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A DESPROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE PROTEÇÃO SOCIAL NÃO CONTRIBUTIVAS

POSSIBILIDADES E LIMITES PARA A EXPANSÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL PELA VIA CONTRIBUTIVA CLÁSSICA: NOTAS SOBRE A INCLUSÃO

3 A DESPROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE PROTEÇÃO SOCIAL NÃO CONTRIBUTIVAS

Segundo a PNAD 2011 (e incluindo todas as áreas rurais da região Norte), de cada dez traba- lhadores brasileiros, aproximadamente sete estão protegidos pela Previdência Social, ou seja, contribuem para algum regime previdenciário público ou são segurados especiais ou, embora não contribuam e não sejam caracterizados como segurados especiais, já são beneficiários da Previdência ou da Assistência Social. Por conseguinte, isso significa também que aproxima- damente 29,0% da população ocupada declara encontrar-se sem qualquer tipo de proteção previdenciária. Entre as 27 UFs, aquelas das regiões Sul e Sudeste, além do Distrito Federal, apresentam taxas de desproteção inferiores à média nacional. As demais possuem níveis de desproteção acima da média, sendo que os estados do Piauí (40,2%), Ceará (41,5%), Pará (42,3%), Amapá (42,5%) e Maranhão (42,8%) ultrapassam ligeiramente a marca dos 40,0%. 14. Ressalte-se que, para além dos planos semicontributivos, o RGPS possui um componente que se distancia ainda mais do viés contributivo típico dos regimes previdenciários: o salário-família, pago a segurados que recebam até R$ 971,78 mensais (em 2013) e possuam filhos (ou equiparados) menores de 14 anos. Ocorre que o Brasil conta com algumas políticas assistenciais bastante consolidadas, entre as quais merece destaque justamente o Programa Bolsa Família, que já se ocupa de fazer transferências monetárias para famílias de baixa renda com filhos menores de idade e ainda logra fazê-lo com melhor focalização, sem o indesejável viés de focalizar trabalhadores inseridos no mercado formal de trabalho (o que já os retira de uma posição de maior vulnerabilidade).

Os indicadores municipalizados de desproteção e ausência de cobertura, mensurados a partir do Censo Demográfico 2010,15 revelam resultados díspares entre regiões e mesmo no

interior das UFs. Partindo-se da definição de cinco intervalos para os valores estimados para os dois indicadores (0-29,4%; 29,41%-39,2%; 39,21%-50%; 50,01%-70%; 70,01%-100%), tem-se que, enquanto aproximadamente 42,0% dos municípios possuem uma proporção de desprotegidos igual ou inferior a 29,4% (valor da média nacional para a desproteção pre- videnciária, mensurada a partir do Censo 2010), este mesmo patamar é o limite alcançado por apenas 12,9% dos municípios quando o critério é a ausência de cobertura previdenciária (indicador cuja média nacional é de 39,2%). Dada a unicidade nacional do marco legal do RGPS, a explicação para estas disparidades tende a residir principalmente nas profundas de- sigualdades econômicas e sociais inter-regionais e intrarregionais.

MAPA 1

Proporção de desprotegidos e descobertos na população ocupada (16 a 59 anos), segundo municípios (2010)

(Em %)

1A – Proporção de desprotegidos 1B – Proporção de descobertos

Fonte: IBGE (2010). Elaboração: SPS/MPS. Elaborado em Philcarto5.66.

15. Como o principal objetivo desta seção é mapear com maior precisão a desproteção no país, o Censo Demográfico 2010 foi amplamente utilizado. O Censo, ao contrário da PNAD (realizada com amostras mais reduzidas e, portanto, utilizada para análises em áreas com maior densidade popula- cional, como estados e regiões metropolitanas), permite estudar localidades menores, como pequenos municípios. Os dados das duas fontes tendem a se complementar, ainda que associações muito diretas tenham sido evitadas porque diferenças importantes nos planos amostrais impossibilitam a comparação entre os indicadores obtidos a partir das duas fontes. De todo modo, os principais indicadores analisados (taxa de cobertura e proteção previdenciária, pelo Censo e pela PNAD) tendem a convergir.

