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T EORIAS SOBRE O E STÍMULO À I NOVAÇÃO E À D IVULGAÇÃO DO C ONHECIMENTO

1.3. O E MBATE ENTRE P ROTECIONISTAS E D EFENSORES DO L IVRE C OMÉRCIO

1.3.3. T EORIAS SOBRE O E STÍMULO À I NOVAÇÃO E À D IVULGAÇÃO DO C ONHECIMENTO

Na tentativa de se criar um argumento alternativo ao recurso à propriedade privada, os defensores de patentes desenvolveram a tese de que era necessário se recompensar os autores e inventores por seu serviço socialmente relevante, o que encontrava amparo em um argumento moral, de conferir-lhe uma justa recompensa.

No campo filosófico, esta teoria se apoiava na ideia de um contrato tácito entre o inventor e a sociedade. Tratar-se-ia, assim, de um direito de obrigação. Note-se que, no caminho que até aqui percorremos na reconstrução das principais teorias para justificar a proteção aos autores e inventores, esgotaram-se todas as categorias de direitos então conhecidas pelo Direito Romano (direitos reais, pessoais e de obrigação78).

Tampouco essa ideia era isenta de críticas, a maior parte delas, baseando-se no fato de que – no limite – todas as invenções emanavam da própria sociedade.

Nesse sentido, é de se citar a posição de JOHN LEWIS RICARDO, sobrinho do autor clássico

DAVID RICARDO: “Aproximadamente todas as invenções dependem menos do indivíduo do

que do progresso da sociedade como um todo”, não havendo, portanto “nenhuma necessidade de recompensar o indivíduo pela sorte de ser o primeiro a se deparar com a invenção79”.

Outros autores aceitavam a ideia de um direito à recompensa, porém, defendiam que esta recompensa viria sem nenhuma necessidade de intervenção. Se o inventor estivesse realmente à frente dos outros, a sua exploração econômica no intervalo de tempo entre o advento da invenção e a sua disseminação, por meio da imitação, asseguraria a recompensa.

78 Logo, porém, levantaram-se as primeiras dúvidas sobre os fundamentos dessa doutrina, segundo a qual o

direito de autor consistia num direito de obrigação, oriundo de contrato tácito entre a sociedade e o indivíduo. Outros autores, entretanto, aos quais repugnava considerar tais direitos como de propriedade ou colocá-los como direitos de obrigação, criaram terceira escola, classificando os direitos do autor como direito pessoal. Exauria-se, assim, a clássica divisão do Direito romano, que distribuía todos os direitos do indivíduo nas três categorias dos direitos: reais, de obrigações e pessoais.” (GAMA CERQUEIRA, João da, “Tratado da Propriedade Industrial”, 2ª Edição Revista e Atualizada, Vol. 1, Revista dos Tribunais, 1946, pg. 78)

79

“Nearly all useful inventions depend less on any individual than on the progress of society. A want is

felt…., ingenuity is directed to supply it; and the consequence is, that a great number of suggestions or inventions of a similar kind come to light. The ideas of men (…) are set in the motion by exactly the same circumstances. So we find continually a great number of similar patents taken out about the same time. Thus, the want suggests the invention, and though the State should not reward him who might be lucky enough to be the first to hit on the thing required, the want growing from society, and not from the individual or from the Government, would most certainly produce the required means of gratifying it (…)” – The economist, July, 26, 1851, p. 812.

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A esse respeito, uma diferença essencial, contudo, existiria entre os autores e inventores. ALBERT SCHÄFFLE, um dos autores que avançou esta tese, reconhecia que a proteção seria importante no que se refere aos livros, por exemplo, mas não para a indústria. Isso se devia ao fato de que a contrafação de livros seria mais barata e rápida, permitindo que a imitação se desse praticamente sem nenhum intervalo80.

