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1. Equipamento de mergulho: Diálogo situado para (co)operar para o desenvolvimento

1.4. Da cooperação para o desenvolvimento à cooperação caso-a-caso

1.4.3. Atores e disposições de CD na era Pós-2015

1.4.3.1. Os agentes terceirizados de cooperação e sua praxis

Cresce a riqueza mundial em termos absolutos. O escândalo das desproporções e das desigualdades são evidentes e revoltantes. Culpabiliza-se o mercado, as empresas que têm um papel preponderante neste fenómeno socialmente negativo. Se é assim, porque é que as alternativas são identificadas fora do mercado e com outros atores, ignorando estes motores? Porque é que não se reflete sobre estas aproveitem esta força, os motores que estão a trabalhar de uma máquina oleada, sem nunca deixar de os responsabilizar, de os consciencializar das consequências dos seus atos e de que é insustentável o atual cenário. Porque não se apela à criatividade e se estruturam medidas que os envolvam?

Nos países em desenvolvimento, o sector privado assegura cerca de 90% dos postos de trabalho, pelo que se considera um parceiro essencial na luta contra a pobreza (CE, 2014). De acordo com o seu potencial, os “intervenientes do setor privado, nomeadamente as empresas, intermediários financeiros, associação e organizações de trabalhadores e de empregadores, estão a assumir um papel cada vez mais ativo no domínio do desenvolvimento quer como fonte de financiamento quer como parceiros dos governos, das organizações não-governamentais (ONG) e dos doadores” (CE, 2014, p.2). A comissão da União Europeia (EU) descreve um quadro estratégico que evidencia não só os princípios78 que se devem seguir de modo a reforçar o papel do sector privado na

cooperação para o desenvolvimento, mas também, modalidades de ação e instrumentos que ajudem o sector a alcançar resultados positivos em matéria de desenvolvimento. Perante esta realidade falta perceber como é que este sector poderá ser um verdadeiro parceiro no desenvolvimento e na luta contra a pobreza?

As empresas/sector privado, como refere, são o agente de desenvolvimento que tem vindo ser mais contestado e questionado (Pino, 2014). Segundo o mesmo autor, estas críticas assentam no possível pernicioso impacto que as suas atividades lucrativas possam ter nos países em desenvolvimento e pelas suspeitas de que este interesse na CD possa estar mais

78 Os princípios para reforçar o papel do sector privado na cooperação para o desenvolvimento da

EU são: (1) Dar prioridade à criação de emprego, à inclusão social e à redução da pobreza; (2) Adotar uma abordagem diferenciada para o sector privado; (3) Criar oportunidades através de soluções de mercado; (4) Aplicar critérios claros para a prestação de apoio direto aos intervenientes do setor privado; (5) Ter em conta os diferentes contextos locais e as situações de fragilidade; (6) Colocar a tónica nos resultados; (7) Respeitar a coerência das políticas nos domínios de atividade do setor privado nos países parceiros (CE, 2014).

relacionado com o maquiar da sua imagem ou obter a licença social para operar. Ou seja, para obter uma recetividade favorável por parte dos atores políticos e sociais dos locais onde atuam. Além destes, Pino (2014), enuncia que existem outros aspetos negativos, tais como:

- serem agentes do imperialismo e de explorar o mundo em desenvolvimento, sendo também responsáveis pelo colapso dos governos progressistas e destabilizar as jovens democracias;

- terem um papel na formação de oligopólios e cartéis que reduzem a concorrência, inibem a queda dos preços, impedem a melhoria da qualidade dos produtos e serviços oferecidos aos consumidores e produzem inflamação e aumento dos custos das condições de vida dos mais pobres;

- ter uma atividade que corrói as culturas tradicionais e que promove um modelo consumista que aumenta o fosso entre ricos e pobres;

Tudo isto consequência da sua atividade no âmbito dos mercados, no entanto, ainda segundo Pino (2014) a sua ação também apresenta aspetos positivos tais como:

