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1. Equipamento de mergulho: Diálogo situado para (co)operar para o desenvolvimento

1.4. Da cooperação para o desenvolvimento à cooperação caso-a-caso

1.4.3. Atores e disposições de CD na era Pós-2015

1.4.3.2. Disposições cooperativas dos novos agentes de cooperação

Num novo paradigma de cooperação para o desenvolvimento (CD) exigem-se mudanças de comportamento e de perspetivas, para tal é necessário dialogar e aprender com as experiências (OCDE, 2015). Neste sentido, cooperar para o desenvolvimento num período pós-2015 é um desafio, pois requer um trabalho coletivo, de igual para igual, recorrendo às habilidades sociais/dialógicas de cada um com o intuito de entender e mostrar-se recetivo ao outro para agir em conjunto e conseguir os objetivos comuns definidos à partida (Sennett, 2012). Isto porque, apesar das partes que constituem a parceria social poderem pertencer a campos de atuação diferentes, com essências diferentes, há sempre um objetivo comum que as une num trabalho cooperativo. Portanto, cabe-lhes saber ouvir, colocar-se no lugar do outro, encontrar pontos de convergência e saber gerir a discordância (Sennett, 2012). Por outro lado, um trabalho em parceria faz- se com base num conhecimento acumulado, construído com base na experiência e na “partilha [de] conhecimentos e [no] destilar os ensinamentos e boas práticas” (OCDE, 2015, p.2), conseguindo-se tal objetivo através da cooperação sul-sul e/ou através de mecanismos de responsabilização como avaliação pelos pares, ciclos de monotorização, prestação de contas e avaliação utilizada para apoiar a adaptação contínua (OCDE, 2015). Sabendo que as parcerias são fortes impulsionadoras do desenvolvimento (OCDE, 2015), o trabalho de CD enquadrado num paradigma da intersubjetividade ou de intercompreensão, requer uma predisposição para ouvir/escutar o outro, de forma a ultrapassar as barreiras culturais, preconceitos e/ou ideias feitas, que muitas das vezes são os obstáculos ao sucesso de constituição de parcerias bem como a realização do trabalho de cooperação (Ferreira & Marinho, 2012; Delgado, 2013; Mauri, 2013). É nesta preocupação de ouvir o outro e de o conhecer que se estabelece uma relação horizontal entre as partes e sobre a qual se estabelecerá o trabalho de cooperação. Neste sentido, a busca permanente de soluções caso-a-caso impulsionadas pelas prioridades de cada país, o estabelecimento de parcerias sociais entre os parceiros para o desenvolvimento, entre

outros, o sector privado pressupõe algumas disposições80 de cooperação fundamentais,

sendo elas:

(1) disposições de cooperação dialógica – no sentido de entender e mostrar-se recetivo ao outro para agir em conjunto. Através de um olhar multidisciplinar, Sennett (2012) analisa a cooperação entre as pessoas, nas suas relações sociais e segundo as suas palavras, as relações humanas são naturalmente permeadas de interesses e objetivos diferentes. O mesmo se poderá dizer das instituições/organizações que são constituídas, geridas e mantidas por pessoas. O autor considera que a cooperação é uma habilidade que consiste na capacidade de entender e mostrar-se recetivo ao outro para agir em conjunto, de modo que nessas relações de troca todos beneficiem e contribuam para a prosperidade da sociedade. Poder-se-á considerar que a cooperação é um exercício difícil para pessoas e gestores, nomeadamente a identificação de terrenos comuns, a construção de consensos, a busca de convergências e a gestão da discordância respeitando os princípios éticos.

Com a preocupação de examinar as coisas sob todos os aspetos, com o intuito de ver os muitos lados de qualquer questão ou prática, o autor considera que a verdadeira arte de cooperar é colocar em prática as habilidades sociais/dialógicas que prosperam através da empatia, sendo elas: saber ouvir, colocar-se no lugar do outro, encontrar pontos de convergência e gerir a discordância.

Esta forma de cooperar, entre outras, assenta na solidariedade, ou seja, ao cooperar desenvolvem-se vínculos sociais no cotidiano e na organização da política, de forma que a cooperação e solidariedade se vão complexando à medida que se aprofunda a relação entre indivíduos ou instituições, assim como, as próprias habilidades dialógicas. Aqui o que importa é mostrar-se aberto às pessoas/instituições diferentes, dialogar, envolver-se com elas. Um “diálogo constante e criativo entre insiders e outsiders, para que haja compreensão mútua e uma construção conjunta de um conhecimento sustentável e sustentado, evitando a transferência cultural” (Silva, Poças, Santos, Silva, Mendes, 2013, p.13).