E, como mencionado anteriormente, são os segurados especiais os principais responsá- veis pelo ganho na taxa de proteção social em relação à taxa de cobertura, e este fenômeno evidencia a importância da Previdência Rural para a proteção social da população brasileira, especialmente nas UFs com indicadores de desenvolvimento socioeconômico mais incipien- tes. Ocorre que justamente nas UFs onde o mercado de trabalho é menos estruturado, com menor participação de trabalhadores formais (empregados com carteira de trabalho assinada, militares e estatutários) na ocupação total, a participação dos segurados especiais no conjunto de ocupados tende a ser superior à média do país. Não à toa, o impacto dos benefícios rurais semicontributivos se mostra ainda mais evidente nos municípios das regiões Norte e Nordeste. Com efeito, diversos aspectos do funcionamento do mercado de trabalho podem in- fluenciar o grau de cobertura e de proteção previdenciária de um país (e, consequentemente, a magnitude da desproteção), de modo que a busca por explicações para as ainda limitadas taxas de cotização ao RGPS deve passar obrigatoriamente por este tema. O argumento mais comum, relacionando mercado de trabalho e desproteção previdenciária, aponta para a elevada informalidade nas relações de trabalho como o principal determinante da insatisfatória pro- porção de ocupados participando de regimes previdenciários. Grosso modo, no Brasil, parcela importante da PEA ocupada não teria acesso a postos de trabalho de qualidade, com benefícios e outras garantias laborais, restando como alternativa o setor informal da economia, marcado pela informalidade e pela precariedade das relações e condições de trabalho.

Para esses trabalhadores, a inscrição no RGPS, embora mandatória, seria na prática volun- tária, já que dependeria de decisão individual e de difícil imposição pelo Estado (dadas as óbvias dificuldades de fiscalização e verificação das condições para tal obrigatoriedade, especialmente no caso dos trabalhadores por conta própria). Dadas as características dos postos de trabalho que ocupam, nos quais tende naturalmente a prevalecer a ausência de aporte previdenciário patronal, a estes indivíduos restaria a possibilidade de assumirem integralmente o custo da contribuição para o RGPS. Por outro lado, como estes postos também são, predominantemen- te, marcados pela precariedade e pelos baixos rendimentos, a baixa capacidade contributiva tenderia a ser um fator impeditivo bastante relevante.

Em outras palavras, estes trabalhadores – que representam uma parcela elevada do total de ocupados no país – tendem a se posicionar na base da distribuição de rendimentos do país, quadro que certamente oferece entraves importantes para a expansão da proteção previdenciária. Também, em razão da condição socioeconômica em que vivem, tendem a possuir uma elevada taxa individual de desconto intertemporal, valorizando mais o consumo presente do que o acúmulo de poupança para a aposentadoria. Ou seja, tendem a optar pela não contribuição – seja pela incapacidade financeira de cotizar, seja por possuírem um horizonte de planejamento de curto prazo –, decisão que não deixa de ser economicamente racional. Esta visão de curto prazo também contribui para que a interação com outras políticas produza desincentivos: os benefícios de risco (auxílio-doença, pensão por morte, etc.) são pouco levados em conside- ração, ficando o foco quase que restrito aos benefícios planejados (como a aposentadoria por idade, por exemplo).

No Brasil, portanto, um fator determinante da não inclusão previdenciária, especialmente entre os trabalhadores independentes, parece ser a insuficiência de rendimentos, insuficiência esta que vai além dos rendimentos do trabalho e avança até o rendimento domiciliar per capita (RDPC). Por esse motivo, a formulação de políticas de expansão da cobertura previdenciária (aqui, obviamente, pela via contributiva) não pode prescindir de instrumentos capazes de estimar os principais obstáculos para estas intervenções, ou seja, de indicadores que mensu- rem os limites da expansão da cobertura pela via padrão (por meio da expansão na proporção de contribuintes – e não de protegidos –, ainda que entre estes estejam potenciais segurados vinculados aos elementos semicontributivos do RGPS).

Para tanto, Paiva et al. (2004) sugeriram a escolha de um valor de rendimento de todos os trabalhos (definido em um piso previdenciário, já que a contribuição previdenciária mínima incide sobre este valor) a partir do qual se assumiria que o trabalhador ocupado teria alguma condição de contribuir. Por esta proposta metodológica, os trabalhadores situados abaixo desta linha (ou melhor, que percebessem menos de um salário mínimo mensal) tenderiam a ser os futuros beneficiários de amparos ou outras transferências assistenciais, ao passo que os demais poderiam (e deveriam) ser foco de políticas de inclusão previdenciária. Neste sentido, a pro- porção de desprotegidos situados acima desta linha poderia ser tomada como um indicador do potencial de inclusão pela via contributiva.

