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4 DE UM PRELÚDIO À CAUSA GERAL DE MULTA CIVIL NO DIREITO

4.4 Dos critérios de aplicação da multa civil

4.4.3 Dos critérios de quantificação da multa civil

Quando do estudo da quantificação da indenização por danos morais, listaram-se vários critérios, ao que se passou a uma análise individualizada. Poder-se-ia imaginar, nesta oportunidade de exposição dos critérios de quantificação da multa civil, em se fazer processo análogo, expondo os vários fatores punitivos tradicionalmente apontados pela doutrina e pela jurisprudência, para, em seguida, mediante um repasse crítico, identificar, um a um, aqueles que se mostrem condizentes com a causa preventiva, contudo não se repetirá tal método.

492 Por exemplo, pode-se imaginar caso no qual o prejuízo sofrido pela vítima é superior à vantagem obtida pelo

ofensor. Em tal hipótese, a mera indenização já seria, em tese, capaz de neutralizar a vantagem ilícita e ofertar desestímulo suficiente.

493 Aqui é interessa notar que se encontra aproximação com pensamento de Bruno Leonardo Câmara Carrá ao

Propõe-se uma via alternativa para a quantificação da causa aberta de multa civil. Em vez de se buscar uma dogmatização de critérios em espécie, convida-se a imaginar um modelo de liquidação de multa voltado à causa preventiva, assim, ao invés de se investir preocupação no escalonamento de uma infinidade de possíveis caracteres aplicáveis494, eleva- se a causa da multa como baliza máxima, em criação de um macrocritério, que pode ser denominado, para efeito de didática, como “adequação preventiva”.

Assim, a cada caso posto à tutela do Poder Judiciário, propõe-se uma individualizada análise do ilícito praticado, no intuito de verificar: i) em que medida o ato praticado é vantajoso para o ofensor; ii) qual o alcance preventivo que outras sanções (que não a multa civil) podem ocasionar ao ofensor; iii) qual o saldo resultante da comparação entre os itens “i” e “ii”. Ao final de tal operação, em caso de o ofensor restar com saldo positivo ou em estado de neutralidade, tem-se por verificada a hipótese de incidência da multa civil, cuja liquidação deve ser sensível a tornar, em uma medida de proporcionalidade, o ilícito desvantajoso diante do lícito: eis o critério da adequação preventiva.

A adequação preventiva, portanto, significa o resultado de um juízo de ponderação (entre custos e benefícios do ilícito) realizado no escopo de tornar o respeito ao ordenamento jurídico como sendo o caminho mais vantajoso. Assim, pautando-se na causa de prevenir, mensura-se a extensão da multa civil, que deve ser larga o suficiente para adequar os pesos da balança de prós e contras em favor da juridicidade e tão só.

A expressão “tão só” deve ser enfatizada e relacionada com a razão de proporcionalidade; estabelecido o nível adequado de prevenção, não mais haverá sentido em expandir o valor da multa, sob pena de extravasar a causa preventiva e ingressar na órbita de um castigo sem propósito495.

Ao ser mensurado o valor da multa, também é necessário que se determine a destinação do valor respectivo, ao que se idealiza a proporcional divisão do montante entre o sujeito responsável pela defesa em juízo da causa de prevenir e um fundo público direcionado

494 Para se ter ideia da quantidade de possíveis critérios da multa, pode-se observar o exemplo da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), que, embora se referida à multa administrativa, pode ser citada como possível parâmetro à multa civil. Veja-se: “Art. 7º. Serão levados em consideração na aplicação das sanções: I - a gravidade da infração; II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; III - a consumação ou não da infração; IV - o grau de lesão ou perigo de lesão; V - o efeito negativo produzido pela infração; VI - a situação econômica do infrator; VII - a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; IX - o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados; e X - (VETADO). Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.

” (BRASIL. Lei nº 12.846/13).

a fins sociais496 . Dessa maneira, tem-se um termo intermediário que, ao passo em que incentivado o dever cívico de defender a ordem jurídica, evita-se o desvirtuamento de tal propósito em eventual distorcida ambição pecuniária, a partir da entrega de parte da multa ao fim público497.

Dessa maneira, a adequação preventiva deve se aliar à lógica da proporcionalidade, com o intuito de equilibrar a ordem de retribuição manejada, para que não se cause sanção demasiadamente curta, nem se provoque mal maior do que o ilícito em combate. Por meio do critério da adequação preventiva, juntamente com a razão da proporcionalidade, tem-se, portanto, uma causa geral de liquidação que supera a pontuação de uma lista de critérios em espécie, haja vista sua maior abrangência.

Não se está aqui a defender a inaplicabilidade de critérios mais específicos, tais como a reprovabilidade da conduta do réu, o seu porte econômico, a reincidência, dentre vários outros possíveis; essas especificidades podem e devem ser analisadas no momento da aplicação da sanção punitiva, inclusive por um imperativo de fundamentação da decisão judicial498, que exige do julgador transparência da razão de decidir.

Ocorre que é no caso concreto que os critérios específicos surgirão, sempre como diretos consectários da ordem maior de adequação preventiva. Por esse motivo eventual tentativa de escalonar todos os critérios imagináveis para calcular o valor da multa correria sério risco de se mostrar incompleta e desarrazoada. Em cada caso, por conseguinte, é que a adequação preventiva, por meio da lógica de proporcionalidade, ganhará contornos claros.

