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152 DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

152 DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA

Castrovirreina

Mina de prata

Metal de prata

formar em pedra faz-se entrar num vasto cercado ou cova, que está feita para este efeito; e, em pouco tempo, se faz uma penha de pedra muito dura. E daqui a cortam e lavram-na. Todas as casas da vila são feitas desta pedra, é de cor amarela e um pouco branda.

A catorze léguas desta vila situa-se Chocolococha, ou, em nome espanhol, Castrovirreina. Há aqui ricas minas de fina prata, de toda a lei, custando a mais valiosa dois mil trezentos e oitenta maravedis de lei, e daqui para baixo, que nenhuma vale mais. Novecentas barras de prata desta mina, seladas e marcadas com os selos reais, valem, umas com outras, mil pesos de a oito reais, pelo menos. Afora estas mil barras, extrai-se muita prata, que se desfaz em vasilhas e para prateiros, que a furtam sem pagar os quintos de El-Rei, que são de cinco um. Mas os mineiros desta mina não pagam mais que dez um, porque são minas mais pobres e de muito trabalho. Acham-se as minas numa alta montanha, toda coberta de neve, a duas léguas da vila. Os metais são trazidos das minas, para serem depurados, aos moinhos de prata, que estão num pequeno rio que passa junto à vila, são trazidos por carneiros. São os melhores destes metais umas pedras de um azul mui escuro e de um branco pardacento. Queimam-nos em fornos que aquecem e acendem com ichó e excre- mentos de carneiro (que abunda por toda a montanha), porque a terra é mui falta de lenha. Depois de estarem queimados os metais, moem-nos com pedras como as de ataoña e andam com água do rio. Quando os metais estão feitos em pó, deitam-nos numas pias e aí os encorporam com água e mercúrio: o mercúrio atrai a si toda a prata, e o que sobra são lamas, que algumas pessoas arrendam para as tornarem a crivar e tirarem prata delas. Faz-se destas lamas aquilo a que se chama o metal negrito, para o que nunca se encontrou benefício, por mais que muitos o tenham procurado, pois que, se se pudera fazer, não têm número as riquezas que dele que tiraria. De seguida, com fogo tiram o mercúrio da prata, não tendo este mercúrio mais proveito. Fazem, depois, umas pinhas de prata, tão grandes algumas como um pão de açúcar. Para as fazerem em barras, metem-nas em crisóis de barro, e, depois de derretidas, deitam-nas em suas formas, a que chamam callanas; depois de feitas, mergulham-nas num poço de água fria. Depois as levam a dois oficiais de El-Rei, selam- -nas, põem nelas o seu número, atribuem-lhes a lei que têm e pagam o quinto a El-Rei. Os números que põem nas barras vão de um até mil e até seis mil, e assentam-se desde o primeiro dia de cada ano até ao derradeiro, e, por esta conta, todos sabem as barras que se extraem de cada mina, todos os anos, e não pode furtar nem perder uma barra, porque logo se descobre em dizendo seu dono que lhe falta. E assim também os mercadores que as compram lhes põem suas marcas, e às barras tiram uma porção, que é direito do ensaiador que as ensaia.

É Castrovirreina uma vila que terá quinhentas casas de espanhóis e muitas mais de gente índia. Aqui tem El-Rei um governador, pessoa

DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA 153 de qualidade, que daqui saca um tesouro de riquezas. É vila de grandes tratos de mercadores, onde existem ricas lojas. Há muitos e regalados vinhos, que se trazem das planícies, e, posto que nelas haja maus vinhos, em sendo levados para a montanha fazem-se bons e regalados. Esta é a montanha mais fria de todo o Peru, e é terra mui sã e de gente mui robusta. Não se criam aqui vermes danosos, nem se sabe que coisa seja um piolho, nem uma pulga, nem um rato95, nem uma aranha, nem um

mosquito, nem uma nígua, nem uma cobra, nem nenhuma espécie de animal que dê enfado ou pena. As mulheres espanholas que aqui empre- nham vão parir a terras quentes, pois que o frio desta puna matou muitas, e, por muito que contra ele se precatem, não lhes aproveita, por ser o frio terribilíssimo. Os vinhos gelam, e, se aqui matam um boi e o dependuram à porta, podem comê-lo pouco a pouco, sem lhe deitarem sal nem outra coisa; e, posto que ali permaneça todo o ano, não se corrompe.

Sai desta vila um caminho para Ica, Pasco, Chincha e Lima, e outro caminho, através da puna, para Guamanga, que está no caminho real. E, regressando a Huancavelica, segue-se por entre três lagoas de água doce, caminha-se por terra, entenda-se, ficando as lagoas de ambos os lados. São fundíssimas e alvoroça-as o vento, levantando as suas ondas tal como no mar. Mede cada uma mais de uma légua de comprido. Vai-se por um engenho de prata e passa-se junto de outra lagoa, cerca de umas montanhas altíssimas cobertas de neve, que são as mais tremidas em todo o mundo. Todas estas montanhas se ligam às de Pariacaca. Passa-se, de seguida, por uma morraça96, que se chama cenaga [sic], onde se afundará

quem não souber o caminho, pois que, como os carneiros são ligeiros andam por cima dela e têm caminho aberto, o que engana quem não sabe que nestes caminhos é muito importante levar por eles guia de índios. Chega-se a uns penhas a que chamam Las Vizcachas, e tantas são as que por ali andam, que os cobrem. Seguidamente, cruza-se uns prados e vales, onde andam pastando grandes manadas de carneiros de El-Rei, que trabalham no transporte do mercúrio. Nesta terra, convém que se viaje no Verão, pois no Inverno há muitos tremedais, morraças e rios que tudo é difícil de passar.

Tornando a Huancavelica, tem o seu caminho para Guamanga, entra na Estrada Real e prossegue por ele. Depois de se passar o rio Maranhão pela sua ponte de pedra, atravessa-se o rio de Huancavelica, sobe-se uma encosta, por mau caminho e muito grande, e alcança-se o tambo de Picois, desde onde se descobrem tantas e tão altas montanhas, que parece não haver saída por nenhuma parte. E pelas suas ladeiras, vêem-se alguns lugares de índios, e vê-se o rio Maranhão metido nos profundos vales, que parece um pequeno rio. Deste tambo vai-se a uns penhascos que se

95 «Rato» no original, possível lusitanismo. 96 «Morraça» no original, possível lusitanismo.

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