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1. Equipamento de mergulho: Diálogo situado para (co)operar para o desenvolvimento

1.3. Desenvolvimento situado concertado na liberdade e capacitação humana

1.3.1. Desenvolvimento como liberdade

O desenvolvimento para Sen (2003)43 baseado apenas em indicadores económicos

(riqueza) não reflete a melhoria de vida das populações, pois um país com alto PIB per capita pode apresentar índices muito baixos de qualidade de vida, por exemplo, os relacionados com a mortalidade prematura e entre outros, a alta taxa de analfabetismo. O desenvolvimento de um país, segundo o autor, está essencialmente ligado às oportunidades que ele oferece à população de fazer escolhas e exercer a sua cidadania. O autor entende desenvolvimento como liberdade no sentido em que o mesmo deve ser um processo de expansão das capacidades dos indivíduos de modo a conseguirem fazer as suas escolhas e tomarem opções.

O foco na capacidade, segundo Sen (1993), concebe a vida humana como um conjunto de atividades e de modos de ser designados pelo autor como efetivações (Sen, 1993) ou funcionamentos (Sen, 2003) e relaciona o julgamento sobre a qualidade de vida à avaliação da capacidade de concretizar efectivações ou de desempenhar funções. Sen (2003) afirma a importância da efetivação e a capacidade do homem como determinantes para o seu bem-estar. Assim se a vida é um conjunto de atividades e modos de ser que são valiosos, a avaliação da qualidade de vida assenta na avaliação dessas efetivações e da capacidade de efetuá-las e não apenas centrada nos rendimentos que a pessoa possui

43 Amartya Sen, economista indiano nascido em Santiniketan em 1933, de família originária de Dhaka,

capital de Bangladesh e formou-se em Economia no Presidency College de Calcuta, onde obteve o PhD pelo Trinity College de Cambridge. Foi fundador do Instituto Mundial de Pesquisa em Economia e Desenvolvimento, em 1993 com Mahbud ul Haq foi criador do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que é usado desde então pelas Nações no seu relatório anual sobre o Desenvolvimento e foi galardoado com o prémio Nobel da Economia em 1998.

que são canalizados para auxiliar o desempenho das atividades e na aquisição daquelas capacidades.

O mesmo autor considera que os elementos constitutivos da vida são vistos como combinações de várias e diferentes efetivações. Como o mesmo exemplifica, é possível fazer uma lista de efetivações elementares constituída por, entre outros exemplos, mortalidade precoce, alimentar-se adequadamente, como evitar a morbidade, ou uma lista de efetivações complexas, como por exemplo, desenvolver o autorrespeito, exercer o seu direito de cidadania e entre outras, ter voz na vida da comunidade. Assim as efetivações são constituintes do ser de uma pessoa, logo uma avaliação do bem-estar de uma pessoa tem de tomar a forma de uma avaliação sobre aqueles elementos constitutivos. O autor considera que “uma efetivação é uma conquista de uma pessoa, no fundo é o que ela consegue fazer ou ser e qualquer dessas efetivações reflete, por assim dizer, uma parte do estado dessa pessoa” (s.p.). A capacidade reflete as várias combinações de efetivações (atividades e modos de ser) que uma pessoa pode alcançar, ora isso envolve uma certa conceção de vida, ou seja, uma combinação de várias atividades e modos de vida. A capacidade reflete a liberdade pessoal de optar por um modo de vida entre vários. Ao selecionar as efetivações e capacidades para listar, há que ponderar a sua importância, pois o foco deverá estar relacionado com as preocupações, valores sociais, em suma, na cultura do próprio contexto.

Diferentes pessoas têm objetivos diferentes e as pessoas devem ter liberdade para persegui-los, facto que não deve ser esquecido aquando do processo de avaliação da qualidade de vida ou bem-estar humano, como refere Sen (1993) ao recorrer à obra de John Rawls sobre a justiça e as comparações interpessoais que este realiza com base nos bens primários que cada um possui. O autor problematiza essa lista de bens primários e identifica-os como meios e não fins últimos. Esta lista acaba por se referir a coisas que ajudam a realizar o que queremos e não propriamente à realização enquanto tal ou a liberdade de realização. Por exemplo, alimentar-se não consta da lista, mas dispor de rendimentos para comprar alimentos consta. O foco colocado na capacidade valoriza a liberdade neste sentido, ajuda a descrever melhor as liberdades que as pessoas possam ter, do que o foco colocado na disponibilidade de bens primários. Como o próprio autor refere, os bens primários são meios para as liberdades, ao passo que as capacidades de realização são expressões das próprias liberdades.

