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1. Equipamento de mergulho: Diálogo situado para (co)operar para o desenvolvimento

1.3. Desenvolvimento situado concertado na liberdade e capacitação humana

1.3.2. Desenvolvimento e a Teoria dos Sítios Simbólicos de Pertencimento

novas formas de entender a realidade, mas vinculadas às especificidades locais, aos sítios, nas suas várias dimensões (crenças comuns, religiões, identidades, redes, solidariedade, reciprocidade, pertencimento, convenções e normas). Neste contexto, um novo paradigma de desenvolvimento é enunciado por Zaoual (2006)44, que crítica e coloca em

causa a modernidade e o desenvolvimento/crescimento como um modelo único a ser seguido por todas as comunidades e aponta a importante possibilidade de existirem diversos caminhos para que os atores de uma comunidade possam conduzir seus próprios destinos de acordo com a sua diversidade cultural. Para o autor é necessário refletir sobre o modelo neoliberal, questionando os rígidos pressupostos da ciência económica e o mimetismo cultural ocidental. O autor propõe a Teoria dos Sítios Simbólicos de Pertencimento ou, simplesmente, Sitiologia que está relacionada com o que realmente se passa no local, com as “verdades locais”, trata-se de um marcador invisível da realidade que olha para o ser humano situado no seu contexto/território com todo o seu conhecimento empírico e teórico, mas também, as suas crenças, mitos, valores e tradições que no seu todo levam a que o homem se comprometa com o local, seja criativo em propostas e soluções, desenvolvendo uma espécie de um empreendedorismo situado. Esta teoria é uma introdução ao pensamento pós-global, um pensamento capaz de responder à diversidade e à singularidade de cada contexto local. Este pensamento assenta na ideia de que é impossível transpor modelos de economia, administração e desenvolvimento de um território para outro ou de cima para baixo em forma de projétil sem posteriores consequências será, portanto, necessário que seja pensado um formato que respeite as especificidades do sítio onde o projeto será estruturado. Discute-se a relação complexa que existe entre o universal e o singular, provocada pela discussão do desenvolvimento local. Para o autor o equilíbrio entre estas duas dimensões tem sido

44 Hassan Zaoual (1950-2011), marroquino, nasceu em Rabat, capital de Marrocos. Professor de economia

entre outros. Recebeu prémios científicos como a láurea do Instituto das Nações Unidas para a Formação e Pesquisa, prémio da Fundação Jean Scott L’Erigène Unitar/Unesco e cátedra especial de professor no Institute of Development Policy and Management, da Universidade de Antuérpia (Bélgica).

descurado em prol da globalização, do universal quando se transplantam projetos respetivamente acompanhados por conceitos e instituições que trazem consigo crenças científicas e sociais desenraizadas45, desprezando o saber fazer local, dos costumes, fés

e histórias de um determinado sítio. Aliás, “as experiências de desenvolvimento nos países inicialmente postulados de pobres em função da diversidade de suas situações (…) ensinam a prudência quanto às transferências de conceitos económicos de um espaço a outro” (Zaoual, 2010, p.15) é o designado desenvolvimento transposto que nos discursos assegura a felicidade e na realidade gera mal-estar moral e social.

O local reinterpreta assim o global, isto considerando a prudência face à não concretização do desenvolvimento transposto, pois o local receberá “uma influência externa não como um contributo, mas como um estímulo que torne a sua própria vida mais intensa. Não se deve alimentar de contributos externos senão depois de os ter digerido e os indivíduos que o compõem só os devem receber através dele” (Weil, 2014, p.45). Desta forma acontece, o local vai-se adaptando, readaptando, de acordo com os estímulos que recebe e vai respondendo às suas necessidades internas.

Esta teoria considera que o ser humano necessita de um sítio, pois nesse espaço ele se atraca e se realiza. Estamos perante uma entidade imaterial composta pelo espaço cognitivo de pertencimento, que estabiliza o caos social a que o ser humano se sujeita e é

perceptível somente através dos rastos, frequentemente fugidios, que ele [sítio] deixa no mundo visível, aquele dos comportamentos dos seus partidários e em que tudo o que o cerca e faz da sua vida quotidiana, da cultura à arquitetura, passando pela economia de sua organização social. Em outros termos, os comportamentos dos indivíduos estão permanentemente em interação com o campo visível que é o sítio. É ele que os estabiliza no caos da ordem social (Zaoual, 2010, p.24). Desta feita, o sítio influencia decididamente os comportamentos individuais e coletivos que se observam no mundo real. Como é que isto se processará?

Fonte: Estruturado pela autora Figura 1 – Dinamização simbólica do situs

45 “O Enraizamento talvez seja a necessidade mais importante e mais ignorada da alma humana. É uma

das mais difíceis de definir. Um ser humano cria raízes devido à sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que mantém vivos alguns tesouros do passado e alguns pressentimentos do futuro. Participação natural, isto é, criada automaticamente pelo lugar, pelo nascimento, pela profissão, pelo meio ambiente. Todo o ser humano precisa de ter múltiplas raízes, precisa de receber a quase totalidade da sua vida moral, intelectual, espiritual, por intermédio dos ambientes a que naturalmente pertence” (Weil, 2014, p.45).

