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2. Submersão demorada no contexto: Moldura Metodológica

2.4. Do desenho do estudo

2.4.2. Segundo momento: realização do estudo de caso exploratório

Despertos para este debate sobre CD, nomeadamente a integração das organizações do sector privado como agentes de desenvolvimento e conhecendo de antemão o trabalho que se estava a realizar no terreno no âmbito da educação de adultos, em especial a alfabetização de adultos, seria pertinente mergulhar no terreno e aprofundar o conhecimento sobre este assunto. Angola continua a apostar na formação profissional (MAPTSS, 2013), uma vez que tem carência de quadros formados, no entanto, as instituições formadoras têm encontrado algumas dificuldades em formar estes quadros a nível profissional, pois muitos adultos colaboradores não sabem ler nem escrever, o que representa um obstáculo à concretização desta formação profissional e especializada.

a) Caso de estudo, objetivos e primeiras questões

Assim sendo, em maio de 2013, decidiu-se realizar uma primeira visita ao terreno com o intuito de estudar o contexto atual, os sujeitos, caracterizar e perceber o caso ainda que de forma exploratória. Pretendia-se também encontrar a linguagem usada, localmente, para estruturar possíveis entendimentos que pudessem ser considerados sobre esta temática. Neste sentido, optou-se pela metodologia de estudo de caso, uma vez que o interesse era o de compreender o caso em específico, um estudo de caso intrínseco (Stake, 2007). O caso foi pré-selecionado, não só para o conhecer em profundidade, mas também que pudesse contribuir futuramente para o ajuste do protocolo de uma pesquisa mais alargada, assim como, que contribuísse para a consolidação dos instrumentos de recolha de dados futuramente a serem utilizados. Esta seleção fundamenta-se em diversos critérios, tais como, ser uma organização:

1) do sector privado – empresa;

2) que apesar da sua especialidade, construção civil e obras públicas, dedica-se à formação e à área da educação;

3) do sector privado, a primeira a estabelecer uma parceria consistente, contínua e estruturada com o Estado nesta área da educação de adultos;

4) do terceiro setor a concretizar uma parceria a este nível, de âmbito nacional, com sistema de monitorização em funcionamento.

Neste sentido, pretendia-se conhecer em profundidade as parcerias estruturadas entre o governo e os seus parceiros, neste momento de investigação, em especial as estabelecidas entre o governo e o sector privado, tal como se representa na Figura 7.

Figura 7 – Objeto de estudo do primeiro momento de pesquisa – exploração Assim sendo, selecionou-se a parceria que o governo estabelecera desde 2011 com um grupo de empresas X, presente em Angola há mais vinte anos em Angola. Uma empresa atenta ao contexto tem vindo a formar os seus recursos humanos através de um dos seus departamentos, a que de agora em diante, passamos a designar de Construtora - o seu centro de formação criado em outubro de 2009. Para esta empresa a valorização de recursos humanos assenta em garantir a formação profissional e simultaneamente, elevar os níveis educativos dos seus colaboradores.

Face às dificuldades encontradas, internamente, no que refere ao desenvolvimento da formação profissional em colaboradores que não sabiam ler e escrever, a Construtora sentiu que deveria aceitar o chamamento do governo angolano a participar no Programa de Alfabetização e Aceleração Escolar (PAAE) e em parceria, implementar o programa internamente. O objetivo era de a curto prazo alfabetizar todo o quadro de colaboradores do grupo de empresa da Construtora, analfabetos e sub-escolarizados, no sentido de serem desenvolvidas competências base para se conseguir uma formação profissional efetiva e consequentemente, mais e melhores desempenhos profissionais.

O PAAE da Construtora tem por metas a erradicação do analfabetismo no quadro dos colaboradores na empresa, a progressão dos colaboradores para o nível da escolaridade mínima obrigatório (sexta classe do ensino básico), assegurar a aprendizagem ao longo da vida dos colaboradores através de um sistema dual baseado na formação profissional e educação escolar e por fim, contribuir para a estabilidade e satisfação dos seus colaboradores quer pessoal quer profissionalmente.