80 Usa-se o conceito de disposições de Nóvoa (2003), quando ele afirma que para além das competências

que devemos ter coloca-se a tónica numa (pré) disposição que não é natural, mas construída na definição de uma posição com forte sentido cultural, construída no interior das pessoas e acrescenta-se, das organizações, uma vez que estas últimas são construídas por pessoas.

Num contexto neoliberal, globalmente competitivo, através de uma visão antropológica, Sennett (2012), o autor considera que o homem tem dificuldade em cooperar, neste sentido, é fundamental refletir sobre o equilíbrio entre cooperação e competição, ou seja, “no trato recíproco. O equilíbrio é frágil porque o ambiente natural está constantemente [a mudar] (…), mas ainda assim pode ser alcançado através de trocas” (p.158). Por exemplo, trocas do tipo altruísta, win-win ou trocas diferenciadas81 em contexto em

desenvolvimento.

Por último, quando nos propomos a cooperar e ser recetivos ao outro deverá haver uma intrínseca preocupação em trabalhar em comunidade. No que refere ao ato de cooperar com os outros, o autor relembra a convicção e a respetiva metáfora de Montaigne (1533- 92) – “quando estou a brincar com o meu gato, como posso saber que ele não está a brincar comigo?”. Neste sentido, não podemos conhecer a vida íntima dos outros sejam gatos ou outros seres humanos, no entanto, Sennett (2012) identifica esta metáfora como um símbolo da cooperação dialógica pois ajuda a compreender a ideia de que, mesmo não conhecendo o que passa nas mentes e corações dos outros, tal “falta de entendimento recíproco não nos deve impedir de nos relacionar com os outros; [pois] queremos que algo seja feito em conjunto” (p.329), isto para todos os parceiros, independentemente dos preconceitos estabelecidos não só em relação ao parceiro de naturezas distintas, assim como em relação aos contextos em desenvolvimento.

(2) disposições éticas num trabalho para o desenvolvimento sustentável82 que se

concretizam em preocupações éticas para a cooperação, tais como:

81 O conceito de trocas diferenciadas, no tempo colonial, pontualmente foi usado. Eram pensamentos

legitimados na criação e na gestão do bem comum, como é o caso de um dos primeiros alto-comissários portugueses em Angola – o general Norton de Matos (1921-1924), o grande reformador deste período. Este encarnou a renovação da política colonial republicana e com mais autonomia para atuar defende um projeto político distinto, mas muito criticado, que se baseava essencialmente em estreitar relações entre a metrópole e Angola lutar contra o trabalho forçado, reformando a legislação do trabalhador indígena e entre outros, encorajava um desenvolvimento autocentrado desta colónia. Desta forma “fracassa na tentativa de criar uma economia moderna em Angola e de favorecer a emergência de uma espécie de «Commonwealth» português, baseado em relações de cooperação e de reciprocidade” (Bethencourt, 1998, p.540). São pensamentos inspiradores e que, se eventualmente fossem ouvidos, poderiam influenciar o modo como se fez cooperação e a forma como se vê hoje as relações de cooperação. Embora historicamente contextualizadas em época diferentes, este exemplo partilha o mesmo conteúdo, nomeadamente, as relações de cooperação horizontal e do ganho reciproco. Bethencourt & Chaudhuri (1998). História da Expansão Portuguesa (Volume 4), Circulo de Leitores: Espanha.

82 Para saber mais sobre este assunto, poder-se-á consultar o documento publicado pelo Observatório Social,

uma organização não-governamental brasileira, que apresenta as “Diretrizes da OCDE para empresas

multinacionais – guia do usuário” que recomenda um comportamento ético às empresas para trabalhar

1 - Cumprir os princípios básicos: assegurar que as empresas cumprem as regras de responsabilidade social, que os governos criem um ambiente favorável e que os países em desenvolvimento tenham as capacidades que necessitam;

2 - Selecionar os setores ou cadeias de valor específicas;

3 - Concentrar-se inicialmente num pequeno número de parcerias para demonstrar resultados sobre o terreno;

4 - Monitorizar o desempenho das empresas em termos dos seus compromissos e divulgar os resultados;

5 - Estabelecer normas, regulamentos e medidas para motivar e permitir o investimento e o financiamento sustentável do setor privado;

6 - Certificar-se de que os governos proporcionam os incentivos ao sector privado para que estes invistam nos países em desenvolvimento e nos bens públicos do planeta;

7 - Eliminar os incentivos perversos (OCDE, 2015, p.11)83

Neste sentido, as disposições éticas deverão ser desenvolvidas pelas partes interessadas (Estado e setor privado) no sentido de se conseguir um trabalho motivado, regulado, fundamentado e transparente nos resultados dos países em desenvolvimento em prol dos bens públicos.

