University School of Law, Working Paper nº11-45, 2011, apud LEMLEY, Mark, "Missing the Forest for the Trolls", Columbia Law Review,Stanford Law and Economics Olin Working PaperNo. 443, May, 2013

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Além disso, o projeto determina que a prova documental deverá ser pré-constituída e que os custos de quaisquer outros meios de prova produzidos devem recair sobre o autor.

Não obstante tamanha preocupação com os Patent Trolls, MARK LEMLEY entende que os problemas a eles relacionados se devem, em última análise, a problemas do próprio sistema de patentes. LEMLEY argumenta que, embora os Patent Trolls atuem de forma oportunista, as chamadas practicing entities – ou seja, empresas que exploram patentes com intuito produtivo – também têm incorporado modelos de negócio próprios dos trolls. Em outras palavras, embora os trolls explorem as falhas do sistema de patentes, eles não são os únicos a fazê-lo.

Por outro lado, em termos práticos, traçar uma linha divisória entre o que seja uma non-practicing entity e uma practicing entity pode levantar dificuldades, o que, por sua vez, também dificultaria o tratamento do tema por meio de legislação que visasse, especialmente, os Patent Trolls.

Portanto, segundo LEMLEY, o foco da reforma do sistema de Propriedade

Intelectual deveria se voltar para aquilo que seria doença em si: as falhas sistêmicas da Propriedade Intelectual, e não para o seus sintomas.

Para LEMLEY, a principal preocupação do legislador não deveria recair especificamente sobre a ação individual dos Patent Trolls, mas sim, sobre como tornar o sistema de obtenção de patentes mais transparente, confiável e estritamente destinado a proteger invenções que não sejam óbvias. Além disso, deve-se adequá-lo para que a indenização buscada em uma eventual ação seja sempre proporcional à contribuição tecnológica real trazida pela patente.

O tema dos Patent Trolls tangencia outra forma de conduta abusiva envolvendo direitos de Propriedade Intelectual, embora com ela não se confunda: é o que a doutrina norte-americana denominou de Sham Litigation, ou Vexatious Litigation na União Europeia.

O Sham Litigation consiste em um uso abusivo dos sistemas regulatório e processual com a finalidade de elevar os custos dos concorrentes, excluir a concorrência e, em última análise, prejudicar os consumidores finais401.

Essa área de interação entre a Propriedade Intelectual e a concorrência é ainda relativamente inexplorada, embora – em nossa visão – o assunto tenha maior relação com a

401 L

IANOS, Ioannis e DREYFUSS, Rochelle, “New Challenges in the Intersection of Intellectual Property Rights With Competition Law - A View from Europe and the United States”, CLES Working Paper Series, Abril, 2013.

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esfera da proteção privada dos concorrentes, do que com a proteção da instituição concorrência, nos moldes da clássica divisão do Direito Concorrencial Alemão – que, em certa medida, também se verifica no Direito brasileiro.

Assim, sem termos a pretensão de esgotar o tema do Sham Litigation, a sua menção nessa dissertação se dá apenas un passant, pois serve para ilustrar as várias tensões entre Propriedade Intelectual e Direito Antitruste no Século XXI.

Sham Litigation ou Vexatious Litigation é um típico caso de conduta predatória não baseada em preços.

Nestes casos, a grande dificuldade enfrentada pelas cortes é estabelecer critérios para distinguir entre o legítimo exercício de direito de petição e o uso abusivo com efeitos anticoncorrenciais.

Nos Estados Unidos, por exemplo, é reconhecido, como regra, que os esforços para influenciar agentes públicos, por meio de lobby, publicidade e outros meios, são protegidas pelo Direito Fundamental de Petição, e tais manifestações não violariam o Direito Antitruste. E isso mesmo nos casos em que a motivação não for juridicamente protegida, como se dá com a tentativa de se eliminar a concorrência. Essa doutrina se denomina Nooerr-Pennington Immunity.