TABELA 2

Proteção e desproteção previdenciária no Brasil, segundo sexo e valor do rendimento de todos os trabalhos em relação ao salário mínimo (2010)

Categorias/Indicadores Homens (a) (%) (a/c) Mulheres (b) (%) (b/c) Total (c) (%)

Ocupados (1+2) 45.394.893 57,1 34.054.742 42,9 79.449.635 100,0

1. Protegidos 32.575.992 57,9 23.655.469 42,1 56.231.461 100,0

2. Desprotegidos 12.818.901 55,2 10.399.273 44,8 23.218.174 100,0 Rendimento igual ou superior a 1 SM 8.522.822 64,3 4.723.359 35,7 13.246.181 100,0 Rendimento inferior a 1 SM 4.296.079 43,1 5.675.914 56,9 9.971.993 100,0

Proporção de Desprotegidos com CC 66,5 45,4 57,1

Proporção de Desprotegidos sem CC 33,5 54,6 42,9

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010). Elaboração: SPS/MPS.

Partindo-se deste entendimento e tomando-se como referência a população desprotegida total (23,22 milhões de pessoas, segundo o Censo 2010), chega-se a uma proporção de 57,1% de desprotegidos sem capacidade contributiva, recebendo menos de um salário mínimo mensal. Para o conjunto do país, as mulheres, embora possuam menor participação no contingente de desprotegidos (44,8% do total, resultado que guarda relação com a menor participação que possuem na PEA ocupada), são maioria entre os desprotegidos sem capacidade contributiva (56,9% dos trabalhadores que recebem menos de um salário mínimo mensal no conjunto de todos os trabalhos, partindo-se de conceito utilizado pelo MPS) e minoria entre os desprote- gidos com alguma capacidade contributiva (35,7% dos ocupados com rendimentos iguais ou

superiores ao piso previdenciário). A inserção laboral mais precária explica a menor cobertura e a maior desproteção entre as mulheres e, naturalmente, determina esta sobrerrepresentação feminina entre os desprotegidos sem capacidade contributiva.

Em termos regionais (gráfico 5), Distrito Federal, Santa Catarina, Goiás e Rio de Janeiro são os estados em que há maior espaço para a expansão da proteção previdenciária pela via contributiva, já que mais de 70,0% dos desprotegidos recebem ao menos um salário mínimo mensal. Já Piauí, Paraíba, Maranhão, Bahia, Alagoas e Ceará, todos da região Nordeste, são os estados em que as possibilidades de aumento de cobertura são menores (menos de 40,0% dos desprotegidos parecem ter alguma capacidade contributiva). Mais uma vez ficam evidentes as discrepâncias sociais e econômicas dentro do país, uma vez que os estados com menor cober- tura previdenciária e maior peso dos mecanismos semicontributivos do RGPS sobre o nível de proteção previdenciária também possuem menor potencial de inclusão dos desprotegidos.

GRÁFICO 5

Potencial de inclusão previdenciária pela via contributiva, dado pela distribuição dos desprotegidos por faixas de rendimento de todos os trabalhos (2010)

(Em %) 74 ,7 % 71 ,0 % 70 ,3 % 70 ,2 % 69 ,7 % 68 ,5 % 64 ,4 % 64 ,0 % 63 ,3 % 63 ,0 % 62 ,2 % 61 ,2 % 60 ,2 % 57 ,3 % 55 ,9 % 55 ,6 % 54 ,9 % 49 ,1 % 43 ,7 % 42 ,6 % 40 ,0 % 39 ,5 % 39 ,4 % 39 ,4 % 38 ,7 % 36 ,1 % 35 ,2 % 25 ,3 % 29 ,0 % 29 ,7 % 29 ,8 % 30 ,3 % 31 ,5 % 35 ,6 % 36 ,0 % 36 ,7 % 37 ,0 % 37 ,8 % 38 ,8 % 39 ,8 % 42 ,7 % 44 ,1 % 44 ,4 % 45 ,1 % 50 ,9 % 56 ,3 % 57 ,4 % 60 ,0 % 60 ,5 % 60 ,6 % 60 ,6 % 61 ,3 % 63 ,9 % 64 ,8 % 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% DF SC GO RJ SP MT MS PR ES RS RO RR MG AP AM AC TO PA RN PE SE CE AL BA MA PB PI

Rendimento Igual ou Superior a 1 SM Rendimento Inferior a 1 SM

Fonte: IBGE (2010). Elaboração: SPS/MPS.