Neste estudo exploratório pretende-se reunir informação que permita a presente pesquisa alcançar os seguintes objetivos:

(1) Identificar as primeiras dimensões e categorias de análise deste caso a ser usado mais tarde na pesquisa extensiva;

(2) Responder a uma questão de partida

Assim sendo, é esta estratégia de cooperação cuja finalidade é contribuir para o desenvolvimento que desperta atenção desta pesquisa e a necessidade de saber mais sobre o PAAE e o seu funcionamento, procurando responder à seguinte questão de investigação:

Como é que as parcerias que se têm vindo a estabelecer entre o governo angolano e as empresas, no âmbito do PAAE, poder-se-ão caracterizar como práticas de cooperação para o desenvolvimento?

b) Opções e procedimentos metodológicos

No ano de 2012 foi realizado um levantamento de possíveis participantes que desencadeariam maiores expectativas de colaboração. Após diversas leituras sobre o contexto, nada mais pertinente que ficar disponível para ouvir as outras vozes, as vozes de quem está no contexto, conhecer as suas perceções sobre o objeto de estudo. Assim sendo, conscientes de que no desenvolvimento de uma investigação qualitativa, em especial num estudo de caso, a escolha dos participantes se processa de modo intencional e estratégico (Merriam, 1988) foram selecionados os participantes. Decidiu-se ouvir pessoas alocadas a diferentes dimensões de análise, nomeadamente, a nível macro referente ao sistema governamental nacional - o diretor do departamento nacional de educação de adultos, ao nível meso o sistema governamental local e pedagógico - dois coordenadores provinciais e a diretora pedagógica da empresa e por fim, a nível micro duas alfabetizadoras e a análise documental de um artigo escrito em 2013 e publicado em 2014 sobre os alfabetizandos.

Estes participantes foram selecionados com base em diferentes critérios, nomeadamente, (1) indivíduos que representassem as partes da parceria, (2) que conhecessem em profundidade o funcionamento tanto do programa (PAAE) como da parceria Estado-empresa, (3) indivíduos que conhecessem de perto os resultados do PAAE. Esta necessidade de definir critérios de seleção dos participantes, para além de ser

uma característica da investigação qualitativa, torna-se essencial, uma vez que, se pretende estudar pessoas, as suas conceção e atividades e tal como refere Cohen & Manien (1994) é essencial ter em conta que “o mundo é subjacentemente estruturado, possuindo particular significado para os seus habitantes” (p.110), logo é legítimo que se tenha alguma atenção na escolha dos participantes da investigação. Neste sentido, foram selecionados os participantes que estão devidamente caracterizados na Tabela 1.

Tabela 1 – Perfil pessoal e profissional dos participantes do estudo exploratório

Desde logo, a investigadora procurou estabelecer uma relação de maior proximidade com alguns dos participantes, desenvolver laços de confiança e/ou amizade com os mesmos, facto que acabou por facilitar o acesso aos restantes participantes. No que refere ao participante da dimensão macro o acesso foi facilitado, uma vez que, ao participar num seminário nacional de alfabetização em Luanda-Viana onde técnicos, diretores e coordenadores provinciais do PAAE estavam presentes, assim como, o chefe de departamento nacional de educação de adultos, que após a solicitação e explicitação do projeto, da nossa parte, se disponibilizou em participar. Optou-se por desenvolver uma abordagem objetiva (Bogdan & Biklen, 1994) ou seja, a investigadora deu a conhecer os seus interesses e pediu a colaboração da coordenadora de formação da construtora, cujos resultados concretizaram-se num acesso facilitado aos coordenadores provinciais do PAAE. No que refere à dimensão mais micro, o acesso a estes participantes foi-nos possibilitado pela coordenadora de formação ou diretora pedagógica da Construtora que possibilitou a entrevista com duas alfabetizadoras distintas da sua instituição. Nesta

Dimensão

de Análise Código: Função Sexo Idade Habilitações Profissão

Anos de experiência macro Diretor Departamento Nacional de EA M 33 Licenciado (Linguística Africana) Chefe de Departamento 13 meso Coordenador Provincial (Benguela) M 39 Licenciado (Ciências de Educação) Coordenador do PAAE 20 (6 anos de coordenação) Coordenador Provincial (Lubango) M 55 Mestrado (História da Educação) Coordenador do PAAE 36 (6 anos de coordenação) Coordenador de Formação da Construtora F 31 Licenciado (Sociologia) Coordenador de Formação 3 Micro Alfabetizadora do

PAAE F 22 13ª Classe Alfabetizadora 4

Alfabetizadora do PAAE F 36 13ª Classe Professor de História e Geografia 8

altura, foi recolhida informação, através de um inquérito por questionário a vinte e sete alfabetizandos, que originou a escrita de um artigo publicado em 2014 (Anexo1), cujo objetivo era o de perceber o impacto que esta atividade conseguia, quer a nível interno como externo dos alfabetizandos.

