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150 DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

150 DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

Tapeçaria

Tambo é hosperadia

Serviço pessoal

corre mais que um cavalo. Das suas lãs fazem-se ricas cobertas, lindos

cumbes (que são panos de armar), tecidos de delicadíssimas cores e de

muito valor, e também fazem destas lãs vestidos para os índios. E neles se encontram pedras bezoares. A sua carne come-se, e é um tanto doce. A sua pele aproveita-se, de jeito que com eles não se faz despesa: o que custa um, que são de seis pesos até doze, ao cabo, com sua carne e pele, paga o que custa. Há senhores que têm seis mil carneiros, e alguns carre- gam-nos todos de coca nos Andes e levam-na a Potosí. E há carneiros destes que, com oito arrobas, caminham por terra plana dez léguas num dia. Também por estas montanhas há muitos veados, vizcachas, que são como lebres, e andam muitas vacas e carneiros, porque há grandes pastos onde comem. A neve está nas punas altas, que nas planícies e vales logo se derrete.

Desde Pachacaca, caminha-se por estas montanhas despovoadas e chega-se a uma estancia de gados que se chama Veláustegui, e aqui se dorme uma noite. E, através de vales e por um rio abaixo, vai-se ao famoso vale de Xauxa. E, passando o caudaloso (rio) Maranhão a vau, em balsas ou pela ponte de Atum Xauxa, alcança-se Guancayo, lugar de índios. É este vale de Xauxa mui celebrado pelo mundo, e dele se contam algumas fábulas. Há, em todo o distrito deste vale, catorze lugares de índios. É um grande corregimiento. Tem mosteiros de frades franciscanos e dominicanos, que doutrinam os índios. É um vale rico e abundante em trigo e milho; tem o melhor toucinho do reino, muitas galinhas, ovos e muitos pêssegos. Tudo se leva a Lima, que são quarenta léguas. Têm aqui os índios um grande tambo para os passageiros. Na montanha de Pariacaca não os há, porque se não pode habitar nela. Desde este lugar de Guancayo, por todo a Estrada94 Real, há tambos a cada cinco a seis léguas,

a que chamam tambos reais, porque todas são de El-Rei. Em todas os

tambos há mita de índios, que ali estão depositados para serviço pessoal

dos passageiros que caminham de umas terras a outras. E, em entrando o passageiro no tambo, acode um alcalde de índios, que ali assiste, e lhe dá um índio para que o sirva. Tem este índio encargo de trazer ao cami- nhante água, lenha, pimentos, sal e ichó, sobre o qual faça a sua cama, e tudo isto sem dinheiro, e serve-o e guarda a sua roupa. Outros índios vão buscar galinhas e tudo o que se lhes pede, levam também as mulas ao pasto, trazendo-as pela manhã. Se lhes querem dar alguma coisa, dão- lha, e, se não, seguem o seu caminho. Há este serviço de índios por todos os tambos, e, em alguns lugares, só há índias, porque os índios andam ocupados noutras coisas. A pena que recai sobre um espanhol que leva a honra de uma índia são quatro pesos de nove reais, por lei de Dom Fran- cisco de Toledo, vice-rei que foi do Peru.

DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA 151 Os índios do Peru não têm barba Propriedade dos índios Huancavelica Água quente sua propriedade

Os índios são a gente mais cobarde e medrosa que tem o mundo. Tremem com a voz de um espanhol, e basta um homem branco para fazer fugir cem. Por bem, não querem fazer coisa que se lhes peça, mas, por mal e à paulada, fazem tudo quanto lhes mandam. São grandes feiti- ceiros e bebedores, e, em estando bêbados, deitam-se com suas mães, irmãs e filhas, e negociam com todas, e tais são elas como eles. As mulheres índias, em acabando de parir, vão logo lavar-se em água fria, a si e aos meninos que parem. Este é o seu costume. É gente mui miserável, fraca, pequena de corpo e feia. Os índios deste vale de Xauxa são de melhor parecer. Embebedam-se muito. Quando caminham, muitos levam as cavalgaduras pela rédea e vão a pé, com a bagagem às costas. Têm grande respeito ao diabo, a que chamam supai: dizem que bem sabem que é mal, mas que lhe têm reverência por que lhes não faça mal.

Está este vale de Xauxa entre duas altas montanhas. Saindo deste vale, vai-se ao tambo de Acos. E, desde ali, seguindo umas encostas que estão à beira do rio Maranhão, chega-se a Casma, onde há muito lindos hortos. E, caminhando junto ao rio e por alguns maus passos, torna-se a passar o rio por uma ponte de pedra. Aqui se aparta do caminho real outro caminho que vai para a vila de Huancavelica, onde há umas ricas minas de mercúrio, que daqui se leva para todas as minas de prata que tem o Peru. Situa-se a boca por onde entram na mina a tirar o mercúrio a meia légua da vila. Aqui carregam o mercúrio em carneiros e condu- zem-nos ao porto de mar de Chincha, onde o embarcam para Arica e de onde o levam a Potosí e outras minas. Esta vila é chamada de Oropesa de Huancavelica, encontra-se a sessenta léguas de Lima e tem duas mil casas de espanhóis e três mil de índios. Há nela muitos índios que traba- lham nas minas, e nunca faltam mercadores e outras gentes, que vêm comerciar na vila, porque é rica e tem mui grande trato de mercadores, que gastam e vendem cada ano muitas mercadorias. Tem mosteiros de frades e sua igreja maior, bem como outras paróquias de índios. Sempre assiste aqui, por corregidor, um grande cavaleiro, e há tesoureiro e con- tador de El-Rei. Criam-se pelos seus campos e altas montanhas, de que está cercada, muitas vacas e ovelhas, de que fazem boníssima manteiga e muitos queijos, e das suas carnes fazem boas cecinas. Há muito açúcar, que se colhe nos profundíssimos declives por onde passa o rio Maranhão, onde nunca o frio chega. E há mui regaladas estancias por estes declives e muitas frutas. Nesta vila troveja, chove e neva fortemente, e é terra mui sã.

Nesta vila, na outra banda de um rio que junto dela passa, cerca de um monte alto numa planície, nasce uma fonte de água quente a que chamam puquio, onde se vão banhar todos os que querem gozar do seu calor. A esta água deu Deus a propriedade de se transformar em pedra. Mas não se há-de entender que toda faça pedra, pois que da fonte sai um razoável fio de água, que se junta com a do rio. Aquela que se quer trans-

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