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156 DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

156 DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

Vilcabamba

uma noz. Passa o rio tão ásperas terras e de tantas penhas que tem em ambas as margens, que homem nenhum se atreve a atravessá-lo, senão com grande risco. E por terra não se pode caminhar, tais são os maus passos.

A ponte é de muito artifício e engenho, de uma parte sustenta-se numas penhas, da outra num torreão de pedra e argamassa, e, de um pilar ao outro, toda está no ar, porque não se lhe pode fazer estribo de pedra nem de madeira sobre o rio, por ser muito fundo e ter uma muito forte corrente. Tem mais de cento e oitenta passos de comprido. Para fazerem esta ponte, tomaram uns madeiros de um forte pau e cada madeiro de duas alnas de comprido e um terço de grossura, bem talhados e corta- dos. Depois, atravessaram-nos com uns pregos muito compridos, grossos e fortes, e assim fazem um bom modo de cadeias. Colocaram, por baixo, três destes madeiros, sobre eles, sólidas tábuas, e mais duas de cada lado, ficando assim forte e segura por baixo e dos dois lados. Quando a passam, sempre treme. E, pelo perigo que se corre sobrecarregando-a muito, não deixam passar por ela mulas carregadas, nem passa mais do que uma de cada vez e assim vão passando uma a uma.

Andam por este caminho grandes récuas de mulas, muito fortes e valentes. Compõem cada récua destas setenta ou oitenta mulas, havendo, por cada dez, um índio ou negro que as tem à sua guarda. Saem de Lima estas récuas carregadas de mercadorias para a cidade de Cusco. E todos os senhores de récuas são obrigados em Lima às pessoas que lhes fretam as mercadorias, que, nesta ponte e laje de Apurimac e em todas as pontes de corda e rios de enxurrada, passam os fardos em ombros de índios ou negros e assim descarregam nas partes em que têm obrigação, e, se se perderem nas partes referidas algum fardo, são obrigados a pagar. Muitas diligências se têm feito e tem-se juntado pedra e todos os materiais para fazer uma ponte de pedra sobre este rio, mas não se tem podido, posto que bons mestres o tenham procurado. E tem-se pretendido quebrar uma montanha para fazer passar por dentro dela o rio, mas não se pôde, por serem muito resistentes e fortes os penhascos. Têm esta ponte e laje um

alcalde para que se ocupe em adereçá-los, e todas as mercadorias que por

ali passam pagam cinquenta por cento para o seu adereço. Ali conheci eu por alcalde um flamengo. Por serem esta ponte e laje tão celebradas no Peru, conto tão em particular a sua traça.

Pelos flancos deste rio acima, acha-se a província e corregimiento dos alimaraes98, lugares de índios, terra muito asperíssima de montanhas.

E, na parte norte deste rio, que entra no Maranhão, situa-se Vilcabamba, onde há umas minas de prata pobres, das quais extraem, cada ano, qui- nhentas barras de prata. Por toda a sua comarca, existem muitos lugares de índios, e, por todas estas províncias, passam mercadores espanhóis,

DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA 157 Limatambo Sisigana Como aplanavam os montes para semear Caminho insigne

uns vendendo mercadorias e outros procurando suas aventuras. A poucos se deixa viver e assentar em lugares de índios, não o permitem os corre-

gidores pelos maus tratos que fazem aos índios. A estes mercadores

chamam mercachifles, e alguns trazem consigo quarenta mil pesos de roupa. Passada a ponte de Apurimac, indo em direcção a Cusco, passa-se por um tambo. No alto, fica Mollapata e outros lugares de índios. E vai-se a Limatambo, por aqui vêem-se grandes sinais de sumptuosos edifícios, do tempo em que reinavam os incas. Por estes vales existem terras boas. Fica este tambo a nove léguas de Cusco. Daqui vai-se a Sisigana, lugar de índios. Começa-se aqui a entrar em terreno liso, e existem bons campos, onde se colhe abundante trigo e outras coisas. De Lima a Cusco são cento e quarenta léguas, tudo altas montanhas, profundos vales, quebradas, despenhadeiros, encostas para baixo e encostas para cima. E todo o cami- nho é amplo e está limpo, porque se põe grande cuidado em adereçá-lo, por mor das muitas récuas que por ali caminham e outras gentes.

Trata-se da cidade de Cusco e de outras coisas

A cidade de Cusco foi cabeça de todo o Peru, assento e corte dos poderosos reis incas, que foram os reis mais temidos, respeitados e bem servidos por seus vassalos de quantos em todo o mundo há notícia, pois que faziam obras que parecem coisas impossíveis aos homens. Faziam subir a água por meio de acéquias mui grandes para montanhas tão altas que só com grande trabalho podem homens subir por elas. Até hoje, vêem-se, por planícies e montanhas, as acéquias abertas, por onde enca- minhavam a água tirada dos rios. Não havia palmo de terra que não esti- vesse aproveitado. Aplainavam encostas e altas ladeiras das montanhas com uns muros muito grossos, sobre os quais deitavam terra, sobre ela outro muro, e, logo, outros muitos, em jeito de escada, e, sobre cada um deles, faziam uma ampla praça, onde semeavam e tinham muita largura e plantavam em cima árvores ou tudo o que queriam faziam. E, neste tempo, valem estes paredões bom dinheiro a seus donos, pelo proveito que tiram deles.

Havendo de descer o rei inca à Província Inferior, que é a de Quito, a quatrocentas e quarenta léguas de Cusco, fizeram-lhe os índios um caminho pelas montanhas, todo igual e direito, subindo vales e descendo montanhas, atravessando rios e aplainando as maiores dificuldades do mundo. Fizeram-lhe o caminho mais insigne, a mais excelente obra de que no mundo se fala, porque aquela famosa muralha que têm os chineses, que os divide dos tártaros, não é mais famosa do que este grande caminho. E, dando o inca volta por Cusco, fizeram-lhe outro caminho pelas planí- cies, que não é menos admirável que o das montanhas. Vêem-se estes caminhos, hoje em dia, por planícies e serra.

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