Embora este indicador de potencial de inclusão seja metodologicamente consistente e já contribua sensivelmente para o entendimento dos espaços e limites para a expansão da cober- tura previdenciária (e, consequentemente, da proteção), o uso do rendimento domiciliar per

capita (em detrimento do rendimento individual do trabalho) pode ser uma abordagem mais

realista. Ainda que se tome a incapacidade financeira de contribuir autonomamente como um importante determinante da desproteção no país, o rendimento individual pode não ser suficiente para explicar a tomada de decisão por parte dos trabalhadores, já que tende a ser insuficiente para consubstanciar a avaliação das condições de vida de um indivíduo e de sua efetiva disponibilidade financeira para cotizar. Exatamente por esse motivo, é o rendimento

sociais focalizadas no país, como o Programa Bolsa Família (PBF) e o BPC-LOAS. A aplica- ção desta abordagem consta do gráfico 6, que traz a disposição da PEA ocupada protegida e desprotegida, com e sem capacidade contributiva (pela metodologia anterior, referenciada pelo salário mínimo), por centésimos da distribuição de renda domiciliar per capita.

GRÁFICO 6

Porcentagem de ocupados protegidos e desprotegidos por centésimos da distribuição de renda per capita – Brasil (2010) 0,0% 0,5% 1,0% 1,5% 2,0% 2,5% 3,0% 3,5% 4,0% 1 4 7 10 13 16 19 22 25 28 31 34 37 40 43 46 49 52 55 58 61 64 67 70 73 76 79 82 85 88 91 94 97 100

Protegidos Desprotegidos com CC Desprotegidos sem CC População

BPC R$ 127,50 CP M ín.: R$ 25,50 PBF-Pobreza: R$ 140,00 PBF- Pobreza extrema: R$ 70,00 Linha de pobreza convencional: R$ 255,00 (1/2 SM ) Décimos da distribuição da RDPC Fonte: IBGE (2010). Elaboração: SPS/MPS.

A concentração de protegidos tende a crescer conforme aumenta a renda domiciliar per

capita, pois o emprego formal (principal determinante da cobertura e da proteção) costuma

estar associado a melhores rendimentos e também porque a probabilidade de contribuição autônoma tende a variar positivamente em função do rendimento do trabalho (o qual, por sua vez, evidentemente influencia a RDPC). A curva relativa aos protegidos apenas não é mais bem comportada em razão da presença dos segurados especiais e (em menor escala) dos beneficiários de amparos assistenciais,16 categorias que favorecem alguma concentração de

protegidos nos centésimos inferiores da distribuição de renda (comparativamente ao grupo dos desprotegidos com capacidade contributiva).

Nota-se ainda que, mesmo entre os desprotegidos com suposta capacidade contributiva (rendimento mensal do trabalho igual ou superior ao valor do salário mínimo), há aqueles que se encontram nos décimos inferiores da distribuição de renda, onde a renda per capita mensal é inferior aos limites máximos de RDPC17 estabelecidos como requisitos de elegibilidade para

importantes programas sociais focalizados em segmentos populacionais de baixa renda. Entre os desprotegidos com rendimento mensal inferior ao valor de referência, de um salário mínimo, 16. Como o foco aqui é a população ocupada com idade entre 16 e 59 anos, a incidência de beneficiários de amparos assistenciais entre os prote- gidos deve ser residual, já que estes se destinam a idosos (com idade de 65 anos ou mais) ou portadores de deficiências (incapazes para o trabalho) de baixa renda.

naturalmente a situação se agrava, já que muitos inclusive possuem RDPC inferior à contri- buição previdenciária mínima – mesmo quando considerados os planos semicontributivos, fortemente subsidiados. Os dados do último Censo Demográfico, relativos a julho de 2010, permitem a quantificação desta percepção (tabela 3).

