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1. Equipamento de mergulho: Diálogo situado para (co)operar para o desenvolvimento

1.4. Da cooperação para o desenvolvimento à cooperação caso-a-caso

1.4.1. Entendimento crítico sobre o conceito de cooperação para o desenvolvimento

A preocupação de cooperar com o objetivo de minimizar a pobreza é um facto evidente desde o fim da 2º Guerra Mundial. Na altura os países do ocidente decidiram apoiar os países em desenvolvimento através de uma iniciativa tomada pelos Estados Unidos da América, que estabeleceu um plano económico com o intuito, num primeiro momento, de reconstruir os países lesados (seus aliados) pela referida guerra e num segundo momento, com a descolonização dos países africanos, contribuiu para o lançamento de uma nova vaga de preocupações e políticas relacionadas com cooperação internacional para o desenvolvimento.

O conceito de “cooperação para o desenvolvimento é muito amplo (…) [e inclui] uma grande diversidade de fluxos, quanto à origem e natureza, visando promover o desenvolvimento económico e social nos países menos desenvolvidos” (Afonso, 2002, p.33), nomeadamente a ajuda pública ao desenvolvimento (APD)48, outros fluxos oficiais

e fluxos privados. A estrutura destes fluxos foi variando ao longo da história da cooperação, não só devido à evolução das teorias e modelos de desenvolvimento, assim como, da conjuntura política internacional (Afonso, 2002).

Assim sendo, a decisão de cooperar para o desenvolvimento ficou politicamente marcada, por um lado, pela assinatura da Carta da Nações Unidas (1945), na qual de forma

48 A Ajuda Pública ao Desenvolvimento “é a parcela mais importante dos fluxos oficiais e uma importante

fonte de financiamento do desenvolvimento. A sua definição está consagrada desde os anos 70, no quadro do CAD da OCDE. Para serem considerados fluxos de APD devem: ser canalisados pelo sector público (incluindo organismos regionais ou locais; contribuir para promover o desenvolvimento económico e melhorar o nível de vida dos países recetores, a longo prazo; construir uma transferência de recursos na forma de donativo ou empréstimo em condições muito mais favoráveis que as do mercado. O nível de liberdade deve ser de pelo menos 25%; o país beneficiário deve constar da lista dos países em desenvolvimento elaborada pelo CAD” (Afonso, 2005, p.13).

subjacente se encontraria a “preocupação com a questão da Segurança Humana”49

(Lapão, 2011, p.69) e da paz, por exemplo, no primeiro capítulo dessa carta. Por outro lado, esta foi também marcada pelo Plano Marshall 50- o primeiro projeto específico de

cooperação entre um Estado soberano e independente e um conjunto de Estados soberanos e independentes. Este plano esteve na base da estruturação da Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE) dando origem em 1961 à Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico (OCDE)51. Foi também criado no mesmo

ano o Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) uma organização multilateral, inserida na OCDE, dedicada ao surgimento e evolução das políticas de desenvolvimento dos países integrantes. Ainda na mesma época, outros dois acontecimentos foram fundamentais para definir as linhas estruturantes do que é hoje a CD: (1) a reunião de países afro-asiáticos em lutas anticoloniais e anti-imperialistas na Conferência de Bandung (abril de 1955) que originou um pensamento neutralista (embora sofresse influencia da URSS), desenvolvido pelo movimento dos países não-alinhados e (2) o consequente processo em cadeia de proclamação de independências no período entre 1950 e 1960 época da descolonização e do subdesenvolvimento, emergindo assim a tão

49 Este intento estava bem presente aquando a “criação da ONU (1945) que apesar de ter como objetivo

inicial a manutenção da paz, colocando em prática mecanismos que possibilitassem a segurança internacional, foi, nos anos que se seguiram, adotando sistema de cooperação para o desenvolvimento, passando assumir responsabilidades num vasto conjunto de domínios como o económico, o social e o cultural, inclinando a sua atenção para os países em desenvolvimento” (Caetano, 2012, p. 39).

