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8.4. As Danças Sagradas

8.4.2. Descrição coreográfica da temática

Essa parte é mais uma síntese do movimento e não dá conta da dança de transe. Serve, no entanto, para fixar um pouco mais o movimento.

Descrição desenvolvida separando-se o movimento em unidades chamadas de tema:

Tema 1: consciência do corpo, ou seja, o conhecimento das articulações, que se movimentam e

das partes do corpo:

• postura corporal = Oiá: linha ereta; Oxum e Iemanjá: linha redonda;

• cabeça = Oiá: posicionada para os lados, mostrando o perfil para a direita e para a esquerda; Oxum e Iemanjá: para frente, mostrando todo o rosto;

• expressões faciais = Oiá: musculatura facial tensa, exibindo pequenos movimentos faciais sutis, projeção dos lábios e olhos cerrados; Oxum e Iemanjá: facial suave, às vezes com um sorriso. Iemanjá chora;

• ombros = Oiá: movimentos contínuos dos ombros, acompanhados pelo leve levantamento dos braços; Oxum e Iemanjá: contínuos dos ombros, mas leve e rotatório;

• braços = Oiá: posicionados para a frente; Oxum e Iemanjá: posicionados de lado;

• pés = Oiá: movimento deslizante. A cada passo, os pés se juntam num contratempo e se separam; Oxum e Iemanjá: movimento deslizante. Os passos são feitos lateralmente;

• pernas = Oiá, Oxum e Iemanjá: conduzem o movimento dos pés para o tronco, com os joelhos flexionados;

• quadris = Oiá e Oxum: movimento para trás, com a projeção do busto para frente, para Oxum, o movimento é mais suave e para iemanjá, é apenas um acompanhamento.

Tema 2: consciência do peso e do tempo, isto é, a entrega do corpo às forças de gravidade:

• força = Oiá, Oxum e Iemanjá: forte; • peso157

= Oiá e Oxum: leve; Iemanjá: pesado; • tempo = Oiá, Oxum e Iemanjá: de percussão.

Tema 3: consciência do espaço, quer dizer, o conhecimento do local que o corpo ocupa e as

direções que ele alcança no espaço:

• Oiá, Oxum e Iemanjá: rodam sobre o próprio eixo e fora dele; • direção = Oiá, Oxum e Iemanjá: sentido circular anti-horário;

• Oiá: uso de diagonais acentuadas e de retas abertas; Oxum e Iemanjá: uso de círculo e caminhadas em círculo.

Tema 3.1: pontos referenciais de deslocamento no espaço circundante:

• Oiá, Oxum e Iemanjá: porta de acesso principal — Exu do portal e os ancestrais —; Oiá sai fora da porta;

• Oiá, Oxum e Iemanjá: orquestra (os atabaques), o agogô e a cabaça forrada com contas; • Oiá, Oxum e Iemanjá: cadeira da Ialorixá;

• nenhuma: centro do barracão, onde está enterrado o axé da casa, somente durante as rodas; • Oiá, Oxum e Iemanjá: os ogãs e o público;

• Oiá, Oxum e Iemanjá: pessoas com cargos especiais, como os Obá de Xangô.

Tema 4: consciência do fluxo do peso corporal, ou seja, o conhecimento da fluidez do

movimento no tempo e no espaço:

• no tempo = Oiá: velocidade rápida e de percussão; Oxum e Iemanjá: velocidade rápida e lenta;

• no espaço = Oiá: caminhos retos com linhas fazendo ziguezague; Oxum e Iemanjá: caminhos em andamento circular com círculos.

Tema 5: relacionamento com os outros orixás, isto é, a postura que se deve tomar perante os

demais orixás:

• Oiá, Oxum e Iemanjá: organização hierarquicamente estabelecida, relação com os orixás com os quais têm uma ligação mítica.

Tema 6: uso instrumental dos membros do corpo, ou seja, o conhecimento do uso de uma parte

corporal como instrumento:

• Mãos = Oiá: esquerda e direita como segurando a frente de sua saia; Oxum: sempre um pouco fechada; Iemanjá: aberta como acompanhando;

• Pés = Oiá: sempre um pouco atrás do centro de gravidade e como se fizesse base pelo corpo que vai abrindo-se para o céu; Oxum e Iemanjá: um pouco atrás do centro de gravidade, fazendo, porém, base para a abertura da parte do busto do corpo;

• ombros e braços = Oiá: dirigidos para a frente; Oxum e Iemanjá: direcionados para o lado; • tronco = Oiá: postura ereta; Oxum e Iemanjá: postura curvada.

Tema 7: consciência de ações isoladas, quer dizer, o conhecimento da tomada de decisões diante

de certas posições completas:

• movimentos = Oiá: fortes, com grande tensão, precisão, determinação e força física; Oxum: movimentos leves, com relaxamento, precisão, determinação, deixando fluir; Iemanjá: movimentos doces com tensão, precisão, determinação, deixando fluir;

• acentuação do ritmo = Oiá: no contratempo; Oxum e Iemanjá: acentuação na base do ritmo.