O conjunto de capacidades ou “conjunto capacitário”, segundo Sen (2003), consiste nas diversas coisas que uma pessoa considera valioso fazer e as quais poderá realmente fazer, por outro lado, a combinação de “efetivações/funcionamentos” de uma pessoa, representa a liberdade para realizar as possíveis combinações alternativas de funcionamento dentre as que o indivíduo pode escolher.

Quadro 1 – As perspetivas do foco nas capacidades de Amartya Sen (2003)

LIBERDADE PESSOAL

(Ter capacidades)

PARA VIVER

(Realizar combinações de efetivações) Importância Intrínseca da

liberdade (análise refinada)

Todas as efetivações (atividades e modos de ser) são importantes para análise, mesmo que a pessoa escolha uma, pois teve liberdade para optar – “conjunto capacitário”

Importância Instrumental da liberdade (análise reduzida)

Só as efetivações escolhidas/observadas é que são importantes em si mesmas e não as oportunidades que serviram apenas como meio - combinação de efetivações/funcionamentos

Fonte: Adaptado de Sen (2003) Se a liberdade é intrinsecamente importante, tal como podemos ver no Quadro 1, as combinações disponíveis a seguir são todas relevantes para se avaliar o que é vantajoso para uma pessoa, mesmo que a pessoa escolha apenas uma alternativa. A possibilidade/liberdade de escolha é, em si mesma, uma característica valiosa da vida de um cidadão.

Se a liberdade é apenas instrumentalmente importante, o interesse no conjunto de capacidades resume-se ao facto de que foram oferecidas à pessoa oportunidades para alcançar várias situações desejáveis. Apenas as situações alcançadas são valiosas em si mesmas e não as outras que são consideradas como meios para alcançar as situações desejadas.

As duas perspetivas podem ser alojadas no enfoque das capacidades. Por um lado, na conceção instrumental, o conjunto de capacidades de realização é valorizado pela alternativa efetivamente escolhida. Por outro, na conceção intrínseca, a liberdade é valorizada em si mesma e todas as conceções são valorizadas. Logo, se estas não estivessem disponíveis haveria, segundo o autor, uma perda real na perspetiva de liberdade como valor intrínseco, mas não na perspetiva instrumental, pois a alternativa escolhida sempre esteve disponível.

Numa perspetiva avaliativa, na prática é mais difícil aplicar a perspetiva do valor intrínseco do que a de valor instrumental, pois as observações diretas dizem respeito ao

que foi escolhido e realizado. Se adotarmos o enfoque da capacidade da perceção/análise reduzida, no caso de se adotar a perspetiva instrumental, não há perda real, mas há perda se se optar apenas pelo valor intrínseco. Logo será fundamental, para a análise do contexto, uma representação do conjunto das capacidades. Por exemplo, uma pessoa que não tem emprego temporariamente, porque se despediu e decidiu viajar, não pode ser considerada desempregada como uma pessoa cuja única opção é ser desempregada há anos, inscrita no centro de emprego, a passar dificuldades económicas, morais e sociais, porque realmente não consegue um trabalho. Ainda que as efetivações observadas sejam as mesmas – desempregados, as dificuldades em que se encontram os indivíduos não são as mesmas.

A prática desta avaliação, por vezes é simples e as escolhas são evidentes, no entanto, em outras situações, tal como o autor refere, poderá ser útil redefinir as efetivações de maneira “refinada” para captar algumas das alternativas disponíveis obviamente relevantes, embora não escolhidas. Não ter trabalho porque se despediu é uma efetivação “refinada” em oposição à pouco refinada de ser desempregado, que não especifica se houve ou não uma escolha. Assim, a base informacional das efetivações é uma base de avaliação muito mais fina da qualidade de vida e do progresso económico do que as várias outras alternativas, como por exemplo, as das necessidades básicas dos indivíduos ou o caso de acumulação de riqueza.

