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Todo o candomblé é acompanhado por ritmos e cantigas que têm uma terminologia apropriada, que não é ensinada sistematicamente nem transmitida às filhas-de-santo, mas sim apreendida — como tudo no candomblé — ao longo da convivência no terreiro e por aqueles que manifestam interesse. Lühning (1990) elaborou uma catalogação das cantigas e dos toques e, conforme minha pesquisa, posso confirmar, por exemplo, que algumas vezes, as danças têm a mesma nomenclatura. Desse modo, no ritual público temos:

— Cantigas de xirê, que são aquelas entoadas durante o xirê, a primeira parte do ritual. Existe um

repertório relativamente fixo de cantos que são executados em estado consciente, porque os orixás se manifestam apenas no final da seqüência com um toque especial, próprio de cada terreiro;

— Cantigas de rum são aquelas cantadas na segunda parte do ritual, quando as divindades já

estão manifestadas. Cada orixá tem seu repertório. Esse termo significa que "nessa cantiga o rum

125 Nas outras nações, como a angola, são tocados com as mãos e a pele é retesada de maneira diferente. 126 Existe uma descrição de Herskovits (1937) sobre os tambores e o batismo deles no Haiti.

executa o papel principal", pois é ele que, em grande medida, orienta e fixa os passos dos orixás. Conforme um informante: " primeiro pega o passo, depois começam os braços".

Esses cantos falam das relações míticas dos orixás e dos fundamentos, por isso são chamadas também de cantigas de "fundamento". Vejamos algumas de suas particularidades:

— Primeira de dar rum: é a primeira a ser entoada e representa um papel especial: o de anunciar

ao público a manifestação do orixá. As palavras são diferentes para cada divindade; já as danças parecem ser mais similares, mas há algumas diferenças especiais ligadas ao tipo de energia da natureza do orixá. Ela introduz a segunda cantiga que se chama "dar rum ao orixá", que poderia ser traduzido como colocar o rum à disposição do orixá ou na cabeça dele;

— Cantigas de maaló127 : são as que se cantam por último (por três vezes), na hora da despedida do orixá;

— Cantigas de fundamento que seriam as cantigas que obrigam o santo a vir, elas têm uma forte

influência sobre quase todas as filhas-de-santo e provocam a manifestação dos orixás. Há também ritmos que têm o mesmo poder. Essas cantigas são encontradas durante o período de exploração musical que se dá na feitura e conserva seu efeito sobre a iniciada para o resto de sua vida. Uma mãe-de-santo, para destacar o poder delas, certa vez me disse: "e agora quem tem

cabeça se segure!";

— Toques de fundamento, que variam de casa para casa segundo o orixá que é dono do terreiro.

No Axé Opô Afonjá, terreiro consagrado a Xangô, o toque de fundamento mais importante é o

alujá, enquanto no Gantois, terreiro consagrado a Oxóssi, o toque principal é o aguerê.

Além dessas, mais estritamente ligadas ao ritual público, há um grande repertório de cantigas que são utilizadas em momentos diferentes, a saber:

— Cantigas de bori, entoadas durante o bori. Falam do ori, a cabeça;

— Cantigas de matança, que acompanham o sacrifício e falam sobre o que acontece e sobre o

tempero a ser utilizado;

— Cantigas do padê128, essas falam de Exu e de suas oferendas, das Iá Mi Oxorongá, dos

ancestrais e, sobretudo, dos essa, os velhos que participaram diretamente da fundação dos primeiros terreiros da nação queto;

— Cantigas de folha, que falam dos tipos diferentes de folhas utilizadas. São entoadas em alguns

dias especiais da iniciação;

— Cantigas de Iaô, que são executadas no barracão na hora da saída das iaôs e são de grande

fundamento;

— As Rezas, que são cantadas antes da festa do orixá na sua casa ou no ossé, às vezes têm um

tom quase de choro ou lamento e são entoadas em posição agachada, como expressão de respeito aos ancestrais;

— Cantigas de axexê, que são executadas ao longo dos ritos fúnebres.

