DESCRIÇÃO GERAL DO REINO DO PERU, EM PARTICULAR DE LIMA
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Lucumas Pepinos da terra Batata-doce Iúcas Batatas
centenas de bananas, pelo menos, que têm um terço de alna de compri- mento e são grossas como o braço de um menino de oito anos, e redon- das e são um pouco torcidas, em forma de arco, e de muito bom58 gosto.
A sua carne tem cor de manteiga amarela, e tão mole quando estão bem maduras. Estas árvores ou planta são cortadas assim que dão fruto e depois ao pé nascem outros muitos. E há cerrados e grandes bananais. São as árvores mais formosas e mais agradáveis à vista que o mundo tem, e sempre perpetuamente as há, sem nunca faltarem. Nestes bananais, por serem tão cerrados, escondem-se os negros cimarrões. Depois de cortada, esta árvore desfaz-se tudo em correias como correias de couro de boi, fortes e duras. Com elas atam a erva, o trigo, a lenha e outras coisas.
Os abacates são tão grandes como pêras, do seu feitio e muito maiores, porque há abacates que pesam mais de uma libra59. São como
manteiga por dentro. O caroço que têm é tão grande como um ovo de galinha. Esta é fruta mui sadia e saborosa, e sempre a há, sem nunca faltar. As suas árvores são tão grandes como grandes pereiras e são as folhas do tamanho das suas.
As lucumas são tão grandes como os abacates e do mesmo feitio, e, por dentro, da mesma cor do pêssego; por fora, são meio verdes e amarelos. Têm bom olor e dois caroços, que são aquilo a que chamamos castanhas das Índias60. É fruta que nunca falta.
Dos pepinos do Peru semeiam-se grandes campos. Criam-se nuns arbustos pequenos como aqueles em que se criam as beringelas. Estes pepinos são a fruta de que há maior abundância em Lima, e em todo o tempo, sem nunca faltar, os há. O seu feitio é a modo de um ovo grande e estreito nas pontas, mas são maiores e de cores diversas, mui saborosos e sãos, e tiram muito a sede; são baratos e há deles grande abundância.
É a batata-doce o que nós chamamos batata. Há muitas e muito grandes, doces e baratas, e continuamente os campos estão cheios delas.
As iúcas61 são aquilo de que se faz o casabe, do qual, diz-se, se produz
a farinha de pão. Cria-se debaixo da terra uma raiz branca, longa como cenoura, e sai dela uma cana alta. Comem-se assadas e cozidas, e faz-se delas uns bolos delgados que, postos em caldo gordo de carne, crescem como arroz. Sempre as há.
As batatas semeiam-se e criam-se debaixo da terra. São da cor da mesma terra, terra avermelhada, do tamanho de maçãs e igualmente
58 «Bom» no original, possível lusitanismo.
59 Medida de massa correspondente a 0,4536 quilogramas.
60 A lucuma, uma fruta nativa do mundo andino, é identificada no texto como
castanha-das-índias, uma espécie do género aesculus que não tem nenhuma relação com a
lucuma. No entanto, o caroço deste fruto assemelha-se muito a uma castanha, o que pode
explicar a relação estabelecida pelo autor.
61 A iúca é utilizada como árvore de decoração na Europa. Na América Latina, o seu
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redondas. Comem-se cozidas e assadas, e nuns locros62 que se fazem com
elas, milho e outras coisas. Secam-nas como castanhas e fazem delas
chuno63, da qual se confeccionam mezinhas para os doentes e gentes
regaladas. Sempre se encontram verdes e secas, e são mui sadias e de grande sustento.
As goiabas são uma fruta que se parece muito com a maçã, e a árvore parece-se com as árvores de maçãs. De muitas sortes as há. Têm sabor diferente das maçãs. As melhores são umas que se dizem do mato e outras que têm um ácido mui gostoso. Há delas muitas.
As pacajes são árvores tão grandes como o castanheiro, e a sua fruta é longa como a bainha de uma espada, com diferentes compartimentos; e, dentro tem uma fruta do tamanho de uma alna, branca como a neve e doce como açúcar.
Os ananases têm aparência semelhante à dos pinheiros na casca e na cor, a sua casca é mui tenra e molda-se com um cutelo. A sua comida é mui saborosa. Fazem-na em talhadas redondas e põem-na em água com sal, e depois comem-na, tem o gosto como de boas ginjas. E fazem com elas ricas conservas, em particular em Havana, onde há muitas.
De ameixas há duas espécies, umas a que chamam da Nicarágua, que são amarelas e vermelhas, do tamanho das de Espanha, sãs e sabo- rosas, e, por serem boas, as dão aos doentes, e há muitas. Outras que dizem pardas têm dois caroços e são por dentro vermelhas como grená e saborosas.
Os palos são semelhantes a pêras pequenas e têm outro sabor. As árvores parecem-se com as das pêras.
As guanabas são tão grandes como melões. A sua comida é branca e mui saborosa. Colhem-se em grandes árvores.
As tunas são o que chamam figos das Índias. Tem por fora muitos espinhos e cria-se numa coisa que tem as folhas muito grossas e muito grandes, de uma cor como verde-mar. E a planta é muito pequena e boa para estar nas vedações dos jardins, que com seus espinhos defende a entrada.
O maracujá é uma planta que sobe pelas árvores, como as parreiras, e faz latadas onde se enrola. Dá uma fruta do tamanho de um ovo de pata,
62 O «cozido de carne» a que o autor faz referência é o locro, um ensopado tipica-
mente andino, embora tenha algumas variações regionais. Identificam-se como ingredientes principais os referidos batata, milho e carne, embora se possam incluir muitos outros.
63 Chuño na ortografia actual: batatas que, de acordo com o método de produção
tradicional, após colhidas são expostas durante três dias a temperaturas negativas durante a noite e ao calor do sol e pisadas de forma a que toda a água seja removida durante o dia. Posteriormente, são uma vez mais congeladas com recurso ao frio de duas noites. Esta seca- gem tem a vantagem de preservar as batatas por um longo período de tempo. Para além de diversas utilizações alimentares, estas serviam ainda, como o texto refere, para a produção
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