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O caminho à iniciação: o corpo muda de forma

Uma vez que o processo de aproximação do orixá começa a se desenvolver, toda uma série de sensações corporais ocupa um espaço maior na vida cotidiana. As filhas-de-santo falam de várias situações que as levam a freqüentar com mais intensidade o terreiro, como se algo as chamasse a participar da vida da comunidade.

Josenilda, filha de Oiá, nos conta sobre uma série de doenças e um grande desespero de de motivo econômico:

"Olhe, eu sempre trabalhei, trabalhei pra caramba! Eu e meu marido. Aquela vida do interior, a gente levantava cedo, a gente começa cedo a trabalhar no interior, e era o dia todo. Depois começou o negócio da chuva, não chovia mesmo. Aí a gente perdeu um montão de animais e também era tudo tão difícil, sabe?, não agüentei mais, sabe?. Era aquele aperto no coração, às vezes não conseguia respirar. Aí eu vi pra cá, me deram um banho, e logo, logo aquele alívio. Até ando melhor, nem dor na coluna tenho mais!"

Simone, filha de Iemanjá:

"Não sei nem como explicar! Começou aquele sofrimento, aquela depressão; às vezes sentia algo de cima que descia sobre mim e eu não conseguia quase respirar, era algo que me parava, não conseguia trabalhar, estudar. Ficava aí, parada por horas, e tudo me incomodava. Parecia que tinha alguém dentro de mim que queria gritar. E gritava o desespero que eu tinha!. Mas os outros não entendiam; eles achavam que eu estava estressada, que estava maluca, me olhavam como se eu fosse exagerada. Que nada! Estava mal e pronto. Me pegou uma depressão muito grande e o fato de estar sozinha não me ajudou!

Aí comecei a me aproximar do terreiro: tomava os meus banhos, fazia meu ossé93. Comecei a tentar me ligar mais com o meu orixá. Mas tinha momentos que não podia me mexer, era como se só as coisas negativas entrassem dentro de mim. E aí ia perto de coisa de orixá e vinha aquele alívio. Um dia em que estava mal, fui na casa de Iemanjá (no Rio Vermelho) e quando entrei chegou aquela onda e logo, logo se soltou, aquele aperto que tinha no coração, se abriu e me senti melhor e aquela noite consegui dormir. Eu fiz um montão de coisas, fui num especialista, um psiquiatria e ele confirmou que eu não era maluca. Fui numa massagista, ela me ajudou muito. Não tinha mais tonicidade nos músculos, era toda mole; ela me disse que quando uma pessoa está muito estressada, os músculos não tem mais tonicidade. Mas, aos poucos, tomando os meus banhos, começando a ouvir as mensagens dos orixás, consegui me recuperar.

Mas muitas vezes me aconteceu de sentir uma estranha agitação, quase taquicardia, e, perto de algo ligado à religião, acontecer que algo me circundasse e me tranqüilizasse, depois, era só dormir."

Josenilda fala sobre a ajuda recebida com os banhos de folhas:

"Eu estava tão mal antes da iniciação que não sei como consegui chegar até aqui. Olhe, a mãe-de-santo, depois do jogo, me deu logo um banho de folha, que a minha irmã fez pra mim, e logo senti aquele alívio, você sabe, aquele alívio. Uma coisa boa e fresca descia da cabeça até os pés.

Depois começaram os ebós e o alívio foi sempre mais forte e me sentia leve, como se tivesse feito um banho de horas. Até o corpo muda! Agora me sinto solta, meu marido me disse que pareço maior… me parece impossível!"

Simone também relata uma mudança corporal:

"Depois de toda essa época, começou uma alegria de viver, como se por baixo das dificuldades tivesse algo que indicava uma continuação nas coisas. Por exemplo: um dia que estava trabalhando me deu uma vontade de ir no terreiro. Era a primeira quarta- feira do mês, assim, o amalá era ainda mais bonito. Bom, cheguei aqui e percebi aquela energia gostosa de Xangô e sentia no peito como um sopro que me fez levantar; e até os ombros se abriram como se fossem maiores na altura e na largura.

E quando fui pra frente do peji de Xangô me pareceu que ele me sorria. Achei que eu estava completamente maluca, mas a energia dele me levantou. Até as pessoas me disseram que eu estava mais alta."

