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134 DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

134 DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

Monjas de La Encarnación

Rua dos mercadores

La Encarnación, a mais famosa casa de Lima, onde há mais de quatro- centas mulheres, as mais delas monjas professas, e onde estão recolhidas muitas filhas de senhores ricos, que ali as deixam para que aprendam bons costumes e dali as tiram para casar. Têm todas, monjas e leigas, escravas negras que as servem. Há neste convento lindas e discretas mulheres, dotadas de mil graças. Fazem conservas e colações de tantos modos e tão boas, que não se pode imaginar coisa de maior regalo. Têm um amplo e regalado horto, e o mosteiro e o seu horto ocupam duas quadras de comprido e uma de largura. Qualquer monja que, em Lima, queira entrar num convento custa-lhe só a entrada, com coisas de que há mister para tomar o hábito, seis mil pesos; e monja que queira ter cela apartada e uma negra que a sirva e cem pesos de renda, custa-lhe tudo doze mil pesos; e a outras custa-lhes mais, conforme as suas riquezas. Porém, sempre lhes falta o melhor. Deixando este convento, chega-se ao mosteiro de frades recolhidos dominicanos, e passa ao campo e por

chácaras e ao caminho das planícies.

Outra rua sai pela rua mais principal, que é a rua dos mercadores, onde há sempre, pelo menos, quarenta lojas cheias de mercadorias diver- sas, de quanta riqueza tem o mundo. Aqui tem lugar todo o principal negócio do Peru, porque há mercadores em Lima que têm, de fazenda, um milhão, e muitos quinhentos mil pesos, duzentos e, muitíssimos, cem. E destes mais opulentos, poucos têm lojas. Enviam seus dinheiros a inves- tir a Espanha, ao México e a outras partes, e alguns há que têm negócio na grande China77. Muitos mercadores têm renda. Aqui fiam as merca-

dorias, pelo menos, por um ano, e, se são mercadorias grandes, fiam-nas por um ano, dois ou três, e por seus terços as pagam. O trato de Lima é o mais nobre, bom e sem pesares que se pode no mundo achar, pois que a ordem de vender e comprar é a que há muitos anos instituiu o corso Dom Nicolás, que foi o maior comerciante e o mais abastado que o Peru teve, cujos filhos são marqueses de Santillana, perto de Sevilha78. Este

corso criou uma taxa ensaiada de quantas mercadorias se lavram e se

77 A prata do Peru permitiu a aquisição de produtos de origem asiática, em especial

da China, obtidos a partir das Filipinas. Durante os anos em que o autor residiu no Peru, os primeiros três quinquénios do século XVII, estas mercadorias podiam adquirir-se legalmente

através do eixo Acapulco-Manila. Não obstante a oposição do Consulado de Mercaderes

de Sevilla ao estabelecimento de uma rota directa entre o Peru e Manila, tal como refere

Margarita Suárez, o comércio ilegal manteve-se. Mesmo com a proibição do comércio com o México em 1634, continuaram a chegar ao Peru produtos asiáticos.

78 Durante este período há referencia a famílias originárias da Córsega que, aprovei-

tando as carreiras das Índias, fizeram fortuna no Peru. Este Dom Nicolás, embora exista pouca informação, é referido por Fr. Juan Melendez, na obra Tesoros Verdaderos De Las

Yndias, como sendo irmão de um outro rico comerciante, Juan Antonio Corzo, também

ele oriundo da mesma ilha. (Desafíos transatlánticos: mercaderes, banqueros y el estado en

el Perú virreinal, 1600-1700, Instituto Francés de Estudios Andinos, Pontificia Universidad

DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA 135 produzem em todo o mundo, e todas se obrigou a dar por aqueles preços, e umas mercadorias pôs muito altas e outras muito baixas, conforme o valor que naquele tempo tinham. E às mercadorias que não houve em seu tempo, e depois se fabricaram e se lhes deu nome, põem os corredores seu preço e taxa. Conserva-se esta taxa até aos dias de hoje, pois a ordem que têm os mercadores para comprar suas mercadorias é tomarem os memoriais das mercadorias que lhes dão os carregadores, para as com- prarem pelos preços que custaram em Espanha ou no México; e depois as vão retaxando, baixando umas mercadorias e subindo outras, con- forme correm e valem na terra. Assim fazem a taxa em corrente, dando a cada género o valor pelo qual se pode vender no tempo em que compram. E, feita79 a conta e a retaxa pelo preço dos pesos ensaiados (por isto se

entende a taxa, que faço também pela conta corrente), são estes os preços por que se podem vender as ditas mercadorias. E, somada uma conta à outra, reduzidas ambas as contas em corrente, depois se vê se se pode ganhar ou perder. As próprias retaxas e contas fazem-nas os senhores que vendem; e, conforme sobe a taxa ou baixa, assim estas mercadorias se compram a tantos por cento, mais ou menos, da taxa. E, depois de ajus- tados os preços, enviam os fardos, como vêm de Espanha, a casa do com- prador, e ali lhe vão entregando tudo por conta e razão. E sempre se tiram proventos quando se compra, pois que se há-de cobrar danos e adições. Danos são as coisas que vão estragadas, podres, molhadas ou manchadas, e adição serem os géneros da mercadoria que se vende de diferente quali- dade, ou declarar-se que são de um mestre sendo de outro, ou dizer que um pano é vintequatreno sendo vintedozeno, ou não terem a marca, e coisas semelhantes, por isto se entende dano e adições. Pois para os acertarem nomeiam de cada parte um terceiro, a quem mostraram tudo o que tem dano ou adição. E estes, que sempre são mercadores de boa consciência, tiram o que lhes parece que é razão, e desconta-se ao valor das mercadorias. E, com isto, nunca se convertem géneros de merca- dorias e escusam-se pleitos e tristezas. Outros compram à taxa corrente e outros um tanto por cento sobre os custos de Castela ou México. E algu- mas vezes compram-se géneros soltos, mas, em sendo memoriais grandes, sortidos, de que há alguns de cem mil pesos, sempre se compram pela taxa. Todos os mercadores são destríssimos no comprar, havendo merca- dores tais que recolhem todos os memoriais que saem à praça a vender e as retaxas todas, em pouco tempo, e por ali escolhem e compram os que melhor lhes parecem. Por isto se pode entender quais são os mercadores de Lima. E, desde o vice-rei até o arcebispo, todos negoceiam e são mer- cadores, ainda que por mão alheia e dissimuladamente. Prosseguindo com esta sexta rua, vai ao mosteiro de La Merced, que é de frades, grande e rico, e passa depois a San Diego, paróquia e hospital de convalescentes,

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