50 “Em 5 de Junho de 1947 o general George Marshall — recém-nomeado Secretário de Estado dos EUA

— proferiu na Universidade de Harvard o discurso em que era divulgada a intenção norte-americana de apoiar todos os países depauperados pela Segunda Guerra Mundial na sua obra de recuperação económica. A proposta contida no discurso foi aceite apenas pelos países da Europa ocidental, que acabaram por reconhecer nela a via mais adequada para o seu «renascimento» económico. Deu-se então corpo à realização de um vasto e complexo programa (ERP) [European Recovery Programa] que, com uma duração prevista de quatro anos, viria a estimular os países participantes a romperem o impasse económico em que se encontravam e a auxiliar o cumprimento do processo de reconstrução e de recuperação das suas economias. Simultaneamente e como consequência de condição previamente imposta pelos Norte-Americanos, os países europeus teriam de aceitar gerir o programa de ajuda solidariamente entre si e em conjunto com os EUA. Essa solidariedade «imposta» (pacificamente aceite, por ausência de alternativas) conduziu à criação, em 16 de Abril de 1948, da Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE), no seio da qual se aprofundaram os debates, se concertaram as primeiras medidas e se consagrou formalmente o programa económico comum, no quadro do qual ficou definida a ajuda americana entretanto aprovada pelo Congresso dos EUA” (Rollo, 1994, pp.842 - 843).

51 A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sucede à Organização

para a Cooperação Económica Europeia (OEEC) criada em 1947 para conduzir, na Europa, a implementação do Plano Marshall de reconstrução da Europa no pós II Guerra Mundial. Face ao sucesso que se revestiu esta organização e depois de ter cumprido o seu objetivo, a mesma transforma-se na OCDE. A nova Convenção entra em vigor em setembro de 1961, dando lugar a uma nova organização e com ela um conjunto de comités, entre eles, o Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD). Para mais informação consultar em: http://www.instituto-camoes.pt/cooperacao-multilateral/ocde#sthash.XWp0E83O.dpuf

conhecida denominação de países de terceiro mundo (Lapão, 2006) usadas no âmbito da CD.

Foi neste contexto que estes países não-alinhados insistiam em afastar a sua política, sociedade e economia dos dois grandes blocos que na altura extremavam o sistema mundial, essencialmente, entre EUA e URSS (Lapão, 2006). Estes juntaram-se para pressionar e acelerar as ações relativas aos movimentos de descolonização fazendo, simultaneamente o apelo às Nações Unidas, lugar onde mais tarde vieram a ter mais peso na respetiva assembleia geral. Como refere Lapão (2011), devido à ascensão, à soberania e igualdade jurídica destes Estados, era agora possível, aprofundarem-se ações de cooperação concretizadas em diferentes tratados de teor bilateral52 e multilateral, que em

diversos domínios técnicos, deram início ao processo de ajuda e cooperação para o desenvolvimento. Na altura, neste sentido, foram sendo estabelecidas

acções de carácter sociocultural, técnico-económico e financeiro que, num primeiro momento, entre estados colonizadores e os ex-colonizados e depois, entre o Sul e o Norte em geral, tomam a forma de assistência física, pessoal ou de uma contribuição ou donativo. A este exercício passou a chamar- se Cooperação, Ajuda ou Assistência para o Desenvolvimento (Lapão, 2011, p.71).

Em suma, o conceito de CD emerge num contexto e numa linha de pensamento de política externa específica, que lhe confere determinadas características uma ajuda maioritariamente institucional ligada ou ajuda interessada (Faria, 2012) que se caracteriza por ter:

- um poder hegemónico - pois o poder dos EUA e da União Soviética e mais tarde, os países do ocidente mais desenvolvidos alarga-se ao nível internacional e desta forma, expandem os seu ideais políticos, entre outros, o capitalismo e o socialismo;

- um estigma de superioridade - onde os países mais desenvolvidos se voluntariam para ajudar, dando o seu exemplo de sucesso económico e social, mostrando a sua superioridade face à inexperiência, à falta de condições estruturais, às condições psicológicas, assim como, de coerência e união política dos países do sul;

52 Cooperação Bilateral é aquela em que os doadores canalizam os fluxos da Ajuda Pública ao

Desenvolvimento diretamente para os recetores (governos ou outras organizações) e diz-se Cooperação

Multilateral quando os fundos são transferidos para organizações multilaterais as quais os utilizam para

financiar as suas atividades de promoção do desenvolvimento (Afonso & Fernandes, 2005) Neste tipo de cooperação a fonte de financiamento é controlada pelo país doador, estabelecendo-se uma relação direta entre o doador e o recipiente (Lapão, 2006). A cooperação multilateral é mais eficaz que a bilateral, particularmente na resolução de problemas que são comuns a vários países (Afonso & Fernandes, 2005).