(3) disposições de compromisso, responsabilização e respetivo impacto positivo

- Os compromissos de parceria, segundo as recomendações da Declaração de Paris sobre a Eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento, devem ser interpretados à luz da situação específica de cada país parceiro. Por nossas palavras, compromissos imprimidos em soluções de cooperação caso-a-caso.

- Responsabilização significa prestar contas pelo que foi feito ou não e neste último caso, aceitar potenciais sanções pela falta de cumprimento dos compromissos. Numa época pós-2015, a responsabilização continua a ser assegurada pelos governos, no entanto, as parcerias congregam agora uma diversidade de partes interessadas que poderão abordar a agenda para o desenvolvimento comum de formas diferentes. Neste sentido, são necessárias diversas formas de responsabilização mútua de transparência, assim como, compromissos passíveis de serem medidos e normas que possam ser, continuamente, avaliadas e atualizadas de forma a manter o envolvimento dos parceiros. Esta

http://www.empresalimpa.ethos.org.br/uploads/file/deReferencia/DiretrizesOCDEDparaMultinacionais.p df

responsabilização e atualização dos compromissos só fará sentido se todos os parceiros forem ouvidos e representados nestas parcerias (OCDE, 2015).

- Assegurar que a ação destas parcerias tenha um impacto positivo no desenvolvimento, que respeita as recomendações do CAD no sentido da realização de uma ajuda desligada84.

(4) disposições de ação coordenadas e eficazes, face ao aumento da diversidade de parceiros envolvidos na cooperação para o desenvolvimento (OCDE, 2015). É fundamental evitar a duplicação de esforços e a fragmentação de problemas já identificados relativos à eficácia da cooperação para o desenvolvimento. Assim sendo, a eficácia destas parcerias poderá passar pela atuação e incidência em questões ou sectores (educação, saúde ou energia sustentável) e serem de pequenas dimensões. Além disso, “as parcerias entre o sector público e privado, pode contribuir para aumentar a escala, alargando o alcance das soluções de desenvolvimento a elevados números de beneficiários em condições que os governos, empresas ou organizações filantrópicas não conseguem normalmente assegurar sozinhos” (OCDE, 2015, p.2). A eficácia destas parcerias passa também por possuírem uma liderança forte e empenhada de forma a manterem-se firmes no percurso a seguir e mobilizar os recursos humanos e financeiros necessários à conclusão das tarefas. Em suma e aprendendo com as experiências

84 Ajuda Ligada: “diz respeito a fluxos sob a forma de empréstimos ou donativos que estejam

condicionados à aquisição de bens e serviços do país doador. Em 2001, durante a Reunião de Alto Nível do CAD/OCDE, foi adotada uma recomendação para “desligar” a ajuda para os países em desenvolvimento. Os princípios de Paris para a Eficácia da Ajuda defendem que as práticas de ajuda ligada devem ser eliminadas, pois que elas acabam por provocar inversões nas competências da definição de prioridades, entre Países Doadores e Países Recetores e os custos das operações acabarem por ser mais altos, por não estarem sujeitos às normas da concorrência”. Retirado de: http://cooperacao- desenvolvimento.blogspot.pt/p/glossario-minimo.html

“A desvinculação da ajuda é um aspeto importante do debate sobre a coerência e a eficácia das iniciativas de ajuda e sobre a credibilidade dos doadores. Por um lado, a desvinculação é considerada um sinal forte de generosidade e de solidariedade. Por outro e talvez mais pertinentemente, considera-se que reforça a transparência e a responsabilização em matéria de gestão e de prestação da ajuda, pelo que poderia contribuir significativamente para reduzir a corrupção e a má gestão (…) Desde a primeira Convenção de Lomé, o espírito da ajuda comunitária assenta na ideia de parceria que, por sua vez, está centrada no conceito de apropriação. Os conceitos de "parceria" e "apropriação" não podem ser tratados unicamente como declarações de respeito e reconhecimento mútuo, pois contêm implicações concretas para o conceito de desvinculação. O debate sobre a desvinculação da ajuda não pode ser realizado exclusivamente entre doadores e resolvido no âmbito das respetivas instâncias. Com efeito, exige necessariamente um elevado nível de participação dos países beneficiários. Desde a sua fundação e com base na convicção de que a qualidade do diálogo com os parceiros é a chave para o êxito das políticas de desenvolvimento, a ajuda comunitária coloca o país beneficiário no centro dos debates (…) A recomendação do CAD sobre a desvinculação reconhece, como princípio, o objetivo de uma repartição de esforços entre os seus membros, reconhecendo igualmente que a obtenção de uma partilha de esforços equilibrada é uma preocupação legítima e importante dos governos, dos parlamentos e das populações em geral” Retirado de: http://eur- lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A52002DC0639