Essa teoria, que considerava as vantagens do primeiro ingressante em um mercado, granjeou grande respeito. Porém, em uma época em que se acreditava em uma concorrência quase perfeita, a alegação contrária, de que os lucros cessariam muito depressa era bastante plausível.

O único aparente consenso era de que era socialmente desejável que novas invenções fossem introduzidas e que o Estado deveria induzir o comportamento inovador. Entretanto, era altamente discutível que o sistema de patentes consistia na forma mais adequada de promover esse objetivo.

Conforme já comentamos anteriormente, as alegações de que a proteção conferira um suporte ao desenvolvimento industrial precoce na Inglaterra eram repelidas pelo fato de que outros países, notadamente a Alemanha, terem alcançado desenvolvimento industrial sem contar com um sistema de proteção autoral e às patentes81.

Por outro lado, era também altamente discutível que o sistema de patentes seria a forma de recompensa menos custosa para a sociedade. STUART MILL afirmara que nenhum

outro método mostrara-se menos custoso. Entretanto, os relatórios das comissões do Parlamento inglês mostravam o oposto, ou seja, os sistemas de patentes se mostravam excessivamente custosos.

O sacrifício da produção, pelo sistema de patentes, era um fator a ser considerado. Porém, havia outros: o custo burocrático de administrar o sistema, os custos com os litígios, e os custos de se permitir o poder monopolista de certas empresas – poder este que, muitas vezes, excedia o escopo da proteção. Além disso, este argumento baseava-se na presunção de que o inventor e o detentor dos direitos seriam a mesma pessoa, o que, simplesmente, não coincidia com a realidade na maioria dos casos.

80 S

CHAFFLE, Die nationalokonomische Theorie, p. 141, apud, MACHLUP, Fritz; PENROSE, Edith , (op. cit.)

81

É bem verdade, porém, que o desenvolvimento industrial alemão teve um fator peculiar e decisivo: a participação intensiva do Estado nas indústrias-chave. Tal característica, aliada a um investimento massivo em educação e a uma política de proteção e uso gorvernamental dos cartéis e monopólios, bem como a direção da indústria para objetivos militares, criaram um círculo virtuoso que marcou o desenvolvimento alemão. (cf. ARRUDA DE ANDRADE, José Maria, “Economização do Direito Concorrencial e Positivismo Jurídico: entre Teoria da Decisão e das Provas” - Tese de Livre Docência - FDUSP, 2012, São Paulo – pg. 67). Logo, a despeito de a Alemanha não ter se valido de um regime de Propriedade Intelectual nacional, a indústria funcionava sob um regime de quase monopólio.

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Um editorial da Economist publicado à época (1851, p. 114-115) reflete bem as sérias discordâncias quanto ao real estímulo concedido pela proteção ao espírito criativo da sociedade:

“The privileges granted to inventors by patent laws are prohibition on other men, and the history of invention accordingly teems with accounts of trifling improvements patented, that have put a stop, for a long period, to other similar and much greater improvements. It teems also with accounts of improvements carried into effect the instant some patents had expired. The privileges have stifled more inventions than they have promoted, and have caused more brilliant schemes to be put aside than the want of them could ever have induced men to counceal. Every patent is a prohibition against improvements in a particular direction, except by the patentee, for a certain number of years; and, however, beneficial that may be to him who receives the privilege, the community cannot be beneficied by it (…) On all inventors it is especially a prohibition to exercise their faculties, and in proportion as they are more numerous than one, it is an impediment to the general advancement, with which it is the duty of the Legislature no to interfere and which the claimers of privileges pretend at least to have at heart”.

Um argumento suplementar seria a necessidade de se estimular a divulgação do conhecimento, por meio das patentes. Entretanto, o argumento contrário, neste caso, seria o de que, na prática, o sistema criaria um incentivo apenas para a divulgação daquelas invenções que, dificilmente, pudessem ser mantidas em segredo – as quais, não raro, seriam as menos úteis à sociedade.