- contribuem para a formação de capital adicional para ativar o desenvolvimento; - podem induzir o progresso tecnológico se ocorrer de facto transferência de

tecnologia capaz de se adaptar a outros contextos;

- a geração de emprego e a formação dos trabalhadores que são contratados; - o crescimento económico nacional que aumenta, facilitando a modernização dos

países em desenvolvimento; - a geração de bem-estar e riqueza;

- a quebra das barreiras nacionais que acelerem a globalização da economia. É com uma visão positiva, baseada em benefícios e apostando nestes últimos aspetos positivos, que a nova agenda para o desenvolvimento pós-2015 perspetiva a propulsão do desenvolvimento não centrado apenas num dos agentes, seja ele Estado ou empresa, mas numa relação de

maior equilíbrio no que refere às funções do Estado e das empresas como agentes geradores de bem- estar social e crescimento económico, reconhecendo a sua complexidade e colocando-os em papéis complementares. Os Estados são cruciais para definir quadros normativos, fornecer bens públicos e garantir políticas de cobertura social e equidade. As empresas são necessárias para a geração de

estrutura produtiva que cria renda, emprego, inclusão e reconhecimento social. Um processo de desenvolvimento com base exclusivamente em um dos dois agentes seria insustentável e empobrecedor” (Pino, 2014, p.161).

Considera-se, portanto que nenhum sector poderá resolver isoladamente as problemáticas societais e emerge a necessidade de se construírem pontes entre todas as partes interessadas.

De acordo com o referido quadro estratégico da União Europeia a participação do sector privado no desenvolvimento poderá ser enquadrada na matéria da responsabilidade

social das empresas nos países em desenvolvimento. Estas são aconselhadas a aderirem

às orientações e aos princípios internacionalmente reconhecidos, tais como: (1) o Pacto Global das Nações Unidas (ONU); (2) os princípios orientadores da ONU sobre as empresas e direitos humanos; (3) a declaração de princípios tripartida da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre as empresas multinacionais e a política social; (4) a Norma ISO 26000 da Organização Internacional de Normalização sobre a Responsabilidade Social79; (5) as Diretrizes da Organização para a Cooperação e o

Desenvolvimento Económico (OCDE) para as empresas multinacionais.

Neste sentido, as empresas/setor privado poderão ser um verdadeiro parceiro no desenvolvimento e na luta contra a pobreza ao desenvolver medidas voluntárias “em favor de práticas empresariais mais responsáveis e sustentáveis (…) acompanhadas de um reforço da transparência empresarial e da luta contra a corrupção, bem como de esforços destinados a promover a ratificação e aplicação efetiva das convenções laborais e ambientais internacionais no âmbito [de um] (…) diálogo político” (CE, 2014, p.13). No entanto, falta perceber o papel dos privados na CD (Viana, 2015), que potenciais benefícios se poderão esperar dos contributos, das abordagens e recursos que a ação destes novos agentes da cooperação (empresas) poderá trazer, não só para os países doadores, como para os países em desenvolvimento que beneficiarão de ação e da sua

79 No sentido de desenvolver uma gestão socialmente responsável como, por um lado ter um compromisso

com todos os públicos em que a empresa causa impacto e por outro, procurar instituições competentes para auxiliar a implementação de política de responsabilidade Socioempresarial, respeitando os seguintes princípios - Os sete princípios da International Organization for Standardization (ISO) 26000 que contribuem para uma conduta responsável e sustentável das empresas são: (1) Responsabilidade; (2) Transparência; (3) Comportamento ético; (4) Consideração pelas partes interessadas; (5) Legalidade; (6) Normas internacionais; (7) Direitos Humanos. Além destas os temas centrais do documento envolvem as áreas do Direitos Humanos, práticas de trabalho, maio ambiente, práticas leais de operação, combate à corrupção e propina, consumidores e desenvolvimento aliado à participação comunitária. Assim as empresas terão/deverão que aplicar ações de cada área citada na gestão da respetiva empresa.

presença. Em suma, entender a terceirização da cooperação internacional para o desenvolvimento (Viana, 2015).