- uma política externa de interesses – quer económicos, quer comerciais nos países recém-independentes “já que o auxílio aos países exteriores passou a ser visto como uma via para manter e reforçar a influência Norte no Sul” (Caetano, 2012, p. 38). Um exemplo de adaptação dos países doadores nesta linha de pensamento é, precisamente, a criação da OCDE que substituiu a então OECE.

Conscientes deste processo, a política externa onde se inclui a ajuda pública ao desenvolvimento, ainda hoje, é definida pelos interesses dos países doadores que aparecem, de forma mais ou menos camuflada, sob objetivos solidários ou de interajuda. Recorrendo a uma análise das relações internacionais, através de uma perspetiva realista da cooperação53, hoje em dia a “política externa deverá prosseguir os interesses dos

Estados” (Quá, 2010, p.85), mas tais intuitos devem ser explicitados abertamente, de forma pragmática, ainda que se torne polémica, como é o caso da cooperação dos EUA com Angola. Isto porque, “nenhum ator internacional desenvolve uma política de cooperação exclusivamente baseada nos valores da solidariedade, ou com os propósitos altruístas de contributo para a construção ou reconstrução de um terceiro Estado” (Quá, 2010, p.88), por mais que não se queira ver, existem sempre interesses próprios, sejam quais forem, de forma subjacente à noção de ajuda54, a qual consiste apenas numa parte

da cooperação internacional e que tem vindo a ser debatida no sentido de se tornar mais eficaz e eficiente.

53 A teoria realista considera que um dos seus objetivos fundamentais da cooperação é prevenir avanços

nos poderes relativos dos outros Estados (…) alguns Estados poderão mesmo abdicar de algumas oportunidades para aumentar as suas capacidades absolutas, se tal contribuir para uma distribuição mais estável do poder (Quá, 2010, p.12).

54 Esta forma dos países se relacionarem através da ajuda e da sua eficácia tem vindo ser debatida desde

1986 com o relatório “Shaping the 21 Century: The Role of Development Cooperation” editado pelo (CAD/OCDE) um dos primeiros marcos nos debates sobre a eficácia da mesma e enfatizando, desde esta altura, as parcerias e que serviu de base à definição dos ODM. Desde essa altura esta temática tem sido debatida em diversas conferências internacionais, tais como:

- Declaração de Paris – identificados 5 pressupostos essenciais para melhorar a qualidade de ajuda; - Agenda de Ação de Acra (AAA) – que reforça a importância dos cinco elementos e conclui que é necessário aprofundar os mecanismos e princípios definidos na agenda de Paris e define novos compromissos.

- Declaração de Bogotá Rumo a Parcerias para o Desenvolvimento Eficazes e Inclusivas – comprometendo os signatários a reforçara a cooperação sul-sul, a aprofundar conhecimentos, troca de experiências e a transparência. Esta é o documento que aborda a qualidade da ajuda e da cooperação entre países em desenvolvimento de rendimento médio.

A Cooperação Internacional tal como nos aparece nos dias de hoje é o reflexo de toda uma evolução que tem passado não só pelas teorias e modelos de desenvolvimento, pela realidade internacional (Faria, 2014), assim como, o sucesso e insucesso de práticas no terreno. Neste sentido, após a consulta de vários estudos sobre CD, verifica-se a defesa da ideia de que é necessário um novo paradigma de cooperação para o desenvolvimento subjacente nas seguintes tendências em considerar:

(1) que as práticas mais tradicionais de cooperação não têm tido o sucesso pretendido ou muitas vezes clamado (Caetano, 2012; Género, 2012; Leote, 2010; Ferreira, 2004). Estes estudos evidenciam que o referido insucesso assenta, por um lado, em lacunas internas ao próprio país beneficiário, tais como: problemas de concretização da variedade dos projetos implementados, com meios e áreas de intervenção, bem como o público-alvo distintos entre si; devido à situação política do país que acaba por interferir com todos os outros domínios, como o económico, social e cultural. Por outro lado, nas lacunas externas que se concretizam nas modalidades de fazer CD, entre outras, no subvalorizar a língua e a diplomacia económica (Caetano, 2012; Faria, 2014); no desconhecer o contexto em que estes projetos serão implementados (Faria, 2010; Chamusse, 2007); não aproveitar as potencialidades de cada país (Faria, 2010); não desenvolver o diálogo entre países (Faria, 2010); não assegurar as condições mínimas à população (Faria, 2010); não apostar na capacitação dos cidadãos e contribuir para a dependência da ajuda externa (Coelho, 2004), entre outras, as consequências da ajuda condicionada (Medina, 2008). (2) que existem ideias sobre CD que devem ser aprofundadas, tais como: a necessidade de atribuir maior destaque ao Direitos Humanos (Faria, 201; Medina, 2008; Cadete, 2015; Neto, 2012); apostar na educação como área de cooperação para o desenvolvimento (Caetano, 2012); valorizar o conhecimento local e prever o desenvolvimento impactos de longo prazo (Leote, 2010); a necessidade de se construir uma sociedade solidária (Medina, 2008); contemplar todas as modalidades de ação e não só ajuda (Batista, 2012); menor intervenção dos países ocidentais e maior empenho/responsabilização dos países em desenvolvimento com maior vontade política para a construção do desenvolvimento (Costa, 2004).

(3) que existe a necessidade de se conhecerem os parceiros de desenvolvimento, uma vez que, estes são importantes para o desenvolvimento de África e para a independência que se deseja das ajudas externas, sendo fundamental clarificar o papel de cada ator não estatal neste desiderato (Género, 2012; Faria, 2014), assim como, de se desenvolver

parcerias para o desenvolvimento com os diferentes atores, inclusive o setor privado (Faria, 2014; Leote, 2010).

(4) que este novo paradigma de CD poderá concretizar-se, entre outras, em modalidades de cooperação caso-a-caso, fundamentada com os contributos das seguintes ideias:

- qualquer projeto de desenvolvimento deve ter em conta que os países africanos constituem um conjunto complexo de heterogeneidade, tanto no contexto dos Povos, dos ambientes naturais, geográficos, passando, naturalmente, pelo cultural, linguístico, histórico e outros, pois são fatores que facilitam o alcance dos seus objetivos e evitam o insucesso dos mesmos (Género, 2012);

- dadas inúmeras assimetrias no contexto africano Género (2012) apresenta a necessidade de ensaiar-se um modelo de desenvolvimento distinto – o geo-social que parece melhor adequar às dinâmicas das especificidades, por exemplo, de são Tomé e Príncipe. Este facto confirma a necessidade de se desenvolver modalidades distintas adequadas caso-a-caso para países pertencentes ao continente africano;

- mesmo em países do ocidente como a Hungria os modos de fazer CD são influenciados pelas características do país, tais como a sua história e posição geográfica (Ferreira & Marinho, 2012);

- África necessita de modalidades de CD diferentes, uma vez que tanto a noção de Estado como a noção de democratização são distintas nesta cultura. Enquanto que, nos países do Ocidente, a Nação cria o Estado, em África o processo decorreu de forma inversa, acrescentando as distintas especificidades de cada povo (Capoco, 2013);

- o caso das SWAP55 são exemplos diferentes e mais flexíveis de fazer CD, são

medidas em que o grosso do financiamento (nacional e externo) para um dado

55 Um SWAP implica geralmente o seguinte:

(i) criação de uma visão comum entre os principais intervenientes, num processo de reformas visando um desenvolvimento de base ampla do sector

(ii) acordo sobre políticas e estratégias sectoriais pelos intervenientes nacionais e internacionais/agências doadoras

(iii) Elaboração de mecanismos transparentes de definição de prioridades e atribuição de recursos no sector, incluindo projeções da disponibilidade de recursos e planos de despesas multi-anuais

sector (tal como o sector de saúde) apoie uma única política sectorial e um único programa de despesas, acordados por todos os parceiros, mas sob a liderança do governo, conduzindo à adoção de medidas comuns para todo um setor (Rebelo, 2002). Este é um dos exemplos que se apresenta como formas mais flexíveis ao contexto de cada país.

Neste sentido o que colocamos em cima da mesa para discussão, para além do conceito é mais a forma de como se pratica a CD.