Almira, filha de Oiá:

"Ah minha filha, depois de ser iniciada comecei de novo os meus afazeres. Estava tão solta, tão leve, andava resolvia coisas, só você vendo. A minha cabeça estava leve, engordei um pouco, mas me sentia cheia, não sentia mais aquele vazio. Sabe, a gente se sente bem, com aquela confiança, até no corpo me sentia mais imponente. Você viu aquele rapaz de Oxóssi, depois de ser iniciado, tem uma outra postura, engordou; não sei, parece mais homem"

Josenilda, filha de Oiá também nos fala de uma outra relação com o corpo:

"Ah, já com os banhos de folhas eu me sentia bem melhor, aqui, o peito se abria, aquela sensação horrível de aperto sumia, aquela sensação de perda sumia, me sentia como circundada por uma bola branca e, olhe, ando bem, antes não podia mais andar.

É assim: as pessoas mudam depois da iniciação. Dizem que as pessoas de Iemanjá antes de ser iniciada viram com uma cabeçona. Eu também percebi isso com uma, aquela iaô nova. Sim, parecia que ela Tinha uma cabeçona, será pela água que tem dentro. Mas quem sabe os caminhos dos orixás? Depois mudou tudo, agora é normal."

Simone, filha de Iemanjá também:

"Olhe, a primeira vez que o orixá se manifestou firme, foi muito assustador, foi muito forte, eu fiquei muito fora do ar, fiquei muito perdida, como se algo tivesse quebrado dentro, nem sabia se os pés ´tavam no chão, mas, depois dos rituais, que sensação boa! Uma calma, uma tranqüilidade tão grande. Não sei se é a minha cabeça, mas sinto que o meu peito abriu-se, me sinto mais larga e mais alta. Até os ombros se afastaram. O meu rosto mudou, eu sinto uma expressão diferente no meu rosto, mais larga.

E, olhe, não me interessa muito se engordo ou emagreço, eu sou como eu sou. Boto saia curta, saia longa, e aí me mando. Sinto os pés mais no chão, sinto uma ligação com a

terra. Também, quer saber uma coisa? Quando fico nervosa ou ansiosa sinto algo que me pára, como se alguém dentro de mim dissesse ' deixa para lá, vai tranqüila! Não se ligue nisto!'

Até meu corpo mudou bastante, como se as costas tivessem aumentado. Me sinto mais redonda, às vezes abraçaria todo mundo.

As vezes estou angustiada, estou triste, não quero nada… aí ela vem e me alivia. É algo de doce, começa leve e depois deixa a gente mais tranqüila, mais aliviada."

Na comunidade comenta-se muito se a última chegada é desse ou daquele orixá. As velhas

ebômis percebem alguma coisa do lado espiritual das pessoas até mesmo através do andar, da

pele, do jeito. Fazem comentários sobre o juntó94 e sobre o jeito das pessoas. Contam-se muitas histórias, por exemplo, que as filhas de Iemanjá têm a cabeça grande porque antes da iniciação ela se enche d'água, ou que as filhas de Oiá são magras, esbeltas e muito ativas.

Normalmente, após a iniciação, as filhas-de-santo falam de alguma mudança referente à percepção das coisas e ao corpo, inclusive a postura. Josenilda, filha de Oiá, nos fala de um alívio maior e de uma nova tranqüilidade e afirma que tornou-se mais magra e que caminha mais rapidamente, enquanto a postura dos ombros ficou mais ereta, e que a expressão do rosto parecia mais madura, mais firme.

Almira, filha de Oiá nos diz da leveza e do caminhar mais veloz. Relata uma mudança no corpo ocorrida, segundo ela, depois da iniciação. Diz que o corpo ficou mais esbelto e leve, e que também a luz dos olhos mudou.

Simone, filha de Iemanjá notou uma mudança na parte superior de seu corpo, que lhe parece mais larga; e desenvolveu uma auto-aceitação que a deixa mais confiante em si mesma. O rosto adquiriu uma expressão mais aberta, os olhos parecem maiores e mais lúcidos; e seu andar é mais seguro e imponente do que antes.