Tema 8: desenho do movimento, quer dizer, a forma do movimento e as direções a partir da

esfera do movimento:

• deslocamento do corpo = Oiá: frontal, para trás e com diagonais laterais, ocupando todo o espaço; Oxum e Iemanjá: circular e em círculo, ocupando todo o espaço;

• direção dos pés = Oiá: frontal, com pequenos recuos laterais; Oxum e Iemanjá: laterais e para frente;

• cotovelos e braços = Oiá: frontais; Oxum e Iemanjá: laterais;

• cabeça = Oiá, Oxum e Iemanjá: acompanha o movimento do corpo inteiro.

Tema 9: combinações das ações básicas de esforço, ou seja, a junção das ações no movimento

(como: socar, talhar, sacudir, torcer, deslizar, flutuar): • Oiá:

1. Afastar (empurrar) - braços; 2. Deslizar (flutuar) - pés;

3 Empurrar (limpar o caminho) - braços; 4. Cortar o ar (abrir novos caminhos) - mãos. • Oxum e Iemanjá:

2. Deslizar (flutuar) — pés

Tema 10: orientação no espaço, isto é, a direção definida do movimento no espaço:

- orientação = Oiá, Oxum e Iemanjá: circular, em sentido anti-horário. Ela ocupa o espaço total da área do barracão.

Tema 11: desenho do movimento, quer dizer, a forma geral definida e total do corpo em

- Oiá: como se fosse um redemoinho ou como um furacão; Oxum: semelhante a uma onda do rio; Iemanjá: como uma onda do mar.

Tema 12: elevação do solo, ou seja o contato dos pés com o chão:

- Oiá, Oxum e Iemanjá: presente em várias danças.

Tema 13: bênçãos e agradecimentos, entendendo-se a gestualidade corporal para expressar o ato

de abençoar e de agradecer:

- Oiá, Oxum e Iemanjá: cabeça baixa e deslocamentos com passadas laterais de frente e próximas aos assistentes. O deslocamento, às vezes, passa a ser através de giros e o

movimento alcança uma expansão total, com os braços abertos, na seguinte posição: as mãos transferem o impulso para o centro do peito e, após a concentração que caracteriza um novo relaxamento, reinicia-se o movimento circular do corpo todo no momento em que os orixás saúdam.

Tema 14: formações grupais (o grupo de dançarinos juntos):

- Oiá, Oxum e Iemanjá: em fila e se locomovendo, seguem uma direção circular em volta de um eixo central. O corpo posiciona-se em relação ao eixo, ora em forma lateral, ora em forma frontal.

Tema 15: qualidades expressivas, isto é, os sentimentos que os orixás transmitem:

- Oiá: orixá guerreira e de rua, ela anda sempre, não pára; Oxum: orixá do amor e da leveza, ela anda com suavidade; Iemanjá: orixá da maternidade e da orientação, caminha continuamente, mas com calma;

- Oiá: característica marcante de ser livre, de sexualidade, de guerreira e de mulher-animal (búfalo); Oxum: característica marcante da sedução, do amor, de se acomodar e de desaparecer, pois é uma sereia; Iemanjá: característica marcante da maternidade, da ponderação, de ser ordenadora e de ser um peixe, ela também costuma desaparecer;

- Oiá: dança como um sopro de vento que abrange tudo e depois vai embora; Oxum: dança como uma onda do rio que desliza e some; Iemanjá: dança como onda do mar. Surge na terceira onda e depois mergulha nas profundezas;

- Oiá: representação da mulher independente, impaciente, às vezes arrogante, outras, generosa; Oxum: representa a mulher sedutora, fascinante, maternal, que quer ser ajudada; Iemanjá: representa a mulher adulta, segura, fascinante, mas ao ponto certo; ela já é a mãe de todos, não precisa de mais nada; carrega os sofrimentos de todos.

Através das entrevistas com as filhas-de-santo e da observação dos rituais, concluí que nas danças de todos os orixás há um padrão que aponta para as seguintes equivalências:

- um grande contraste entre concentração e expansão, ligados à respiração e à qualidade da energia que está se manifestando na matéria da filha-de-santo;

- incorporação de valores da estrutura espacial externa que são o reflexo de uma estrutura espacial interna, relativa ao orixá dono da cabeça;

- importância da circularidade.

Há as mesmas coreografias para todas as qualidades de orixá, mas cada um deles é criativo, pois deve manifestar a sua composição espiritual, que seria a sua "qualidade" particular. Por exemplo, ser um orixá velho ou jovem, ser um orixá com um juntó diferente dos outros etc.

Conforme Bastide (1976: 115), apesar de serem danças padronizadas há uma espontaneidade nos movimentos e nas energias, quer dizer que a repetição dos gestos não impede uma imaginação criadora.