TABELA 3

Proporção de ocupados protegidos e ocupados desprotegidos com e sem capacidade contributiva (CC), segundo faixas da renda domiciliar per capita – Brasil (2010)

(Em %)

Linha de Referência Valor das Faixas

Protegidos Contribuintes

(RGPS e RPPS) Protegidos Não Contribuintes1 Desprotegidos com CC Desprotegidos sem CC

Frequência AcumuladaFrequência Frequência AcumuladaFrequência Frequência AcumuladaFrequência Frequência AcumuladaFrequência Contribuição Previ- denciária Mínima R$ 0,00 a R$ 25,24 0,0 0,0 1,9 1,9 0,0 0,0 1,0 1,0 PBF-Probreza Extrema R$ 25,25 a R$ 69,99 0,2 0,2 8,7 10,7 0,0 0,0 6,0 7,1 BPC-LOAS R$ 70,00 a R$ 127,49 1,2 1,4 13,4 24,1 1,3 1,4 13,3 20,4 PBF-Probreza R$ 127,50 a R$ 139,99 0,8 2,2 3,0 27,1 1,0 2,4 3,0 23,4 Linha de pobreza convencional (1/2 SM) R$ 140,00 a R$ 254,99 7,9 10,0 19,9 47,0 10,3 12,7 26,8 50,3 Demais faixas de RDPC R$ 255,00 ou mais 90,0 100,0 53,0 100,0 87,3 100,0 49,7 100,0 Total - 100,0 - 100,0 - 100,0 - 100,0 - Fonte: IBGE (2010). Elaboração: SPS/MPS.

Nota: 1 Inclui segurados especiais e beneficiários não contribuintes.

No primeiro grupo (desprotegidos com capacidade contributiva), praticamente todos possuem RDPC superior à contribuição mínima mensal (R$ 25,50 estipulados para os segu- rados facultativos sem renda própria, valor que corresponde a 5,0% do salário mínimo vigente em julho de 2010) e ao limite de renda do PBF para a identificação dos cidadãos vivendo em pobreza extrema (R$ 70,00); 1,3% possuem RDPC inferior a um quarto do salário mínimo (julho de 2010), critério imprescindível para o recebimento do BPC-LOAS; cumulativamente, 2,3% possuem RDPC inferior ao limite de renda do PBF para a identificação dos cidadãos vivendo em situação de pobreza (R$ 140,00); e, finalmente, 12,7% estão abaixo da linha de pobreza mais comumente utilizada no Brasil, definida em meio salário mínimo mensal per

capita. No segundo grupo (desprotegidos sem capacidade contributiva), evidentemente mais

vulnerável, estas proporções assumem, respectivamente, os valores acumulados de 1,0%; 7,1%; 20,4%; 23,4%; 50,3%.

Mantido esse cenário, a estimativa de potenciais futuros contribuintes do RGPS assume contor- nos um pouco mais conservadores, capazes de refletir mais adequadamente as restrições financeiras com as quais se defrontam os trabalhadores que se encontram à margem da Previdência Social. O público de segurados potenciais do RGPS, dos quais se poderia esperar mais fortemente a adesão

às ações de incentivo à formalidade previdenciária, pode não se aproximar tanto do contingente de desprotegidos com rendimento igual ou superior ao salário mínimo, uma vez que sua renda domiciliar pode ser insuficiente para financiar, ao mesmo tempo, o sustento dos moradores do domicílio e a cotização previdenciária de um ou mais de seus membros. Ademais, vale lembrar que, muito embora os dados do Censo representem um retrato dos rendimentos habituais percebidos por estes indivíduos, os trabalhadores informais sofrem mais frequentemente com a volatilidade de sua renda, o que também dificulta sua adesão a qualquer programa que exija regularidade de aportes financeiros.

