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176 DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

176 DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

Pesca de pérolas

a Perico para levar ao Peru, e descarregam o tesouro que vem do Peru para levar a Portobello e, de lá, a Espanha.

Esta cidade do Panamá é governada por um presidente, que é capi- tão-general no Panamá, Portobello e todo o seu distrito. Nesta cidade há Audiência Real, com todos os ministros da Justiça a ela pertencentes. Aqui têm bispo e sua igreja catedral, e mosteiros de frades e teatinos. É cidade de mil vizinhos espanhóis, as mais das casas são de tábuas. Há aqui mercadores muito ricos, que têm grande trato para Espanha e Peru. E da província da Nicarágua trazem-se valentes mulas por terra e tem muitos vizinhos negros. Há muitos habitantes negros que vivem pelos arredores da cidade, em casas de freixo e palha. Toda a gente e vizinhos desta cidade são soldados, que acodem com as suas armas quando se ouve algum rumor de guerra. Esta não é gente de soldo nem a quem obri- guem a estar de guarnição ou presídio, nem é gente belicosa nem esfor- çada, porque o deleite e natureza da terra os torna frouxos e de pouca força, assim não pegam em armas senão obrigados por alguma necessi- dade. E têm-se aqui por mui seguros, graças à fortaleza de Portobello e ao mau caminho que há dali ao Panamá. Chove e troveja muito nesta terra e faz muito calor, porém, com todas as suas incomodidades, nela habitam gentes muito regaladas e estão muito contentes nela.

Das cidades e vilas de Peru, Truxillo e Sana, vão ao Panamá navios carregados de farinha, açúcar, mel de cana, conservas e algumas frutas verdes, como são marmelos, romãs, maçãs e uvas. Porque toda esta Terra Firme não produz, nem se quer criar nela nenhuma coisa de Espanha, porque se tem feito a experiência, a grande humidade e grossura da terra não o consente. O que aqui há em grande abundância é muito milho: de uma fanega que se semeia, colhem-se duzentas. Há grande soma de gado, bois e vacas e vitelas, e valem muito barato, de carne de vaca e de vitela fazem-se muitas variedades de comidas, mui deleitosas e saboro- sas. Colhem-se muitas e grandes bananas, goiabas e mameyes, estes não há no Peru nem se querem criar nele, há muitos abacates que são o que se chama no Peru paltas, batata-doce que são as batatas, colhem alguns melões e alfaces. Têm muitas galinhas e peixes frescos. Têm vindos de Espanha boa azeitona, amêndoas, tâmaras e outras frutas. O melhor que há, e de mais importância, é a pesca de pérolas, de que todos os anos se saca uma boa soma. Também se colhe muito arroz. Os negros que os vizinhos do Panamá têm por escravos servem-nos e ocupam-nos como arrieiros que vão daqui a Portobello com récuas de mulas, outros andam no rio de Chagre em barcos, e uns e outros carregam as mercadorias que passam de um lugar ao outro. Mais caras são as mercadorias ao passar de Portobello ao Panamá, do que de Sevilha a Lima. E deste caminho saem muito mal tratadas, se não se tem grande conta com elas, porque o calor e a humidade fazem nelas grande estrago, e, como lhes toca alguma água, apodrecem, se logo não se acode a enxugá-las. Para defendê-las da água

DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA 177 criou Deus nesta terra umas folhas que se chamam bigau [sic], muito grandes e fortes, envolvem-se os fardos com estas folhas, com uns cordéis de fio de vela, e sobre elas se põe uma serapilheira, de jeito que, por muito que chova, não se molham.

Do Panamá a Portobello são dezoito léguas. As récuas andam-nas em quatro dias, e os que querem caminhar com cuidado em dois dias as percorrem. A primeira jornada é de seis léguas, até ao rio de Chagre, e passam o rio a vau. Daqui vai-se à venta de Carrasco, e passa-se o rio Pequeni, que desce das montanhas de Capira. Aqui, nesta jornada, está o forte de San Pablo, que, com oitenta homens e quatro peças de artilharia, deteve a passagem de Francisco Draqueh, que, não podendo seguir avante, voltou a Nombre de Dios, onde morreu117. Noutra jornada, vai-se

à venta de Caño, faz-se a maior parte do caminho por dentro da corrente de um rio, água acima, alcançando-se a venta. Depois sobe-se um pequeno monte fragoso, desce-se e entra-se noutro rio, que este entra na baía de Portobello. Por estes dois rios anda-se mais de sete léguas, sendo o melhor caminho de todas as dezoito, porque nelas há grandes lodos, muitos maus passos, algumas encostas e muitos rios que crescem com grande celeri- dade. E, em apanhando em meio as récuas, têm elas lugar onde podem desviar-se e esperar que desçam os rios, os quais, com a presteza com que crescem, tornam a baixar, pois que a sua corrente vem de muito perto, e talvez sucede afogarem-se algumas mulas e homens. Todo o caminho é de bosques, de cedros e carvalhos altíssimos e muito grossos, que sempre têm as suas folhas verdes. Tanta é a humidade destes bosques, que se não pode andar por eles, e o sol mal alcança a terra, por serem muito cerra- dos. Há, por este caminho, muitas savanas, que são prados onde andam muitas vacas pastando. Por estas partes há muito poucos índios. Os pas- sageiros que por aqui caminham levam vestida a sua camisa e depois uma camiseta, calção, meia de canhamaço e as suas alpergatas, e levam outro vestido como o dito percebido, porque sempre chegam molhados às pousadas, onde se despem e vestem o que levam enxuto. Numa parte entre o mar e este caminho, fica um lugar que se chama Lugar Nuevo, que é todo de negros. Sublevaram-se estes negros em tempos passados, e os espanhóis não os podiam domar e El-Rei perdoou-os, fê-los livres a todos

117 Em 1595, Francis Drake inicia a sua derradeira viagem marítima, tendo como

objectivo atacar algumas posições castelhanas nas Antilhas e no Panamá. Após um ataque falhado a San Juan de Porto Rico, em que a sua frota foi severamente danificada, optou por rumar ao Panamá, tendo fundeado na vila de Nombre de Dios, a partir de onde tentou chegar por terra à Cidade do Panamá. No entanto, a «marcha» foi detida por uma guar- nição existente no referido forte de San Pablo, que obrigou as tropas enviadas por Drake a regressar. Apesar da decisão de partir em direcção a outros locais da costa americana, uma tempestade levou os navios a fundear novamente perto de onde haviam partido, em Porto- bello, onde Francis Drake acabaria por morrer, e não em Nombre de Dios, como o autor menciona.

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