realizadas85 o Relatório sobre a Cooperação para o Desenvolvimento 2015 propõe dez

fatores de sucesso que constituem um quadro de implementação e monitorização de forma a conseguir parcerias que sejam coligações eficazes para ação, tais como:

1. Assegurar liderança de alto nível.

2. Garantir que as parcerias são lideradas pelos países e vocacionadas para o contexto específico.

3. Evitar a duplicação de esforços e a fragmentação. 4. Assegurar uma governação inclusiva e transparente.

5. Aplicar o tipo correto de modelo de parceria ao desafio existente.

6. Acordar princípios, metas, planos de implementação e mecanismos de aplicação. 7. Clarificar funções e responsabilidades.

8. Manter uma orientação clara para os resultados.

9. Medir e monitorizar os progressos relativamente às metas e objetivos. 10. Mobilizar os recursos financeiros necessários e utilizá-los de forma eficaz. (5) disposições em Educação para o Desenvolvimento (ED)86: parcerias de CD

realizadas por pessoas e instituições que tenham uma visão glocal e a consciência da “assunção de que todo o conhecimento é parcial e incompleto, baseado nas vivências pessoais de cada um e que, por essa razão, cada cidadão deve estar preparado para assumir as limitações da sua visão do mundo, para se questionar, para “desaprender” (unlearning) e transformá-las no contacto com os outros” (Coelho, Mendes & Gonçalves, 2015, p.52). O que quer dizer que os parceiros devem ter a consciência de que há mais mundo para além do seu, devem questionar-se, estar dispostos a desaprender e aprender com os outros. Todos devem estar conscientes de que há muito mais do que a sua procura pelo lucro (empresas), da sua posição institucional e poder (Estado), do seu conhecimento local e

85 Para mais informação poder-se-á consultar o Relatório sobre Cooperação para o Desenvolvimento 2015

Fazer das parcerias coligações eficazes para a ação na versão sumário: http://www.oecd- ilibrary.org/docserver/download/fc83e9b7-

pt.pdf?expires=1468338869&id=id&accname=guest&checksum=BED76EA0F953283E90387184C042E 620 ou o Relatório na versão completa em https://www.oecd.org/dac/DCR-2015-Aspectos-importantes.pdf

86 Educação para o Desenvolvimento é um «processo dinâmico, interactivo e participativo que visa: a

formação integral das pessoas; a consciencialização e compreensão das causas dos problemas de desenvolvimento e das desigualdades locais e globais num contexto de interdependência; a vivência da interculturalidade; o compromisso para a acção transformadora alicerçada na justiça, equidade e solidariedade; a promoção do direito e do dever de todas as pessoas e de todos os povos, participarem e contribuírem para um desenvolvimento integral e sustentável» (Despacho n.º 25931/2009. Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Educação. Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento, pp. 48391- 48402.)

trabalho voluntarioso (ONG) e do sentimento religioso e do bem-estar do próximo (Igreja). Todos os parceiros interessados na edificação do desenvolvimento, devem estar atentos ao seu local, devem questionar-se e depois de munidos de ferramentas próprias, em diálogo com os demais parceiros, perceber o que em conjunto poderão realizar em prol do bem-estar comum e da luta contra a pobreza, contribuindo assim para um desenvolvimento local sustentável.

Em suma, não existe desenvolvimento sem envolvimento (Alves, 2014, p.88) das partes interessadas. Cooperar para o desenvolvimento requer disposição para o diálogo, saber desaprender e voltar a aprender, fazê-lo de forma ética, assumir compromissos e responsabilidades, ter uma ação coerente com o seu pensamento e concretizada através de uma perspetiva glocal. A cooperação é uma área sensível que requer a acumulação de esforços tanto da parte dos doadores como dos beneficiários, com o objetivo de ambos poderem caminhar juntos no sentido do desenvolvimento (Caetano, 2012).

1.4.4. Esboço modelar de cooperação dialógica para o desenvolvimento situado