A teoria identifica três caixas de elementos contidas no sítio: a caixa preta, simbólica e em geral, pouco visível nas práticas locais, caracterizada pelos mitos fundadores, valores e crenças, revoluções, sentimentos, sofrimentos, experiências, memória e trajetória de um ser humano; a caixa conceitual onde se encontram o saber social, as teorias e os modelos; e a caixa de ferramentas determinante do trabalho, técnicas, modos de organização, ofícios, modelos de ação, comportamentos e o saber fazer. Segundo o autor, o senso comum acaba por estruturar e produzir a interação entre as caixas. É assim que o sítio se dinamiza, simbolicamente, atribuindo sentido ao imaginário social das situações e trajetórias comuns que se fazem do passado histórico e do presente vivido e materializado. Em suma, a sua imaterialidade (do sítio) manifesta-se nos comportamentos e nas concretizações do local, acabando por ser um vínculo cognitivo do agente com o seu contexto, um sítio de pertencimento, uma ética e uma finalidade social e coletiva. Neste sentido, o autor acaba por priorizar o reconhecimento da solidariedade e da reciprocidade que caracterizam a complexidade humana.

O sítio, segundo o autor, alimenta o homo situs, o Homem (homem e mulher) da situação, o homem do concreto, o homem social que pensa e age de forma imediata e ao logo da dinâmica de sua própria situação, em suma é um “interpretador”46 da situação. É o

“homem aberto ao encontro dialogal com outros homens; a identidade e afirmação do homo situs não são realizados por ele mesmo, mas dependem dos outros homens” (Silva, Tunes & Bartholo, 2006, p.8). Neste sentido, não haverá aqui algum conteúdo conceptual comum entre este conceito de homem e o conceito de homem africano, aquele que dá corpo à sociedade africana? Se considerarmos a filosofia africana Ubuntu nas palavras de Desmond Tutu (2007) que nutre o conceito de humanidade na sua essência e que diz (1) "sou o que sou graças ao que somos todos nós", (2) “eu sou porque nós somos”, poder- se-á adiantar que homo situs é um conceito extremamente conciliável com o contexto africano.

O homo situs é relacional antes de ser racional no sentido da teoria económica aquando ator no seu contexto ele “reencaixa o homo oeconomicus e liberta o homo sociologicus” (Zaoual, 2010, p.27). O autor desenha um homem que existe e que luta contra múltiplas pressões que ressalta de uma vasta quantidade de registos sociais.

46 Intrepretador e não intérprete ressalva Zaoual (2010, p.27) repescando o conceito da disciplina de

O homo situs é um refinado compositor. Sua margem de manobra permite-lhe comodamente recompor seu interesse, a utilidade de sua ação e os entraves sociais de seu local. Estes são ricos em uma variedade de valores que o incitam a conter, na prática, o pleno desenvolvimento do modelo utilitarista. Assim, o carácter social e territorial do homo situs matiza fortemente os pressupostos do modelo do homo oeconomicus (Zaoual, 2010, p.25).

Assim sendo, as interações empreendidas entre os atores locais acabam por reconfigurar o local e este também está sujeito a mudanças vindas do exterior. O sítio reconfigura-se à evolução do seu meio ambiente local, regional, nacional e internacional. Como refere o autor, o “sítio aparece-nos como um modelador-modelado. É a razão pela qual, a noção de homo situs remete a um interacionismo simbólico e prático no sentido da etnometodologia” (Coulon apud Zaoual, 2010, p.26). Isto porque o homo situs deve ser entendido como uma pessoa interativa e capabilizada47 em todas as dimensões do

contexto, coletiva e individualmente.

Se o situ alimenta o homo situs o sentimento de pertença será o elo dinâmico que liga estes termos. Segundo Zaoual (2006) fazendo referencia a Amartya Sen, dois autores cujas ideias se complementam, o sentimento de pertença é um valor moral, uma motivação que estará, entre outros, por de trás dos comportamentos humanos. E o autor ilustra esta afirmação fazendo referência ao trabalho, pois a eficácia de uma organização resulta diretamente do sentido investido pelos membros nos seus objetivos e a realização destes depende do grau de pertencimento dos atores implicados na organização, como faz referência a sitiologia das organizações desenvolvida por Zaoual. Para o autor a melhor forma de gerir uma organização é quando se tem presente de que a eficácia encontra o seu motor na identidade partilhada pelo grupo. O ator prevê ganhos materiais, mas também uma existência social na cultura das grandezas do sítio considerado. Esta existência identitária é diferente da que existia na racionalidade padrão, já não está relacionada com os comportamentos que se têm em função do que é útil dentro da instituição, mas o das relações interindividuais e no que estas têm de mais profundo. “Para além da organização como “laço de contratos” (institucionalismo) e “laço de competências” (evolucionismo) verifica-se que ela é também um “laço de crenças” (sitiologia das organizações), em suma, são as crenças comuns partilhadas por todos os atores que garante o mais alto grau de pertencimento e o nível mais elevado de

47 Termo adaptado por nós com base no conceito de capabilidade que “é a aptidão que uma pessoa tem de

funcionar em dados sítio em harmonia com suas convenções, sua cultura, suas capacidades de inovar e promover seu “bem-estar”. Trata-se, pois, da necessidade de adaptar nossas conceções à grande diversidade humana (Zaoual, 2010, p. 24).

transparência nas relações entre mesmos. Assim sendo, aos atores, não interessa só a recompensa do esforço, mas também e essencialmente combinada com a cultura do pertencimento à organização, à comunidade, à sociedade, ao país e ao mundo.

1.3.3. Esboço modelar do desenvolvimento situado concertado na liberdade e