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2. Submersão demorada no contexto: Moldura Metodológica

2.1. Da pesquisa: pensamento indutivo e investigação qualitativa

O Homem possui uma necessidade natural que é saber o como e o porquê das coisas. Desta feita, se não se trabalhar para a satisfação dessa realidade, compreendendo o meio (fator de ordem humana) e o ambiente (fator de ordem ecológica), se não tiver o mínimo de segurança face ao que o reserva o futuro, tornar-se-á estranho e/ou alienado (Gauthier, 2003). Realizar um estudo científico é também uma forma de responder a esta necessidade intrínseca ao Homem, conhecer-se e conhecer o seu meio, cujos resultados poderão contribuir não só para conhecer o futuro, assim como, agir no presente se assim for necessário alterando ou planeando o mesmo. Para alcançar este conhecimento são necessárias formas ou fontes que nos auxiliem nesta tarefa. Uma fonte de conhecimento ainda que indireta e sistemática é o raciocínio – “uma fonte de conhecimento fundada na faculdade tipicamente humana [que nos permite] (…) identificar as relações entre as coisas (…) nomeadamente as causas e consequências dos fenómenos observáveis” (Gingras, 2003, p.38).

Esta pesquisa pretende seguir um raciocínio que se identifique com os métodos já anunciados, mas também com as metodologias culturalmente sensíveis, uma vez que nesta pesquisa se busca desde o início saber o que dizem/pensam a respeito do objeto de investigação, a respeito das organizações envolvidas e dos resultados do trabalho concretizado em conjunto. Assim sendo, a presente pesquisa segue o raciocínio indutivo, cujo princípio assenta precisamente na seguinte ideia

se duas coisas, factos ou características, se encontram continuamente associados quando as observamos, estão provavelmente sempre associados (quer as observemos ou não) se as mesmas condições prevalecem. E quanto maior é o número de casos observados onde as duas coisas, factos ou características se encontram associados, maior é a probabilidade da sua associação noutras ocasiões em que sabemos que um dos dois se apresenta. No limite, um número considerável de associações leva a uma probabilidade muito elevada (uma quase certeza) da generalização que efetuamos (Gingras, 2003, p.38).

O raciocínio indutivo, tal como o autor afirma, permite então uma generalização empírica e como não existem certezas absolutas, obter-se-á uma opinião verosímil, no fundo a nossa crença sobre o assunto, que após serem realizadas associações alargadas a outros casos obter-se-á algum poder de generalização.

A presente pesquisa é uma investigação qualitativa ou não-quantitativa que se baseia mais numa orientação específica como a interpretativa, do que nos procedimentos que ela utiliza, pois, uma técnica de pesquisa não pode ser um método de investigação como refere Erickson (1986). O presente estudo sobre educação assume para si as características

qualitativas de investigação e desta forma, é-nos permitido estudar os assuntos em profundidade e detalhe (Patton, 1990) o que contribui para uma maior e melhor compreensão do objeto de estudo. Além disso a investigação qualitativa “está vocacionada para a análise de casos concretos, nas suas particularidades de tempo e de espaço, partindo das manifestações e actividades das pessoas nos seus contextos próprios” (Flick, 2005, p.13).

Numa tentativa de discutir o grau qualitativo que a presente investigação tem e não tanto de a classificar como qualitativa ou não qualitativa, traz-se para a discussão as características da investigação qualitativa de Bogdan & Biklen (1994). A primeira refere que a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal. Apesar da investigadora ter um contato sistemático com o contexto da investigação desde 2003, para a presente pesquisa teve a preocupação de o aprofundar, aquando a recolha efetiva dos dados, deslocando-se ao terreno sempre que necessário. Isto porque a investigadora está ciente de que

não existe nenhuma janela aberta para a vida interior das pessoas (qualquer olhar é filtrado pela linguagem, género, classe social, raça, etnia) (…) não existem observações objectivas, mas observações situadas nos mundos do observador e do observado e de que nenhum método é capaz de captar as subtis variações da experiência humana [conseguindo-o apenas se adotar uma] “perspectiva multimetódica (Aires, 2011, pp.17-18).

É através desta perspetiva multimetódica que organizamos a pesquisa baseada em diversos métodos (de abordagem e de procedimento).

A segunda característica, de uma investigação qualitativa, é descritiva pois o investigador qualitativo tem a preocupação de descrever em pormenor o objeto de estudo, assim como, o contexto em que este se insere. Nesta busca do conhecimento a investigadora não reduz as muitas páginas de narrativas e outros dados a símbolos numéricos, mesmo sabendo que poderá exceder um limite de paginação, pois pretende respeitar e manter-se fiel à forma como estes foram registados ou transcritos, a palavra escrita assume particular importância nesta investigação. O mundo desta investigação é abordado pela investigadora de forma minuciosa e tudo é importante, todos os dados são pistas para se compreender melhor o meio em que o objeto de estudo se insere, que influencia a sua constituição, assim como, a produção de conhecimento sobre o mesmo. No terreno encontram-se situações como: (1) as condições climáticas caracterizadas por fortes chuvas que impediam a comparecência dos entrevistados ou o calor insuportável dentro de uma sala de aula que condicionava o diálogo; (2) os horários das aulas e algumas conversas às seis da manhã (antes do pequeno almoço), depois do almoço (entrevistados

