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2 ONTOLOGIA E TELEOLOGIA PREAMBULARES

2.6 Da natureza jurídica da indenização por dano moral

2.6.2 Teoria da compensação

A teoria da pena, embora até hoje possua considerável importância, conforme se verá quando do estudo da teoria mista, não foi capaz de cativar a maioria dos pensadores, pois os argumentos que a sustentam foram fortemente combatidos pela ideia segundo a qual, embora a indenização por dano moral não possua o intuito de subsumir-se qualitativamente à lesão sofrida (o que seria uma pretensão utópica), ela atua como meio para a satisfação jurídica ou compensação do ofendido167, e não para a punição do ofensor.

Nesse sentido, são claras as palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

É preciso esclarecer sempre que não há qualquer imoralidade na compensação da dor moral com dinheiro, tendo em vista que não se está ‘vendendo’ um bem moral, mas sim buscando a atenuação do sofrimento não se podendo descartar, por certo, o efeito psicológico dessa reparação, que visa a prestigiar genericamente o respeito ao bem violado.168

Em continuação, é interessante perceber que, como herança da teoria da diferença169, parte da doutrina enxerga na compensação uma forma de devolução à vítima do seu contexto

166 SAVATIER, René. Traité de La responsabilité civile em Droit français. 2. ed. Paris: LGDJ, 1951, 2 v, p. 93 apud ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op.cit, p. 148.

167 Sobre o uso dos termos satisfação e compensação em referência à indenização por danos morais importa

conferir o item 2.3.1, oportunidade em que se destacou que tais expressões foram usadas indiferentemente neste trabalho.

168 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 120.

169 “Geralmente, para se fixar o montante da indenização devida, deve-se atender à diferença ente a situação

patrimonial hipotética atual do lesado e a situação patrimonial real na mesma data, ou melhor, o dano mede-se pela diferença entre a situação existente à data da sentença e a situação que, na mesma data, se registraria, se não fosse a lesão.” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. São Paulo:

anímico anterior170 (mesmo que de forma parcial), pois os prazeres proporcionados pelo dinheiro, mesmo que indiretamente, seriam capazes de atenuar o sofrimento. Explicando tal pensamento, André Gustavo Corrêa de Andrade pronuncia:

É certo que o dano moral não se apaga, nem desaparece pela soma de dinheiro que se venha a conceder à vítima. A indenização pecuniária atuaria, no entanto, como forma de aliviar o sofrimento do ofendido. O dinheiro seria, assim, um lenitivo, para que a vítima pudesse obter alívio para a dor injustamente padecida, permitindo-lhe procurar satisfações substitutivas.171

Discorda-se, todavia, da visão segundo a qual a compensação se especa no intuito de ofuscar o sofrimento oriundo do dano moral, por meio do sentimento positivo decorrente da pecúnia recebida pelo sujeito lesado. Tal discordância se justifica pelo imperativo de não confusão entre dano moral e sentimentos deletérios decorrentes, que, sequer, são de obrigatória constatação.

Assim, sustenta-se que a compensação atua como uma maneira de resguardar o bem jurídico violado por meio de uma sanção pecuniária, mas não tem como causa a vã pretensão de atenuar eventual sofrimento da vítima, sob pena de a dignidade humana ser tratada como uma operação aritmética de sentimentos manipulável pela presunção de que a pecúnia seria capaz de determinar essa hipotética equação.

A compensação, portanto, não se pauta no objetivo de apagar eventual sofrimento psicológico, mas sim em ofertar uma resposta jurídica que forneça à vítima uma mínima satisfação, que, dentro da reserva do possível172, deságua na via de uma sanção pecuniária173.

Esclarecidos tais contornos da compensação, evidencia-se que, em combate à ideia estritamente compensatória da indenização por danos morais e já introduzindo a teoria mista, é interessante observar o ensinamento de Moreira Alves reproduzido por Sérgio Cavalieri Filho:

[...] a ideia de compensação – substituir a tristeza pela alegria – serve de fundamento à reparação do dano moral apenas em reação às vítimas de classe humilde, para as quais um aparelho de televisão, uma viagem, podem atuar como motivo de alegria. Mas, se esse fosse o único fundamento da reparação do dano moral, a vítima rica, de muitas posses jamais seria indenizada. Por isso, entende que a reparação pelo dano moral tem também a natureza de pena privada. É a justa punição contra aquele que

Saraiva, 2007. 7 v, p. 132). Nota-se, portanto, que a teoria da diferença possui base de aplicação nos danos materiais, não sendo, portanto, devido seu transplante para a compreensão dos danos morais.

170 Salienta-se que não se concorda com tal posicionamento, conforme será tratado no item 4.2.2. 171 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 150.

172 O cerne deste trabalho enfoca a perspectiva da sanção indenizatória, no entanto não se deve olvidar que outras

vias podem ser pensadas para a tutela do dano moral, como o desagravo, o direito de resposta e a contrapropaganda; tais meios, sim, podem se mostrar condizentes com a ideia de restauração do estado de fato violado pelo dano moral.

173 A ideia de compensação será detalhada quando do repasse crítico dos critérios de liquidação da indenização por

atenta contra a honra, o nome ou a imagem de outrem, pena, esta, que deve reverter em favor da vítima.174

O pensamento exposto por Moreira Alves é preciso em perceber que o impacto da sanção indenizatória é distinto a depender dos sujeitos envolvidos na relação de responsabilidade civil, contudo não se concorda com tal raciocínio, pois, conforme será detalhado no item 3.2.2, defende-se a injuridicidade de se considerar as condições econômicas do ofendido como critério para fins de quantificação da indenização por danos morais.