Procedeu-se a uma pesquisa exploratória e descritiva (Vergara, 1988). Exploratória porque optou-se por não procurar informações cientificamente produzidas, nomeadamente categorias, que atendessem às necessidades do estudo em causa, preferindo identificar dimensões e categorias de forma endógena. Descritiva porque o objetivo é conhecer e descrever a perceção que os atores governamentais têm do PAAE, do seu funcionamento, assim como, sobre o impacto que este tem nos alfabetizandos. Portanto, os instrumentos de recolha de dados basearam-se, essencialmente, nas entrevistas semiestruturadas em profundidade e na análise documental.

c) Tratamento e análise de dados

Com o tratamento e análise dos dados, pretende-se estruturar “um conjunto de informações que vai permitir tirar conclusões e tomar decisões” (Miles & Huberman, 1984, p.24), nomeadamente, conhecer melhor o caso e que dimensões e categorias poderão emergir de um primeiro contacto com informação sobre o caso. A natureza qualitativa desta investigação obriga à técnica de análise de conteúdo111 (Bardin, 2009)

enquanto esforço de interpretação. Assim, num procedimento exploratório em “que «o quadro de análise não está determinado» e em que «se parte de uma colocação em evidência das propriedades dos textos»” (Bardin, 2009, p.125), o objetivo é de analisar a informação das entrevistas e de forma dedutiva, registar diferentes dimensões e categorias que possam contribuir para uma maior compreensão do caso.

A análise de conteúdo ou a análise dos dados é vista e compreendida por três etapas básicas (Triviños, 1987; Bardin, 2009): (1) pré-análise, a (2) descrição analítica e a (3) interpretação referencial. A fase da pré-análise consistiu na organização do material, ou seja, tudo o que foi utilizado para a coleta de dados - 3 entrevistas a membros do governo, a coordenadora de formação e as alfabetizadoras bem como outros materiais que viessem

111 Análise de conteúdo como sendo “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter

por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens” (Bardin, 2009, p.44).

a contribuir para um melhor entendimento do caso, como o artigo sobre os alfabetizandos do PAAE. Desta forma, fixou-se o corpus da investigação, que seria a especificação do campo onde a investigadora veio a centrar a sua atenção. De sublinhar que o referido artigo sobre os alfabetizandos teve por base o preenchimento de vinte e sete questionários a alfabetizandos, colaboradores de uma empresa parceira do governo realizados nesta mesma visita de campo. Ao considerá-lo neste momento de análise, pretende-se que a sua interpretação possa contribuir para a identificação de novas dimensões e categorias sobre o caso e/ou que, simplesmente, possa reforçar as categorias encontradas através da análise das entrevistas.

Com algum conhecimento do terreno, após a leitura de estudos realizados por outros autores a respeito desta temática e alguma sensibilidade, por parte da investigadora, para selecionar o que é pertinente ou não nos dados, antes de analisar as entrevistas e o artigo, procedeu-se à classificação e enumeração dos mesmos.

As entrevistas foram nomeadas como Entrevistas Preliminares (Ep) e classificadas de A a D (EpA- diretor departamento nacional de educação de adultos; EpB e EpC – coordenadores provinciais do PAAE; EpD – coordenadora de formação da construtora; EpE e EpF – alfabetizadoras do programa). Por sua vez, o artigo que evidencia o impacto que o PAAE tem tido na vida dos alfabetizandos classificou-se por Art.a. A redução de dados foi realizada com base num sistema de codificação que se resume no Quadro 6.

Quadro 6 – Codificação dos dados do estudo exploratório

Fonte de dados Código

Entrevistas

Exemplo: EpB (123-124)

Este código significa que se trata de informação/dados retirados da Entrevista preliminar B (realizada com um coordenador provincial do PAAE) e que se transcreve no texto integral apresentando-se na linha 123 e 124.

Artigo Exemplo: Art.a1 Este código significa que se trata da primeira referência da informação retirada do artigo escrito por Mendes (2014, p.84), referência bibliográfica em nota de rodapé.

Foi realizada uma leitura flutuante (Bardin, 2009) de todas as entrevistas e só depois do artigo, deixando emergir impressões e orientações, com o intuito de obter uma ideia global de conteúdo e de conhecer os aspetos mais relevantes. O corpus do presente estudo respeitou a regra da homogeneidade, uma vez que as entrevistas se referiram todas ao mesmo tema, obtidas por técnicas idênticas, orientadas pelos mesmos objetivos, mas com questões diferentes como se poderá consultar no Anexo 2, Anexo 3 e Anexo 4. Na fase seguinte realizou-se a eliminação dos segmentos do texto que não apresentavam pertinência alguma para a investigação. Após o posterior arranjo das unidades de sentido,

de forma a tornar clara a sua leitura, acrescentaram-se palavras de ligação ou de contexto entre parênteses reto.