Entretanto, as cortes vêm admitindo algumas exceções à regra de imunidade, quando as partes se utilizam do processo, e não o seu resultado, para dissimular uma conduta anticoncorrencial.

Na Europa, Vexatious Litigation pode constituir uma forma de abuso de posição dominante, contrária ao Artigo 102 da TFEU.

O elemento chave para identificar o Sham Litigation é a ausência de interesse genuíno em receber a tutela judicial. Estabelecer o genuíno motivo do autor, portanto, tem sido a principal preocupação da jurisprudência, tanto na Europa como nos Estados Unidos.

Na prática, as cortes adotam duas abordagens diferentes para identificar o Sham Litigation, uma delas, mais restrita, define o Sham Litigation com um padrão de falta de fundamentação legal para o pedido, realizado sem nenhuma relação com seu mérito, e desenhado apenas para atrasar e amarrar o processo judicial. Outra linha centra a análise do real motivo do réu em um cálculo de custo-benefício de seu interesse econômico em ajuizar a ação.

Seguindo a primeira abordagem, a existência de finalidade predatória é demonstrata em situações de má apreciação da realidade dos fatos pelos tribunais, em razão de perjúrio,

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fraude ou suborno. Entretanto, os Tribunais também consideram como Sham Litigation ações que são manifestamente infundadas ou sem causa provável.

Na análise de existência de causa provável, as cortes examinam a situação existente quando a ação em questão foi ajuizada. A provável causa para instaurar uma ação civil exige não mais do que uma crença razoável de que há chances de sucesso. Esse teste exige, como primeiro passo, a prova de que o processo é objetivamente infundado, em um sentido de que nenhum litigante razoável poderia esperar alcançar êxito com base em seu mérito. Essa abordagem é passível de críticas, uma vez que uma causa poderia vir a ser considerada infundada por uma corte, mas ser acolhida por outra.

A segunda abordagem é mais ampla. O fato de uma ação não ser infundada não exclui a possibilidade de que o uso do processo possa constituir uma violação antitruste. Ao contrário, a existência de Sham Litigation é avaliada objetivamente, com foco no interesse econômico do autor na ação. O que deve contar é se o benefício buscado pelo autor suplanta os seus custos. O teste econômico para concluir pela existência do Sham Litigation seria, portanto, essencialmente um teste de conduta predatória, na medida em que se exige prova de sacrifício econômico, que não poderá ser recuperado pelo autor em um momento seguinte, mesmo no caso de que venha a lograr êxito em sua ação.

A aplicação de tal teste, porém, levanta uma série de questionamentos. Por exemplo, a informação referente aos méritos relativos das partes opostas e ao valor de recuperação podem estar no domínio privado, havendo incentivos para que tal informação seja mal representada em juízo.

Isso levanta a questão sobre qual seria o critério adequado para estabelecer a existência de Sham Litigation. Diferentemente da vasta literatura sobre preços predatórios, os economistas ainda não produziram muitos estudos sobre os incentivos existentes para Sham Litigation.

A Suprema Corte dos Estados Unidos adotou um teste bipartido, combinando as abordagens objetiva e subjetiva: (i) a ação deve ser infundada de modo que nenhum litigante poderia esperar obter êxito baseado em seu mérito; (ii) apenas uma vez que o processo é tido como objetivamente infundado, poderá a corte examinar a motivação subjetiva do litigante (sua má fé).

Assim, o motivo, por si só, não torna viável uma responsabilização por violação à Seção 2 do Sherman Act, apenas porque o direito de Propriedade Intelectual revelou-se inválido. Da mesma forma, em razão do elemento subjetivo exigido, a falta de

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fundamentação da ação não poderá, por si só, levar à conclusão de que há uma afronta ao antitruste. Logo, não bastaria demonstrar que a ação é objetivamente infundada, o autor deve conhecer ou acreditar que ela é infundada.