Também é relevante mencionar que outros fatores, como uma possível perda de atra- tividade do sistema previdenciário (seja em razão da percepção de riscos para sua sustenta- bilidade no longo prazo, seja em razão da preferência por outros mecanismos de proteção contra contingências) ou a pouca aversão aos riscos cobertos pelo mesmo, podem contribuir para que muitos trabalhadores sem vínculos laborais formais (para os quais a contribuição é obrigatória, mas não inevitável) optem pela não participação no RGPS. Neste grupo, para o qual a contribuição é quase autônoma, outra questão a ser ponderada é a oferta de benefícios não contributivos, que pode produzir desincentivos para o aporte individual mesmo quando há alguma capacidade contributiva. Ou seja, a superposição de benefícios previdenciários e assistenciais poderia resultar em taxas de cotização inferiores às potenciais. Paiva (2009), por exemplo, sugere a existência de tal situação no Brasil, onde a idade mínima de aposentadoria por idade (para a clientela masculina urbana) e o piso previdenciário coincidem como o valor monetário e com a idade mínima de acesso ao Amparo Assistencial para Idosos (BPC-LOAS). De qualquer maneira, em que pesem estas ressalvas, os dados sugerem que a informalidade e a insuficiência de rendimentos ainda consistem nos principais determinantes da desproteção. A lógica de seguro social, que perpassa o RGPS, não mais vincula os direitos previdenciários ao emprego formal clássico (como sabidamente o fez no passado), mas indubitavelmente sustenta uma forte associação entre a atividade laboral remunerada e a garantia de acesso a determinados elementos da proteção social. Esta é a rationale dos sistemas previdenciários em geral, e não apenas do modelo brasileiro. Ocorre que o Brasil se diferencia de grande parte dos demais países adeptos desta lógica em razão de seu quadro social mais frágil (no qual o desalento se manifesta mais fortemente) e da estrutura de seu mercado de trabalho (mais comprometida pelo trabalho informal e precário). Esta interação entre a composição do mercado de trabalho brasileiro e a organização e a estrutura de financiamento do RGPS pode ser bastante exclu- dente, limitando o acesso de uma parcela importante da classe trabalhadora a este importante componente da seguridade social.

Uma alternativa possível para esse problema é a inclusão ou expansão de mecanismos semicontributivos no âmbito do RGPS (em que já se observa esta flexibilização do caráter contributivo do sistema, uma vez que as cotizações feitas para diversos planos previdenciários são insuficientes para custeá-los adequadamente),18 embora esta estratégia tenha limites claros,

18. Ressalte-se que este descompasso entre contribuições e benefícios, lamentavelmente, não é exclusivo dos planos subsidiados e focados nos cidadãos de baixa renda. Persistem no Regime Geral de Previdência Social algumas regras que oferecem riscos à sustentabilidade do sistema (por serem atuariamente deficitárias) – como as que regem a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição (ATC) – e que nem mesmo se justificam pela ótica de justiça social.

dados pelas restrições financeiras da Previdência Social (que desde meados dos anos 2000 vem apresentando uma necessidade de financiamento expressiva) e do próprio Tesouro Nacional (que desde então tem feito aportes sistemáticos ao regime geral). Ademais, os dados levantados até aqui sugerem que parcela importante da PEA ocupada possui dificuldades severas – e, em alguns casos, intransponíveis – para vincular-se a políticas de natureza contributiva ou semi- contributiva, como a Previdência Social.

Isso significa que os esforços para expansão da proteção social no país devem apoiar-se na geração de melhores oportunidades no mercado de trabalho (o que já vem ocorrendo, como mostram os dados da seção anterior) e no desenvolvimento de políticas que garantam aos cidadãos mais vulneráveis as condições para aproveitá-las, mas também na integração e/ ou complementaridade entre políticas assistenciais (focalizadas) e previdenciárias (contribu- tivas e semicontributivas), de modo que as primeiras ocupem os espaços que as últimas não puderem alcançar. Estes caminhos já têm sido trilhados, mas avanços ainda são necessários para aperfeiçoar a rede de proteção social no país.

As principais estratégias de ação neste sentido, no âmbito federal, foram a instituição do Amparo Assistencial a Idosos e Portadores de Deficiências de baixa renda, benefício assistencial de transferência de renda garantido pela Constituição Federal como direito, e a implantação do Bolsa Família, programa que nasceu do aperfeiçoamento e da integração de diversas iniciativas preexistentes na linha das transferências condicionadas de renda. Se os Amparos Assistenciais têm se mostrado relevantes (ainda que não determinantes, dado que sua quantidade é limita- da diante da massa de benefícios pagos pelo RGPS) para a proteção da população idosa,19 o

PBF (entre outras funções) tem desempenhado o papel de oferecer algum grau de proteção à população desprotegida pela Previdência Social, proteção esta que chega diretamente a 9,2% dos ocupados desprotegidos pela Previdência Social e indiretamente a 27,7% deles (por meio de familiares beneficiários).

Em sua concepção, o Bolsa Família tem o propósito de aliviar a pobreza no curto prazo

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