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168 DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

168 DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

Nasca

Ica

condensada como névoa. A cidade esteve muitos dias em trevas, e os navios no mar não acertavam a seguir viagem, com a escuridão e névoa que a cinza fazia. Em mais de dez anos, as suas vinhas não deram vinho, e toda a sua quimpa [sic] deu pouco fruto. Em Lima e em todas as planícies ouviam-se os estrondos que o vulcão fazia. Neste tempo, havia saído Dom Beltrán de la Cueva, general de Callao, em busca de um navio de ingleses que entrou pelo estreito de Magalhães, e as gentes de Lima cuidavam que os estrondos que saíam do vulcão eram peças de artilharia que se dispa- ravam no mar contra os ingleses, e são mais de cento e sessenta léguas de Lima a Arequipa. Ao fim tomou-se o navio inglês, que navegou sempre e foi o melhor em seu tempo naquele Mar do Sul, os ingleses foram entre- gues à Inquisição e levados em auto público, alguns com sambenitos. Passando desta cidade a Chequyto [sic], encontra-se o vale de Moquegua, fértil e regalado. Esta cidade tem um bom porto. Situa-se a doze léguas do mar, e ali vão naus carregadas de breu e outras coisas, mercancias e tabaco. Nos lugares onde se colhe vinho faz-se grande soma de cântaros e jarros de barro, que se breiam para neles se deitar o vinho, porque não o deitam em nenhuma outra vasilha. Desta cidade vai-se a Nasca, sempre pela costa do mar, passando-se por alguns lugares de pouca nomeada. Nasca é um vale, onde há muitas vinhas lindas, a quatro léguas situa-se Villa Curi, outro vale. Em ambos se colhem os mais e melhores vinhos que o Peru tem, a que se não avantajam os melhores de Espanha, e apanha-se muita passa boníssima e muitos figos secos. Tem seu porto, a dezoito léguas, que se chama San Nicolás e se acha a setenta léguas de Lima e a vinte e duas de Ica.

A seis léguas desta vila de Valverde de Ica, situa-se o seu porto de mar que se chama Puerto Quemado, onde se embarcam todos os seus vinhos, que são muitos e bons. Esta vila tem um vale, que dela toma o nome de Valverde de Ica. Tem este lindíssimo vale seis léguas e todo está plantado das vinhas mais bem traçadas e melhores de quantas no mundo tenho visto; colhe-se grande abundância de regalado vinho, todo branco. As uvas deste vale, depois de penduradas e guardadas em casa alguns dias, sabem a diversas coisas, umas vezes sabem, ao tacto, a amoras e ginjas, outras vezes a maçãs, marmelos, romãs e coisas semelhantes, isto é verdade infalível, porque o experimentei e ouvi outras pessoas que as comiam tratar desta coisa tão particular. Dão estas vinhas muitas e boas uvas, e cada ano se colhem neste vale quinhentos mil odres de vinho de uma arroba cada um, e faz-se muita passa. Todos os senhores de vinhas têm nelas casas e lagares, têm negros, seus escravos, instrumentos e tudo quanto é necessário para cuidar e cultivar suas vinhas. Colhem-se neste vale todas as frutas nomeadas nesta relação, trigo, milho e todas as mais sementes da terra; há nele grande abundância de peixe fresco, que todos os dias se traz do mar; e carne chega-lhe muita de outras terras. Tem esta vila mui grande trato de mercadores, que em ricas lojas vendem cada ano

DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA 169

Casa de índios

grande soma de mercadorias, porque vive aqui gente galharda e se tratam bem. Tem as mulheres mais formosas de vista e de formas que o Peru tem, como é de lindo e extremado clima, criam-se aqui lindíssimas gentes, o mesmo clima do céu torna formosas e brancas a todas as que ali residem. É terra mui sã e correm nela ventos frescos e aprazíveis, é muito limpa de todo o género de bichos, que nem mesmo níguas há nela. É povoação de quinhentas casas de espanhóis, que tem três mosteiros de frades e sua igreja maior, e hospitais de índios e de espanhóis, tem dois cercados de índios, onde vivem apartados dos espanhóis, com seus doutrinantes, que os ensinam, tem muitos negros, que andam todos ocupados no benefício das vinhas, tem um corregidor, pessoa de valor, nomeado por El-Rei por seis anos, tem aguazil-maior e outros ministros de justiça, e nunca faltam mercadores forasteiros, que trazem mercadorias para vender.

Passa por meio deste vale um rio, cujas águas se repartem por todos os pagos [sic] de vinha e terras, através de grandes acéquias de água que se extrai do rio. Este rio começa a crescer em Dezembro e não tem água bastante para regar todo o vale que muito se deixa de cultivar por falta de água.

Há alguns lugares de índios em seu distrito, como são San Juan e San Martín, e muitos índios vivem nas cercanias da vila, tendo todos suas vinhas e terras, a que chamam pegujales, por serem pequenas, e casas onde habitam. E, para que se entenda a traça das casas de todos os índios das planícies, onde não chove, é de saber que mais não fazem senão pegar em canas bravas, de que há muitas em todos os rios das planícies, e cravá- -las direitas na terra, e, juntas umas com as outras, vão envolvendo cada uma com um delgado cordel, e atam-nas por baixo, pelo meio e por cima, fazendo assim as suas divisões, por cima colocam outra barbacoa feita das mesmas canas, e, sem nenhuma outra coisa nem matéria, fazem do dito a sua casa, onde vivem. São suas camas uma destas barbacoas com uma esteira por cima, colchão creio que nenhum o tem, pois que, por não fazer frio e por serem eles pouco regalados, não procuram ter melhores camas. Nem têm adornos em casa, somente uma caçarola sem valor, algumas cabaças onde comem e uns quero, a modo de copo feito de pau, por onde bebem. Em querendo mudar a casa e mesmo todo o lugar, arran- cam as suas canas, põem-nas às costas e passam-se para onde lhes dá gosto. Estes índios nunca recolhem o vinho nem o guardam, vendem-no todo em mosto a mercadores que lho compram. Alguns têm as casas construídas com paredões feitos de terra, e têm dinheiros muito bons, mas não querem mais arreio nem adorno de casa. Os índios das monta- nhas têm casas diferentes, onde se defendem das águas e dos frios. Estes serranos vestem mais toscamente que os índios das planícies, porque estes índios das planícies vestem uma camiseta de algodão, calção de pano de cor e, por capa, uma manta feita de algodão. Manta e camiseta são mui pintadas de várias cores. A esta chamam roupa de bebedeira. Vestem

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