As empresas, no âmbito da cooperação, segundo Pino (2014), ampliam a escala e o efeito da cooperação oficial graças à sua capacidade (conhecimento, serviços soluções inovadoras, recursos…) de gerar riqueza, pois se a empresa se colocar ao serviço da cooperação na íntegra, esta distingue-se dos demais parceiros na combinação da sua eficácia e eficiência. Segundo o mesmo autor, estas dariam um contributo válido para o conjunto do sistema de cooperação pois, por um lado, seria mais um ator envolvido com base na sua função específica, por outro, seria uma participação válida desde que, se considere que o setor privado é determinante em qualquer estratégia de desenvolvimento que se queira manter a longo prazo, sendo fundamentais em diversas áreas de ação, com diversas funções, grupos de atividades e devidamente lideradas pelo Estado.

Neste sentido, as funções e as atividades da empresa como agente terceirizado da cooperação, seja apoiando agências oficiais ou ONG, seja no suporte aos governos nos países em desenvolvimento, segundo Pino (2014), podem classificar-se em quatro grupos:

(1) As empresas que fornecem bens e contribuem para a realização de serviços para projetos de desenvolvimento conceptualizados e executados por outros agentes. A empresa assume um papel periférico ou subsidiário, sem influência sobre a orientação da ajuda ou a definição das suas prioridades.

(2) As empresas como um importante agente de apoio ao fortalecimento do sector privado nos países em desenvolvimento. Neste caso as empresas, por meio de suas organizações e federações, compartilham sua experiência com instituições similares dos países em desenvolvimento, realizando projetos de formação, capacitação institucional e promoção de relações entre agentes produtivos.

(3) As empresas que aparecem como provedoras de fundos, recursos ou capacidades. Na maioria das vezes, impulsionam iniciativas baseadas em doações a fundo perdido sem contrapartida ou do oferecimento de recursos humanos, materiais ou técnicos. Sob esta modalidade de trabalho conjunto, a empresa aparece como um ator a mais na cooperação.

(4) As empresas como agentes motivadores de novas áreas de investimento e desenvolvimento, mediante a promoção de projetos transformadores em parceria entre o sector empresarial do país doador e o país destinatário. A

empresa proporciona a assistência técnica necessária e identifica as deficiências que o doador poderia cobrir por meio de transferência de capacidades técnica e produtivas. Trata-se não apenas de financiar projetos, mas também de eliminar os obstáculos que impedem a realização de oportunidades de investimento. Nestas condições, a empresa assume papel na cooperação como promotora da mudança.

As empresas representadas nestes grupos, segundo o autor, para atingir os seus objetivos, por vezes, recorrem às parcerias público-privadas para o desenvolvimento, como sendo formas de trabalhar/cooperar que superam as formas tradicionais de uma simples contratação de projetos ou fornecedora de equipamentos e acaba por ser mais uma forma intensa, próxima e estratégica de trabalhar. As parcerias público-privadas são um dos instrumentos mais utilizados pelos países membros do CAD/OCDE para incorporar as empresas, no entanto, os recursos comprometidos pelas agências são díspares, as informações muito limitadas, ou simplesmente estas iniciativas não são contabilizadas por vontade dos intervenientes ou devido à sua especificidade (Pino, 2014). Sabe-se que as avaliações sobre a cooperação para o desenvolvimento global além do CAD são inevitavelmente incompletas. Atualmente, as comparações entre países doadores que não pertencem ao CAD, tanto entre eles, quanto com os doadores que estão no CAD são na melhor das hipóteses baseadas em estimativas parciais e em muitos casos, em estimativas imprecisas; avaliações mais detalhadas sobre o processo decisório, mecanismos de distribuição, composição e impacto estão severamente limitadas (…) (Ciommo, 2014, pp.5-6).