Assim para que o debate em torno das capacidades ocorra é necessário que todas elas sejam incluídas no debate público, para que os cidadãos não sejam privados de escolher as suas efetivações. Se liberdade é

o que o desenvolvimento promove, então existe um argumento fundamental em favor da concentração dos esforços de análise nesse objetivo abrangente e não em algum meio específico ou alguma lista de instrumentos especialmente escolhida. O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades económicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância de Estados repressivos (Veiga, 2005, p.252).

Um debate completo sobre as capacidades assentaria na discussão das cinco liberdades

instrumentais de Sen (2003) que se ligam umas às outras e com fins de plenitude da

liberdade humana geral. São elas:

- Liberdades políticas: que dizem respeito às oportunidades que as pessoas têm para escolher quem deve governar e com base em que princípios. Incluem os direitos civis, além dos direitos de fiscalização e crítica dos governantes através de uma imprensa livre. Para Sen, o processo essencial do desenvolvimento é construir um sistema democrático

que respeite, não só os direitos de cidadania (civis, socias e políticos), assim como os direitos humanos universais, (Carvalho, 2009), essencialmente conscientes de que é necessária uma “africanização” da democracia “um processo de reapropriação do debate e dos valores da democracia pelos africanos [e que] deve ser um processo de desenvolvimento social, cultural e sustentável (Kajibanga, 2009, p.70).

- Facilidades económicas: que são as oportunidades que as pessoas têm para utilizar recursos económicos com propósitos de consumo, produção ou troca. O processo de aumento da renda e da riqueza de um país deve aumentar os direitos e oportunidades das pessoas e a disponibilidade de financiamento e o acesso ao mesmo podem ser uma influência crucial para assegurar mais recursos.

- Oportunidades sociais: são oportunidades que a sociedade estabelece nas áreas de educação, saúde e outros serviços, que contribuem para a liberdade substantiva do individuo para viver melhor. Como o autor refere,

essas facilidades são importantes não só para a condução da vida privada (como por exemplo levar a vida saudável, livrando-se de morbidez evitável e da morte prematura), mas também para uma participação mais efetiva em atividades económicas e políticas. Por exemplo, o analfabetismo pode ser uma barreira formidável à participação em atividades económicas que requeiram produção segundo especificações ou que exijam rigoroso controlo de qualidade (uma exigência sempre crescente no comércio globalizado). De modo semelhante, a participação política pode ser tolhida pela incapacidade de ler jornais ou de comunicar-se por escrito com outros indivíduos envolvidos em atividades políticas (Sen, 2000, p.55).

- Garantias de transparência: referem-se às necessidades de sinceridade que as pessoas podem esperar nas suas relações com os outros, instituições e o próprio Estado. Além de contribuírem para a coesão social, elas podem ter um papel importante na prevenção da corrupção, da irresponsabilidade financeira e de transações ilícitas.

- Segurança protetora: resguarda os mais vulneráveis de caírem na pobreza extrema através de uma rede de segurança social e outras medidas garantindo a alimentação, saúde, educação, habitação e emprego.

Estas liberdades instrumentais são importantes por si só para o cidadão, assim como, reforçam-se umas às outras e permitem ao indivíduo aumentar o seu “conjunto capacitário”, reforçando a sua condição de agente de desenvolvimento ativo. Um exemplo de como estas liberdades se reforçam está na força da democracia (liberdades políticas) pois possibilita o reforço das capacidades dos indivíduos e permite que estes tenham voz e expressem as suas reivindicações, colaborando com outras para conseguir, por exemplo, a segurança protetora, pois como diz Sen (2003) nunca houve um caso de fome coletiva

num país democrático. Além disso, por instigar o debate público estas possuem um papel importante na definição do que são as necessidades das pessoas e das capacidades que estas valorizam.

1.3.2. Desenvolvimento e a Teoria dos Sítios Simbólicos de Pertencimento (Sitiologia)