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3.4. I LUSTRAÇÕES DOS E NCONTROS ENTRE P ROPRIEDADE I NTELECTUAL E A NTITRUSTE

3.4.3. N EGATIVA DE L ICENCIAR

Na jurisprudência norte-americana e europeia, muito se discutiu sobre a aplicação da doutrina das essential facilities – objeto de comentários no Capítulo 2 – no que se refere ao estabelecimento, em alguns casos, de um pretenso dever de licenciar389.

A Suprema Corte criou uma regra de legalidade per si de recusas a licenciar, mesmo nos casos em que a recusa teria o efeito de influenciar um outro mercado, que não aquele relacionado ao direito de Propriedade Intelectual em análise. Após isso, a Suprema

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Corte restringiu as possibilidades de que uma recusa unilateral de contratar poderia se achar em violação à Seção 2 do Sherman Act, concluindo que haveria “poucas exceções à regra de que não existe um dever de ajudar concorrentes390”.

Na Europa, o caso Magill, já analisado no Capítulo 2, foi o ápice de reconhecimento de um dever de licenciar, porém, a interpretação do precedente foi restringida em julgamentos posteriores, como tratamos anteriormente391.

Em período mais recente, entretanto, a Comissão Europeia voltou a expandir o dever de fornecimento a concorrentes392.

Em sua mais recente diretiva sobre aplicação de regras de práticas abusivas de exclusão, a Comissão reconheceu que uma recusa à licença pode ser questionada se: (i) a recusa se refere a um produto ou serviço que é objetivamente necessário para competir de forma eficaz em um mercado secundário; (ii) a recusa ocasionará a eliminação da concorrência no mercado secundário, e (iii) a recusa ocasionará dano ao consumidor393.

Quanto ao requisito (iii), a Comissão enfatiza o interesse dos consumidores e indica que examinará a probabilidade de consequências negativas da recusa à licença no mercado relevante compensarem, ao longo do tempo, as consequências negativas de impor um dever de licenciar. Retardar a inovação constituiria um exemplo de dano ao consumidor. Por outro lado, o detentor da patente poderá alegar a necessidade de recuperar investimentos exigidos para o desenvolvimento deste insumo e a necessidade da empresa de gerar incentivos para investir no futuro, abstraídos os riscos de que os projetos não sejam bem sucedidos394.

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Em contraste com o Direito norte-americano, na Europa, recusas de fornecer interoperabilidade são analisadas sob a categoria mais ampla de recusa ao fornecimento395. A Comissão aplicou esta regra à recusa, pela Microsoft, de fornecer à Sun Microsystems a informação necessária para estabelecer interoperabilidade entre seus sistemas operacionais e o Windows. A Microsoft foi ordenada a divulgar a informação sobre interoperabilidade em uma forma razoável, não-discriminatória e em tempo hábil.

Embora a Comissão não tenha contemplado uma divulgação compulsória do código-fonte do Windows e a medida apenas tenha abrangido especificações de interface, ela reconheceu que “não pode ser ignorado que determinar à Microsoft a divulgação de tais especificações e permitir seu uso por terceiros restringe o exercício da propriedade intelectual396”.

A conduta da Microsoft não estava, necessariamente, impedindo o surgimento de um novo produto, entretanto, de acordo com a Comissão, possuiria o efeito de reduzir os incentivos de seus concorrentes para inovar (e produzir novos produtos no futuro) e, portanto, limitavam a escolha do consumidor. A Comissão afirmou que os direitos de propriedade intelectual não podiam constituir uma justificação objetiva para a recusa da Microsoft e empregou um exame de ponderação a fim de verificar se o possível impacto negativo de uma tal ordem sobre os incentivos da Microsoft para inovar poderiam ser contrabalanceados por seu impacto positivo no nível de inovação em toda a indústria (incluindo a própria Microsoft) 397.

Adotando a visão de que “os esforços de pesquisa e desenvolvimento da Microsoft são estimulados por cada passo em inovação de seus concorrentes no mercado de sistemas operacionais” e que, se seus concorrentes saíssem do mercado, isso diminuiria os incentivos da Microsoft para inovar, a Comissão concluiu que os custos seriam compensados pelos benefícios no caso concreto. A Corte Europeia de Justiça confirmou a decisão da Comissão em 2007398.

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Verifica-se, portanto, que a jurisprudência europeia mais recente tende a reconhecer um dever de licenciar, atribuindo um grande peso aos impactos da conduta sobre a inovação, dentre outras circunstâncias, como a exclusão da concorrência em um mercado secundário.

No Brasil, as hipóteses de licenciamento compulsório previstas no art. 68 da Lei 9.279/96 incluem o exercício abusivo de patentes, ou a prática de abuso de poder econômico por meio de patentes. A atual redação da Lei 12.529/2011, no entanto, atribui ao CADE o poder de recomendar o licenciamento compulsório em caso de abuso – estendendo tal possibilidade a todas as espécies de direitos de Propriedade Intelectual, como veremos em maiores detalhes no Capítulo seguinte.

A jurisprudência tradicional do CADE, no entanto, parece reservar o licenciamento compulsório, ou qualquer forma de cessão compulsória, a hipóteses muito excepcionais, devendo ficar reservado “para situações de clara dominação de mercado, exclusão ou eliminação de competidores efetivos ou potenciais através da elevação das barreiras à entrada no mercado e outras formas de lesão potencial à concorrência399”.