• Nenhum resultado encontrado

1. Equipamento de mergulho: Diálogo situado para (co)operar para o desenvolvimento

1.2. Do subdesenvolvimento ao pós-desenvolvimento – um trilho resiliente

1.2.1. Entendimento crítico sobre o conceito de desenvolvimento

No dia-a-dia verifica-se que o conceito de desenvolvimento se concretiza na simples noção de que algo muda para melhor. O desenvolvimento de uma flor significa que esta cresceu e está mais bonita, o desenvolvimento de uma criança significa que esta está mais matura e possui mais competências, o desenvolvimento de um projeto expressa que se iniciou a concretização da ideia inicial quer no papel quer no terreno.

No âmbito da cooperação para o desenvolvimento (CD) ou das relações internacionais, o conceito de desenvolvimento tem sido um dos conceitos mais polémicos, mais complexo e com mais versões a si associadas. Por um lado, a um nível pessoal, o conceito liga-se à busca permanente da felicidade humana e consequentemente a satisfação das necessidades básicas, no sentido de conseguir melhores condições de vida. Esta ideia consubstancializa-se nas razões que alicerçam fenómenos sociais como, por exemplo, os da emigração. Por outro lado, estas razões têm originado diferentes versões e práticas que nos levaram a dar “conta da relação dialética entre pobreza e riqueza, poder e debilidade, participação e exclusão, dominação e autonomia” (Gómez, Freitas & Callejas, 2007, pp.13-14). Um conjunto de evidências de uma prática histórica complexa, com origem na ansia inerente ao homem em procurar melhores condições de vida e que, por vezes, passa mais pelo objetivo central de acumular bens e poder e não por um percurso social justo e equitativo perante os seus iguais.

O conceito de desenvolvimento acaba por ter assim um conteúdo histórico, pois “cada sociedade e cada época têm a sua própria formulação, que responde às convicções, expectativas e possibilidades que predominam no momento” (Morais & Graça, 2014, pp. 50-51). Atualmente o conceito de desenvolvimento é um conceito amplo, um processo multidimensional, centrado na erradicação da pobreza e no desenvolvimento social, tendo como elemento central as pessoas enquanto destinatárias principais dos benefícios desse processo (Morais & Graça, 2014).

A ideia de desenvolvimento está, pois, no centro da visão de mundo e a partir dela o homem é visto como um fator de transformação tanto do contexto em que está inserido como de si mesmo (Furtado, 1984). Para tal exige-se aos políticos, uma certa dose de “criatividade ao nível dos fins” (Furtado, 1984, p.118) que se desejam alcançar e não tanto da lógica dos meios que nos são dados/emprestados ou impostos pelas políticas externas por parte do modelo único e hegemónico. Em suma, “o desenvolvimento (…) é fundamentalmente um processo de invenção, cuja intencionalidade é situada na concretude situacional, enraizada num contexto histórico-cultural determinado” (Ayres, 2007, p.14). Tal noção será impulsionadora de um maior empenho para descobrir novas potencialidades latentes nas situações quotidianas e uma renovada disponibilidade para a surpresa e o risco de descolonizar o futuro das efémeras certezas de hoje (Bartholo, 2002), ou seja, ter a capacidade de tornar o amanhã possível o que efetivamente hoje parece ser impossível.

Na impossibilidade de haver uma definição única que responda às carências de todas as épocas e de todos os contextos, a presente pesquisa encara o conceito de desenvolvimento como um conceito multidimensional (Todaro, 1977) que atravessa um processo contínuo de transformação. Uma transformação para melhor, de todas as dimensões da sociedade, económica, social, política, ética, cultural e ambiental estabelecendo ligações dinâmicas entre elas.

Não obstante, a história e a prática do desenvolvimento no ocidente construíram-se sobre os pilares do crescimento económico e da modernização. O desenvolvimento é um processo multidimensional, envolvendo a reorganização e a reorientação dos sistemas económicos e sociais. O crescimento não será assim o único indicador de desenvolvimento (Todaro, 1977) e existe a necessidade de

reformas institucionais e estruturais de modo a encaminhar-se para a erradicação da pobreza absoluta, há que proporcionar generalizadamente oportunidades de emprego, há que reduzir as desigualdades na distribuição do rendimento e elevar em geral o nível de vida, onde a saúde, a educação, o próprio enriquecimento cultural têm de ter lugar (Lopes, 2006, p.43).