No Direito Europeu, a Corte Europeia de Justiça concluiu que o exercício do direito de ajuizar ações pode ser considerado abusivo apenas em circunstâncias excepcionais, a saber, (i) quando a ação não puder ser considerada como uma tentativa razoável de estabelecer os direitos da empresa em questão e somente servir para criar um constrangimento à parte contrária e (ii) a ação é parte de um plano cujo objetivo é eliminar a concorrência. O teste europeu parece ser mais voltado à intenção do autor em comparação ao teste norte-americano, embora ainda haja um elemento objetivo consistente na necessidade de demonstrar tal intento a partir da ausência de qualquer outra explicação plausível para ação, que não seja provocar embaraço à outra parte.

Esses elementos levantam uma série de obstáculos práticos, especialmente, quando se trata de indústrias específicas, em que as disputas sobre a propriedade intelectual revelam alto teor de complexidade, como acontece na indústria farmacêutica, por exemplo, o que aumenta o número de alegações aparentemente genuínas e razoáveis, prejudicando o “molde” idealizado pelo teste. Deve-se notar que uma empresa dominante, ao iniciar uma ação sob alegação de violação à Propriedade Intelectual, seria exigida a mostrar que havia expectativa de direito no início do processo, o que pode ser feito por meio de pareceres jurídicos ou documentos internos que demonstrem a percepção da empresa sobre o valor de seu ativo em disputa (Propriedade Intelectual).

O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência já emitiu um pronunciamento referente a uma conduta semelheante ao Sham Litigation, em um caso em que a Siemens VDO Automotive foi acusada de mover ações judiciais para prejudicar uma concorrente do ramo de tacógrafos, a Seva Engenharia Eletrônica, mercado este que, à época em que iniciado o caso (2005), era 85% dominado pela Siemens.

A Siemens moveu duas ações – um Mandado de Segurança e uma Ação Ordinária – ambas tendo sido extintas sem julgamento de mérito, por ilegitimidade ativa.

Conforme relatório do CONSELHEIRO FERNANDO FURLAN, a Secretaria de Defesa

Econômica foi taxativa ao considerar que havia reuniões gravadas a comprovar que houve um convite à cartelização por parte da Siemens. A SDE considerou que “nenhum litigante razoável entenderia lhe caber direito líquido e certo a que a Seva cumprisse as especificações da Portaria 50/2001 (do Denatran). Ambas as ações, de idêntico

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fundamento, estariam baseadas em um direito difuso, mas a Siemens não possuiria legitimidade para defesa de tais direitos difusos”.

Segundo a SDE, “a insistência em pedido já declarado improcedente e a falta de menção ao Mandado de Segurança fracassado também demonstram má-fé da representada. O intuito de prejudicar concorrente é evidenciado por (1) inclusão da Seva no polo passivo da Ação Ordinária (2) ataque a novo produto desenvolvido pela Seva e homologado por autoridades competentes e (3) deixar de combater outras empresas que não teriam atendido a exigências da Resolução (sendo que, de acordo com o parecer do Denatran, os problemas técnicos do tacógrafo da Seva são comuns a outros tacógrafos no mercado)”.

Tal decisão, embora tenha se valido de alguns argumentos desenvolvidos na jurisprudência estrangeira (notadamente, norteamericana) não permite concluir que houve uma recepção do instituto da Sham Litigation pelo Direito brasileiro. Segundo declarou o Conselheiro Furlan após o julgamento, “A sham litigation é um instituto norteamericano e tem critérios específicos que esse caso talvez não atendesse. Mas, nós, temos em nosso Direito o abuso de direito de ação, bem como o (então) inciso V do artigo 21 da Lei 8.884 (“criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor adquirente ou financiador de bens ou serviços”) – conduta atualmente prevista no art. 36, §3º, IV, da Lei 12.529/2011.

De qualquer forma, este foi o primeiro precedente em que o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência reconheceu a possibilidade de abuso de posição dominante por meio de ações judiciais para impedir a entrada de um concorrente no mercado.