já com algum sono aquando à digestão da refeição) e às dezanove horas após um dia de trabalho e a necessidade de apanhar o transporte para casa de forma a evitar percorrer quilómetros; (3) a inexistência de um lugar para conversar e como alternativa ocupar o gabinete de um colega político, de procurar um sítio mais fresco atrás do arbusto, ou de sentir a necessidade efetiva de subir a “quibula” (carrinha de caixa aberta) em plena rua movimentada, de forma a evitar a curiosidade das pessoas que passam ou o atravessar frequente dos camiões chineses carregados de material de construção. Foram estas condições, entre outras, a que o investigador deve estar atento aquando a análise dos dados, pois estes contribuem como pistas que poderão explicar alguma falta de coerência no discurso e/ou o apressar da conversa. Acrescentar-se-ia a forma particular como foi transcrita a grande quantidade de informação (onze entrevistas e quinze narrativas episódicas) por um agente externo à pesquisa, que não conhecia o terreno, a linguagem, as temáticas. Tais dificuldades foram colmatadas, pela investigadora, com uma leitura atenta e minuciosa de todos os textos e que constantemente, ainda que de forma mental, se ia socorrendo à produção das cenas de recolha de dados, nas quais também foi personagem. Assim, pretende-se construir conhecimento, sem esquecer a forma e as condições em que os dados foram registados e transcritos.

Na terceira característica, o autor refere-se ao desenrolar da investigação referindo que investigador qualitativo se interessa mais pelo processo de investigação do que, simplesmente, pelos resultados ou produtos. Nesta investigação os resultados e produtos são extremamente importantes, até porque é para os alcançar que mergulhamos. No entanto, é atribuindo tanto ou mais valor ao processo de mergulho (desenrolar da pesquisa) que conseguiremos resultados mais consistentes e que mais honrem a realidade observada, daí a extensão e forma minuciosa em que o presente capítulo metodológico é escrito.

A quarta característica refere-se a análise que o investigador qualitativo faz dos seus dados e que segundo os autores, é uma análise indutiva. Este ponto é desde logo assumido no início da investigação, pois se queremos investigar com os outros e não apenas sobre os outros o caminho será este: uma teoria desenvolvida de baixo para cima com base em muitas peças individuais (fotografias) recolhidas que estão inter-relacionadas; é um quadro (paisagístico) que vai ganhando forma à medida que se recolhem e examinam as partes; um processo de análise que se compara a um mergulho, parte-se para um “mar” de informação e que, paulatinamente, ao analisarem-se os registos agrupam-se e

encontram-se as “correntes oceânicas” que legitimam as opções a tomar e que fundamentam os resultados e generalizações à chegada; uma parte do estudo, através de um estudo de caso, é utilizado para identificar quais as questões de investigação mais pertinentes a elaborar, pois neste mergulho o investigador, apesar de algum conhecimento do contexto, não tem o suficiente para que possa postular à partida todas as questões necessárias que respondam ao problema de investigação, assim como, o seu objeto de estudo logo à partida. Não obstante, a focalização e a escolha prematura do referencial teórico poderiam turvar, logo à partida, a visão do investigador.

Por fim, a quinta questão, segundo os autores, considera que a investigação qualitativa tem no seu cerne o significado das coisas. Os investigadores “que fazem este tipo de abordagem estão interessados no modo como diferentes pessoas dão sentido às suas vidas” (Bogdan & Biklen, 1994, p.50), como as pessoas entendem as suas práticas, as práticas das organizações a que pertencem, como veem a atuação de outras organizações numa área de trabalho que é comum. Ao conseguir fotografar as perspetivas dos participantes, “a investigação qualitativa faz luz sobre a dinâmica interna das situações, dinâmica esta que é frequentemente invisível para o observador exterior” (Bogdan & Biklen, 1994, p.51). Emergem portanto, certos cuidados da parte do investigador, de forma a certificar-se de que as diferentes perspetivas estão a ser apreendidas adequadamente, entre outros: construir de forma participativa os instrumentos de recolha de dados com sujeitos do contexto (extra pesquisa); com um primeiro estudo exploratório do contexto de forma a recolher temas que sejam decisivos na construção de categorias endógenas, que áreas devem ser focadas; que sujeitos devem ser entrevistados; a necessidade de alargar o estudo a outros casos e entre outros, sujeitar o quadro categorial endógeno a uma análise extra pesquisa de especialistas/peritos em áreas que estruturam a investigação, nomeadamente, a dois peritos em educação e dois em cooperação para o desenvolvimento.

Em suma, a investigação qualitativa, nomeadamente, o seu processo de condução reflete uma “espécie de diálogo entre os investigadores e os respectivos sujeitos, dado estes não serem abordados por aqueles de uma forma neutra” (Bogdan & Biklen, 1994, p.51), há sempre uma perspetiva do próprio investigador sendo, portanto, necessária uma atitude horizontal face ao contextos e sujeitos, assim como, o desenvolvimento de um trabalho mais participativo e holístico conduzido por parte de quem investiga.

2.2. Da disposição do investigador qualitativo: questões émicas e o