Na etapa da descrição analítica aprofundou-se o corpus do estudo, que consistiu na procura de ideias coincidentes ou divergentes nos textos sínteses. Simultaneamente à recolha de dados, o investigador foi procurando, por tentativas, identificar temas e relações, construindo interpretações e gerando novas questões e/ou aperfeiçoando as anteriores, o que por sua vez, o levou a buscar novos dados, complementares ou mais específicos, que testassem suas interpretações, num processo de ‘sintonia fina’ que vai até a análise final (Alves-Mazzoti & Gewandsznajder, 2004).

Na última fase do procedimento da análise de conteúdo, Interpretação Referencial ou Inferência os dados em bruto foram tratados de forma a tomar significado, foi a fase da análise propriamente dita. Foi nesta fase que se interpretaram os resultados da descrição e se propuseram “inferências e (…) [adiantaram] interpretações a propósito dos objectivos previstos” (Bardin, 2009, p.127).

A análise de conteúdo compreendeu determinadas fases que se tentaram seguir de forma sistematizada, realizando um percurso de transformação, à luz de determinadas regras precisas, dos dados em bruto do texto (resultados da entrevista e leitura do artigo). Os critérios a serem seguidos foram semânticos, ou seja, pretendia-se encontrar categorias em que a unidade de registo era um referente, ou seja, “temas-eixo, em redor dos quais o discurso se organiza” (Bardin, 2009, p.132). Neste caso sistematicamente, foi-se recortando o texto em função destes temas-eixo, agrupando-se à sua volta tudo o que o locutor refere a seu respeito. Através de uma segunda leitura flutuante do corpus foram sendo identificadas ideias comuns, registadas segundo duas fases de análise propriamente dita, um (1) inventário, onde se foram isolando os elementos temáticos e de seguida (2) classificaram-se, procurando impor uma certa organização às mensagens. Considerando que o sistema de categorias não foi fornecido a priori, mas resultou da classificação analógica e progressiva dos elementos, um procedimento por acervo, o título conceptual de cada categoria somente foi definido no final da operação.

De forma a obter categorias consistentes, consideraram-se algumas qualidades (Bardin, 2009), como (1) exclusão mútua, pois cada elemento não poderia existir em mais de uma divisão (2) a homogeneidade, pois um único princípio de classificação deveria governar a sua organização; (3) a pertinência, pois uma categoria era considerada pertinente quando

está adaptada ao material de análise escolhido, estas devem refletir as intenções da investigação; (4) a objetividade e fidelidade, pois todo o material foi analisado pelo mesmo investigador e codificado de uma mesma maneira; (5) tentou-se conseguir a produtividade, com qualidade pragmática, pois pretendia-se um conjunto de categorias que fornecesse resultados férteis e/ou hipóteses novas.

Foi realizada uma procura sistemática com base em questões efetuadas aos dados em quatro momentos que permitissem estruturar um sistema de temas e subtemas emergentes dos discursos dos sujeitos participantes, tais como:

(A) Visão política da pobreza, da sua minimização e do papel da alfabetização no desenvolvimento angolano.

(A1) Como é que os entrevistados entendem a situação atual da pobreza e sua minimização? (A2) Qual a visão política do papel do alfabetismo no desenvolvimento?

(A3) Quais os desafios do contexto social angolano no âmbito da alfabetização?

(B) A perceção da importância da alfabetização para o cidadão

(B1) Que limitações sociais tem o cidadão por não ser alfabetizado, segundo os entrevistados?

(B2) Quem são os alfabetizandos e vantagens/desvantagens de ser ou não ser alfabetizados que os entrevistados destacam?

(C) O conhecimento sobre o PAAE e os resultados que as parcerias proporcionam

(C1) Que itens da estratégia organizacional é que os entrevistados evidenciam?

(C2) Quem são os parceiros, o que são as parcerias e que vantagens é que estes acabam por ter com estes arranjos organizacionais?

(D) Características de uma prática de cooperação

(D1) Como se caracteriza a postura das partes envolvidas? (D2) Que pensamento, filosofia de ação e respetiva interligação?

2.4.3. Terceiro momento: levantamento de narrativas episódicas sobre o acesso à