Há, ainda, outras cantigas que exercem uma função dentro do ritual como a de entrada, de comida ou nas procissões, como nas festas de Oxalá, Oxum, Iamassê, ou no ipeté. Há também as de sotaque, que fazem alusões às pessoas presentes e eram muito usuais antigamente. Agora são utilizadas algumas palavras poucas vezes,129.

Um repertório específico é aquele das rodas, que são entoadas somente para alguns orixás: Xangô, Obá, Oxalá, Oxóssi. São seqüenciais, fixas de três até doze cantigas, entoadas nas grandes festas. Os fiéis ficam voltados todos para o centro do barracão e as coreografias são bastante diferentes.

Nem todas as cantigas são dançadas, mas aquelas como a de folhas ou a das rezas mostram uma atitude postural específica ou alguma gestualidade particular. Há também um estilo de canto, como me explicaram. As cantigas, em função do ritual, podem ser "esticadas", sendo as palavras pronunciadas numa espécie de virtuosismo toda "coladinha".

Cada orixá tem um ritmo próprio, especial e particular, que o caracteriza e o individualiza, ou seja, não simplesmente uma música que descreve a personalidade do orixá, mas que cria a energia da divindade, pois faz parte de um ritual cuja finalidade é chamar o orixá. Além dos ritmos, há também, para cada orixá, um repertório de cantos próprios. Geralmente os ritmos corridos, mais rápidos, são característicos das divindades jovens ou guerreiras (como Oiá-Iansã ou Ogum), enquanto os orixá velhos (como Oxalá ou Nanã) são manifestados num ritmo mais lento e tranqüilo.

O ritmo-identidade de Xangô é o alujá, forte e corrido. Mas toca-se também o batá, que indica nobreza. Iemanjá possui o jincá, que significa "ombros" e indica danças reais e que estimulam respeito, são de caráter muito lento. Já o ijexá, que representa Oxum, é alegre e festeiro. O ilu130, o quebra-pratos, é o ritmo específico de Oiá, é rápido e agressivo como a

deusa. O compassado e altivo aguerê é de Oxóssi, enquanto Oxalá é manifestado pelo ibi, lento e pesado. O sató é de Nana, o savalu de Oxumarê, o opanijé de Omulu. Essas três últimas divindades, que são do grupo jeje, possuem ritmos de caráter lento e pesado, como se algo os estivesse atirando para o chão.

Há, ainda, alguns ritmos que são de todos os orixás e que cumprem funções especificas no ritual. De acordo com as entrevistas, parece que alguns ritmos são utilizados para ligar os orixás que têm uma relação mitológica entre si. O vassi, por exemplo, é utilizado para chamar as divindades e é a base das cantigas de vários orixás que se diferenciam conforme sua particular marcação no rum, diferente para cada orixá: Ogum, Nanã, Oxum, Oxóssi, Oxumarê, Obá, Euá, Obá, Oxalá. Porém, de acordo com as características dos orixás, muda-se o canto, tornando-o mais corrido ou mais lento.

O ijexá, apesar de ser um toque de Oxum, é também o de Logum Edé, filho de Oxóssi e Oxum, e é utilizado também para Oiá, Ossaim, Ogum e para o velho Oxalá, Oxalufã.

129 Existe porém uma maneira de falar típica do candomblé de difícil compreensão pra quem é de fora. 130 No Gantois é chamado de darô.

O adarrum ou giramundo, ligado a nação jeje — e assim chamado porque "todo mundo fica atordoado" —, não é tocado no Axé Opô Afonjá, mas encontra-se no terreiro de Oxumarê e no do Cobre.

O batá também é tocado para Xangô, Nanã, Oxum, Oxalá, Odudua. Por exemplo, ao longo de um ritual pode acontecer de um mesmo ritmo ser "encarreirado", isto é, ligeiro, no sentido em que a percussão se torna mais rápida, dobra, aumenta a sua intensidade, e a velocidade do toque passa a depender do orixá.

Na festa da Casa Branca, em homenagem a Oiá, observei que Iemanjá estava dançando na frente de Xangô e, de repente, ele — que a estava acompanhando — passou à sua frente, e o ritmo mudou ligeiramente de intensidade, porque, conforme um informante, não houve mudança de velocidade no tempo, no ritmo ou no som, mas uma intensificação da parte rítmica que é dirigida pelo tocador.