Assim sendo, as teorias de desenvolvimento que foram concebidas nas universidades dos países centrais, tal como Celso Furtado10 afirma, desconsideram “as especificidades e a

10 Celso Furtado foi um dos mais prestigiados economistas brasileiros. Possuía um pensamento pragmático

e uma autonomia epistemológica pois não se deixava aprisionar pelas algemas mentais da análise economicista aludindo a necessidade urgente de se conceber uma abordagem interdisciplinar nas teorias do desenvolvimento económico. Ele não se deixava iludir pela modernização da miséria que resultava na implementação de um modelo único de desenvolvimento hegemónico, que descaracterizaria as identidades

historicidade de uma trajetória efetiva de desenvolvimento situado dos países periféricos” (Ayres, 2007, p.12). São, portanto, indispensáveis pensamentos descentralizados, discursos desconstruídos não ocidentalizados sobre o que poderá ser ou não desenvolvimento. Uma abordagem interdisciplinar e simultaneamente, um pensamento glocal11 sobre os contextos em desenvolvimento. Através de uma visão alternativa ao

reducionismo da economia padrão deve-se reconhecer o foco no ser humano, na sua universalidade, na sua diversidade e capacidade de estimular o desenvolvimento situado. Isto porque a “análise do desenvolvimento é inseparável do contexto societal em que este se projecta, ou seja da cultura onde a acção mergulha as suas raízes e em última análise, da qualidade e formação dos indivíduos que formam essa mesma cultura” (Torres, 2002, p.26).

Após a consulta de vários estudos evidencia-se a tendência para se defender que é necessária uma maior apropriação da ideia e do processo de desenvolvimento, por parte dos países em desenvolvimento, nomeadamente, que estes se consciencializem da necessidade que existe em conceptualizar e concretizar uma maior capacidade local de construção (Cequeira, 2001) endógena desse desenvolvimento. Como?

- tornando os seus Estados mais ativos e as respetivas elites mais preocupadas e responsáveis (Menezes, 2012);

- impulsionando uma maior participação e entendimento entre os atores que operam para o desenvolvimento local (Ribeiro, 2013);

- apostar nas parcerias para o desenvolvimento (Cerqueira, 2001; Menezes, 2012) como uma ferramenta territorial de desenvolvimento privilegiado para conceber as políticas de desenvolvimento local;

- apostar em políticas de descentralização e outros mecanismos de boa governação (Mateus, 2007);

culturais situadas tradicionais, num contexto onde as pessoas desses povos, países e localidades tenderiam a ser vistas como coisas (Ayres, 2007).

11 O termo glocalização foi introduzido pela primeira vez nos anos 80 no âmbito das estratégias de mercado

japonesas referentes à adaptação de estratégias de cultivo da terra às condições que poderiam existir nos locais. Mais tarde o mesmo foi introduzido no ocidente pelo sociólogo Roland Robertson afirmando que este conceito descreve os efeitos moderadores de condições locais sobre pressões globais. Robertson (1995) chegou a afirmar que o local e o global não se excluem, pelo contrário: o local deve ser compreendido como um aspeto do global.

- insistir na relação forte que existe entre desenvolvimento e educação, colocando as pessoas no centro do processo considerados como o motor do desenvolvimento (Mascarenhas, 2011; Caetano, 2012).

Em suma, a construção de um modelo de desenvolvimento humano sustentado conseguir- se-á com a implementação de políticas que estimulem e apoiem o desenvolvimento pessoal, social, económico e ambiental (Mascarenhas, 2011) que tenham a meta em mente de mais cedo ou mais tarde minimizar/cortar com a dependência da ajuda externa (Menezes, 2012) e apropriar-se da ideia e do processo do seu próprio desenvolvimento. Esta ideia de desenvolvimento centrada no homem não é recente, pois já em 1979 no Equador, François Perroux na sua obra12 sobre as problemáticas do desenvolvimento do

ponto de vista da interrogação filosófica, adiantava já a necessidade de se realizarem revisões radicais quanto ao domínio da economia e aos instrumentos de análise que aí se aplicavam, pois, o conceito de desenvolvimento

remete-nos para o homem, sujeito e agente, para as sociedades humanas, para a sua finalidade e para os seus objectivos manifestamente evolutivos (…) O novo desenvolvimento quer-se ‘global’, ‘integrado’, ‘endógeno’ (Rela, 2008, p.768).

Entretanto, foram sendo elaboradas diferentes teorias para justificar a pobreza ou a riqueza das sociedades e identificar receitas para atingir o bem-estar humano, provocando efeitos negativos em muitas culturas “periféricas” (em desenvolvimento), produzindo resultados que deram consistência à teoria da dependência que alega que nos países da periferia não é possível que aconteça o desenvolvimento (Gómez, Freitas & Callejas, 2007).

1.2.2. Sociedades a Sul - uma visão diacrónica do conceito de desenvolvimento e