Segundo estudos realizados sobre cooperação (Menezes, 2012; Faria, 2014; Leote, 2010; Medina, 2008; Jofrice, 2014; Pereira, 2006; Viana, 2015; Cequeira, 2001) as parcerias para o desenvolvimento são uma forma de cooperar que contribui para o mitigar da dependência dos países recetores em relação às ajudas externas. Uma dependência que tem vindo a fomentar consequências nocivas no âmbito da cooperação internacional. Neste contexto, a nova agenda da CD sublinha a importância de se desenvolverem “sinergias e parcerias com o setor privado e de se tornar clara a importância de cada ator não estatal no seio da política de Cooperação” (Faria, 2012, p.338). Neste sentido, reitera- se para o presente estudo o conceito de parcerias sociais como sendo aquelas que

se equilibram entre a competição e a cooperação, pois realizam um trajeto recíproco, proporcionam trocas altruístas, são relações de win-win, só desta forma é que os parceiros se interessam em se associar (…). São parcerias que, para além de possibilitar um trabalho conjunto para um fim comum (…), cada parceiro consegue retirar suas vantagens (Mendes, Alves & Carvalho, 2015).

nomeadamente, as empresas - os novos agentes para o desenvolvimento, chamadas a ter um papel ativo na CD e que, através destas parcerias, poderão não obter apenas o lucro

ou geração de valor para os seus acionistas, de acordo com uma lógica de rentabilidade, mas obterão outras vantagens, vantagens sociais ou valor acrescido para a instituição tão ou mais importante para o seu funcionamento.

Neste contexto e no que refere ao papel das empresas, coloca-se a seguinte questão: será a luta contra a pobreza uma meta comum?

Considerando que, a erradicação da pobreza é um imperativo moral e uma violação clara à justiça social se não for considerada, estes atores da cooperação e estas formas de cooperar, estas parcerias devidamente contextualizadas como respostas específicas às necessidades locais, poderão trazer contributos mais significativos do que as chamadas pílulas douradas da redução da pobreza como o microcrédito e entre outras, (…) (Karnani, 2011). O autor na sua obra Fighting the Poverty Together, defende que o sector privado, o público e a sociedade civil (organizações como ONG, cooperativas, associações) trabalham de costas voltadas, pois em tempos construíram preconceitos uns em relação aos outros que fundamentam os seus pensamentos contrários ao desenvolvimento, tais como: os negócios/empresas são vistos como venais e que exploram os mais fracos para obter os lucros, os governos são ineficientes e corruptos e a sociedade civil ingénua e ineficaz. Para o autor o Estado é que conseguirá, no entanto, a erradicação da pobreza só poderá ser realizada com a cooperação dos três sectores, cada um com o respetivo papel, tais como: a empresa tende a ser eficiente, motivado e com recursos para conseguir impactos a maior escala; a sociedade civil que traz consigo a paixão, a energia e acrescentamos nós, o conhecimento local necessário para dar o primeiro passo e por fim, o Estado com a sua capacidade de criar os parâmetros legais, a capacidade de coordenar e planificar.

É de referir que tudo isto basta, mas terá de haver vontade política, ou seja, numa perspetiva pragmática e sem preconceitos, só com um trabalho de verdadeira cooperação entre o setor privado e o Estado é que se conseguirão resultados, pois enquanto o primeiro é motivado pelo lucro, valor acrescentado ou reconhecimento social, o segundo é-o pelo consenso político, sendo por isso necessário estruturar uma alargada plataforma de entendimento e diferentes praxis – programas e políticas de CD.

Portanto, num contexto pós-2015, afigura-se como estratégico o papel do terceiro setor, os novos agentes da CD com prioridades solidárias e com uma ação voluntária assente em parcerias sociais como práticas suleares de cooperação. As empresas como agentes

terceirizados da cooperação poderão assim, em parceria, cooperar no âmbito de soluções caso-a-caso de cooperação para o desenvolvimento, devidamente, alinhadas com as prioridades do país.