Em raciocínio simétrico, é permitido afirmar que qualquer critério específico que destoe de causalidade com a razão de prevenir não deverá ser adotado como influente no cálculo da multa civil. Assim, ressalta-se a importância em separar as instâncias das sanções de restituição por enriquecimento sem causa e indenização da causa de adequação preventiva, que se volta à formação da multa civil.

Tudo isso coloca em evidência a excepcionalidade de aplicação da multa civil, que somente encontra espaço quando não for possível às demais ferramentas sancionatórias em potencial provocarem suficiente efeito dissuasivo. Não que a multa só possa ser aplicada se houver dano ou enriquecimento sem causa; o que se diz é que, em ocorrendo essas hipóteses, a

496 A exemplo do fundo previsto no art. 13 da Lei n° 7.347/85.

497 Remete-se, por aqui também ser aplicável, o raciocínio do item 3.1.2.

498 BRASIL. CRFB/88. Art. 93. [...] IX. todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e

fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; [...].

multa deve ser tratada com parcimônia.

Por último, faz-se útil raciocinar a respeito de um teto à multa civil. Nesse âmbito, importa rememorar que se defendeu, no tópico 4.2.1, a multa no formato de uma causa aberta, conferindo-lhe elevado grau de maleabilidade, para fins de conformação ao escopo preventivo aferível no caso concreto.

Acontece que, embora pensada em sede de causa aberta, cabe questionar sobre a necessidade de impor um limite para a quantificação dessa multa; nessa toada, nota-se que a LIA499 positiva um teto da sanção de multa, o que também é feito pelo Código Penal Brasileiro (CPB)500 e, no âmbito administrativo, na Lei Anticorrupção501. Por outro lado, há exemplos de multas não dotadas pela lei de limite máximo, o que se vê, no âmbito civil, na de Lei de Alienação Parental502, com destaque, também, para as astreintes, na seara processual civil.

Não se identifica, de plano, uma ordem jurídica que determine a obrigatoriedade em se seguir um ou outro modelo, competindo tal decisão à política legislativa. Nesse sentido, há de se perceber que o próprio Poder Judiciário, embora sem respaldo legal, ao conferir caráter punitivo à indenização por danos morais, não estipula um teto, deixando a quantificação ao arbítrio das nuances do caso concreto.

Importa perceber que, independente da positivação de um valor teto, a capacidade de resiliência econômica do sancionado, conforme anteriormente defendido, deve ser manejada como critério apto a identificar a intensidade com a qual o ofendido sofrerá os efeitos da multa. Sendo assim, é no caso concreto que tal capacidade de resiliência será realmente percebida.

Dito isso, o congelamento da multa civil em limite fixo não soa como a opção mais adequada à plasticidade que o momento de sua liquidação exige. Diga-se mais, em caso de opção pela imposição de um teto de multa (opção com a qual não se coaduna, enfatiza-se), tal valor deve se ater a parâmetros focados no poder econômico do sancionado, pois é nesse aspecto

499 No art. 12 da Lei nº 8429/92, a multa é limitada a múltiplos baseados no acréscimo patrimonial indevido logrado

pelo sujeito ofensor, ou em múltiplo da remuneração recebida pelo agente.

500 BRASIL. CPB. Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na

sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias- multa. § 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário. § 2º - O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária.

501 BRASIL. Lei nº 12.846/13. Art. 6o Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções: I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e [...]§ 4o Na hipótese do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério do valor do fatura- mento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais). [...].

que reside a lógica preventiva.

Dessa forma, não é adequado tipificar, a exemplo de como faz a LIA, o máximo da multa como um múltiplo baseado no valor ilicitamente auferido, pois tal valor, embora seja relevante para fins de instalação do estado de neutralidade, não reflete, a partir de então, a resiliência econômica do réu.

Por outro lado, pensar na remuneração do sujeito ofensor503 como um critério se mostra condizente com a ideia de capacidade econômica, ressalvando-se, contudo, que tal critério não deve ser visto de forma isolada, pois no caso concreto, várias interferências podem ocorrer na seara patrimonial para além do valor da remuneração, tanto de forma a elevar a capacidade de resistência à multa (ex. fontes alternativas de renda), quanto para diminui-la (ex. existência de dependentes, gastos com saúde etc).

Em remate, a não tipificação de um teto fixo se mostra mais adequada à plasticidade com que merece ser tratada a quantificação da multa, que deve ser respaldada e limitada na causa de prevenir, cuja aplicação exige, após alcançando o estado de neutralidade (eliminação da vantagem auferida pelo ofensor), olhar atento à resiliência econômica do sancionado (capacidade do ofensor em suportar o aflitivo pecuniário), ao que se recomenda que sejam esses os reais parâmetros de limite do montante da sanção pecuniária idealizada para a causa geral de multa civil.

503 Em caso de pessoas jurídicas, a exemplo de como faz a Lei Anticorrupção, o faturamento da empresa pode ser

um indicativo de sua resiliência econômica, no entanto, permanece a necessidade de se atentar para outros possíveis critérios aptos a interferir nesse fator.