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2 ONTOLOGIA E TELEOLOGIA PREAMBULARES

2.5 Um breve histórico do dano moral no Brasil

Apesar do hoje pacífico reconhecimento da indenizabilidade do dano moral no Brasil, é importante não esquecer toda a evolução do pensamento que culminou com o estado de doutrina atual, o que se faz importante como estrutura teórica capaz de auxiliar a compreensão do instituto em voga e como introdução da matéria central do capítulo seguinte, que abordará os critérios de liquidação da indenização por danos morais, com foco na análise da juridicidade do fator punitivo.

Em suma, é possível esconjuntar o processo de acolhimento dos danos morais na ordem brasileira em três momentos: em uma primeira fase, o dano moral era totalmente negado; em uma segunda etapa, passou-se a reconhecer o instituto de forma precária e restrita a hipóteses expressamente positivadas; e, em um último momento, consagrou-se a ampla reparabilidade dos danos morais, conforme será a seguir apresentado.

2.5.1 A fase de negação total

Em uma primeira etapa, destaca-se que a sistemática civil era marcada pelo critério da patrimonialidade, em muito devido à influência do Código de Napoleão149, o que resultou no desprestígio do ser humano como dotado de valor em si e consequente indiferença jurídica quanto aos hoje conhecidos danos morais, conforme esclarece Salomão Resedá:

O materialismo exacerbado impossibilitava uma hermenêutica assecuratória da ampla proteção ao ser humano como um valor próprio. O patrimônio funcionava como eixo indispensável para toda engrenagem jurídica, o que deixava o ser humano na condição de subalterno em relação ao aspecto econômico, sendo-lhe reservadas apenas algumas poucas e raras previsões normativas. [...] Em consequência, a responsabilidade civil era encarada apenas como forma de obrigar o ofensor a garantir o status quo ante ao ofendido, evitando que este viesse a arcar com os prejuízos decorrentes do ato ilícito praticado por aquele. Era inaceitável pensar na possibilidade de ressarcimento por dano moral. Ora, se essa espécie de proteção não visava assegurar nenhum direito patrimonial ou produtor de riqueza, não havia razão para que o ordenamento civil incidisse sobre ele com as ferramentas em estudo.150

ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 03/09/2015).

149 RESEDÁ, Salomão. Op. cit, p. 93. 150 Ibidem, p. 94.

Tal fase perdurou do Brasil Colonial (época da vigência das Ordenações do Reino de Portugal) e somente teve absoluto fim com a promulgação da CRFB/88, em que se consagrou definitivamente o pleno sancionamento dos danos morais. Todavia, é interessante mencionar que, desde o advento do primeiro Código Civil brasileiro (Lei n° 3.071/1916), surgiram as primeiras teses de defesa acerca do reconhecimento dos danos morais151.

2.5.2 O reconhecimento restrito

Progressivamente, passou-se a elevar o valor da essência humana, ao que se destaca o contexto após a Segunda Guerra Mundial, oportunidade em que, segundo enfatiza Salomão Resedá:

O homem não era mais um subalterno ao patrimônio. Ele se encontrava num momento de transição no qual se erguia a condição de quase insignificância imposta pelas leis elaboradas pelos burgueses do século XVIII. Percebe-se que mais importante do que os bens economicamente mensuráveis era o ser humano, e que, em razão disso, ele necessitava de ampla proteção152.

Destarte, esparsos instrumentos normativos passaram a positivar hipóteses específicas de sancionamento, em que seria possível enquadrar os danos morais, conforme se verifica com o Decreto n° 2.681/1912 (sobre responsabilidade civil nas estradas de ferro), Lei n° 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações), Lei n° 4.737/65 (Código Eleitoral), Lei n° 5.250/67 (Lei de Imprensa) e Lei n° 5.988/73 (Lei dos Direitos Autorais)153.

Quanto ao Código Civil de 1916, importa frisar que ele não possuía uma preocupação específica em face do dano moral, no entanto também não o obstava cabalmente, deixando em aberto alguns caminhos que deram ensejo ao amadurecimento do instituto154 . Nesse sentido, Silvo de Salvo Venosa afirma que:

O Código Civil de 1916, no art. 159 (novo, art. 186), reportara-se ao dano de forma genérica e não vedou, de forma alguma, a indenização por dano moral. Há dispositivos no Código que admitiram expressamente o dano moral como no caso de lesão corporal que acarreta aleijão ou deformidade ou quando atinge mulher solteira ou viúva, capaz de casar (art. 1.538); na hipótese de ofensa à honra da mulher por defloramento, promessa de casamento ou rapto (art. 1.548); na ofensa à liberdade pessoal (art. 1.550); nas hipóteses de calúnia, difamação ou injúria (art. 1.547). Nesses casos, a indenização é autorizada com base na multa criminal para as hipóteses.155

151 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 110. 152 RESEDÁ, Salomão. Op. cit, p. 98.

153 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 111. 154 RESEDÁ, Salomão. Op. cit, 102.

Assim, essa fase de reconhecimento restrito, embora ainda não amplamente acolhedora da figura dos danos morais, preludiou a temática, que somente ganhou maior corpo com a CRFB/88, instauradora o pleno reconhecimento de tal tipologia de danos.

2.5.3 O pleno reconhecimento

A partir da promulgação da Carta Magna de 1988, alçou-se a indenização decorrente de dano moral ao patamar de direito fundamental, com a consequente inserção de tal ideia no bojo do art. 5°, V e X da CRFB/88156.

Sendo assim, eliminou-se qualquer dúvida acerca do sancionamento civil dos danos morais, o que ocorreu como corolário da homenagem prestada pela novel rede axiológica constitucional ao princípio da dignidade humana e aos direitos da personalidade, que passaram a compor o norte hermenêutico de todo o ordenamento jurídico, incluindo, por conseguinte, a responsabilidade civil.

Em exposição do pensamento em amanho, são claras as palavras de Maria Celina Bodin de Moraes:

O dano moral tem como causa a injusta violação a uma situação jurídica subjetiva através da cláusula geral de tutela da personalidade que foi instituída e tem sua fonte na Constituição Federal, em particular e diretamente decorrente do princípio (fundante) da dignidade da pessoa humana (também identificado como o princípio geral de respeito à dignidade humana).157

Com efeito, os diplomas normativos inaugurados após 1988 não se intimidaram em trazer de forma expressa a consagração da ideia da indenização por danos morais, com destaque para o CCB/02 e para o CDC.