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140 DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

140 DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

Nau que foi a pique Naves que estão no porto Navios Artilharia Galera

seu rei o havia feito almirante. E assim se afundou a nau e se afogaram todos quantos iam nele, que foram quinhentas pessoas. Dom Rodrigo de Mendoza, general de Callao, foi fugindo com a capitânia e uma fragata, e meteu-se no porto de Callao. Toda a Cidade dos Reis se alvoroçou, como se já o inimigo nela entrara e a fora saqueando. Toda a gente acudiu prontamente a Callao a defender a entrada ao inimigo, que em dia da Madalena surgiu no porto com seus cinco navios, diante de Callao. E todos estávamos postos na praia, com as armas nas mãos e que nenhum se mexesse do seu posto, sob pena de morte, esperando que o comedido contrário começasse a disparar a sua artilharia e nos despachasse para o outro mundo. Andou ele tão cortês, que disparou duas peças por alto. Uma bala deu na esquina de San Francisco, derrubando alguns adobes, e a outra passou pelo alto das casas. E, sem fazer mais dano, zarpou as âncoras, içou as velas e foi-se, dizendo que não ia matar nem roubar os vassalos de El-Rei, senão que ia fazer sua viagem para a Índia. E assim se foi, com o que em Lima se fizeram mais festas e alegrias do que se fizeram em Roma quando Pompeu, o Magno, triunfou nas três partidas do mundo e sobre os corsários do mar de Levante82.

Capitânia e almirante estão sempre no porto de Callao. Saem somente quando têm notícia de que há navios de inimigos na costa e quando vão por prata a Arica e a levam ao Panamá, que em ir a Arica e descer ao Panamá passam sete ou oito meses. Sempre há no porto de Callao mais de quarenta navios e fragatas, que andam tratando por toda a costa do Peru, Chile, Terra Firme, Nicarágua e México. Apenas as naus capitânia e almirante têm artilharia de bronze, de que há muita no Peru. Fabrica-se artilharia em Lima, de que era mestre Juan Bernardino de Texeda, que a fazia junto de San Agustín. Tem Callao uma galera que não serve senão de cárcere para malfeitores e para negros, e de onde os levam a trabalhar nas obras de El-Rei. Seguindo a costa, chega-se ao rio de Lima, que está a meia légua de Callao e entra no mar; e depois entra o rio de Carabayllo, dando a costa volta aqui, junto de um outeiro. E há aqui uma pequena enseada, que se chama Llancón, onde os pescadores pescam e têm seus barcos. Está a cinco léguas de Lima. Já tratei desta enseada quando se vem de Chancay e se desce a serra de La Arena e se entra pelos campos de Carabayllo.

82 Batalha naval travada ao largo da vila de Cañete (a sul de Lima) entre a Armada

del Mar del Sur e uma frota comandada pelo holandês Joris van Spilbergen, em 1615. Procurando antecipar-se às notícias que davam conta da aproximação a Lima de navios com a intenção de atacar a cidade, o Marquês de Montes Claros, vice-rei do Peru, deu ordem às suas embarcações para que saíssem do porto de Callao em direcção a sul para aí enfrentar o inimigo. A batalha saldar-se-ia por uma derrota da frota peruana. Após a batalha, acredi- tando nas debilidades do porto do Callao, o comandante holandês fundeou junto ao mesmo e bombardeou a cidade. No entanto, um contra-ataque a partir de terra do exército peruano acabaria por forçar a armada de Joris van Spilbergen a seguir em direcção a Norte.

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Propriedade das gentes do Peru

Dito de Lima e seu porto de Callao tudo o que se pode dizer em geral, direi em particular algumas coisas das gentes dela. A propriedade desta gente de Lima e do Reino do Peru é prezarem-se muito de não darem o braço a torcer a ninguém, mesmo que seja mais rico e poderoso do que eles. São soberbos, jactantes, prezam-se de descender da grande nobreza e de serem fidalgos de solar conhecido. É tanta a sua loucura, que quem em Espanha foi pobre oficial, passando do pólo Árctico ao Antárctico, logo lhe crescem os pensamentos, e cuida que merece, pela sua linhagem, juntar-se com os melhores da terra. E, por esta razão e loucura que em si concebem, dão muitos em perdidos, sem querer sujeitar-se ao trabalho. Outros, que lhes diz melhor a sorte, vêm a alcançar casamentos com que se fazem ricos. E, vendo-se com bens de fortuna, crescem-lhes maiores pensamentos, e tomam-se títulos de cavaleiros. Que eu bem conheci alguns que estavam nesta opinião, e, por émulos e inimigos que tiveram e pelas ocasiões que deram, caíram de seus estados, descobrindo-se serem gente humilde e de pouco valor. E a causa destas coisas é não se quererem conhecer, e, assim, não faltam outros, invejosos de seus bens e honras, que os façam cair pela menor ocasião que lhes dão. E há também pobres soberbos que, se morder não podem, ladram, e sempre andam com a cabeça baixa procurando onde possam fazer presa, nem se querem sujeitar nem há como tratar de razão com eles. A esta gente chamam «soldados», não porque o sejam, mas porque são bem andantes de uns lugares para outros, sempre com os naipes nas mãos, por não perderem ocasião de jogar com quantos topam. E, se acaso topam com algum noviço ou

chapetón83 que não seja hábil e bem disciplinado em sua malícia, ou que

não a perceba, com naipes falsos dão-lhe mates e tiram-lhe o dinheiro e a fazenda, e talvez o deixam a pé, porque até as cavalgaduras lhe ganham. São grandíssimos trapaceiros, cujo cuidado não é outro senão entender na arte de enganar. Anda muita desta gente pelo Peru. São quase todos inimigos da gente rica, e não desejam senão novidades, alterações e alvo- roços no reino, por roubarem e meterem os cotovelos nos bens de que não podem alcançar nenhuma parte senão com guerra e desavenças. É gente que não quer servir. Todos andam bem vestidos, porque nunca lhes falta uma negra ou uma índia ou ainda algumas espanholas (e não das mais pobres) que os vistam e lhes dêem sustento, por que de noite as acompanhem e de dia lhes sirvam de bravos. Aos velhos a quem já, pela idade, faltam as forças e o brio, acomodam-se a servir de escudeiros, e vão com as senhoras à missa e acompanham-nas quando saem a fazer suas visitas. Tem o Peru mais gente vagabunda do que laboriosos e do que trabalhos para eles, pois poucos são os senhores que querem criados em suas casas, pelo que cada dia experimentam em cabeça alheia. E assim

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