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Desterritorialização

No documento OUTROS TEMPOS, OUTROS ESPAÇOS (páginas 164-166)

É nesse sentido que a Educação à Distância, ao trabalhar com metodologias não presenciais, coloca em confronto o local, o nacional e o internacional enquanto níveis distintos e indistintos. O aluno de EAD é ao mesmo tempo local e global.

(LEITE, 2001, p.33) A desterritorialização constitui-se como uma marca da Contemporaneidade, sendo efeito do aumento da mobilidade e da velocidade. Desterritorializar-se significa desenraizar- se, não estar preso ao território. A sociedade industrial estava baseada em grandes prédios, com pesados maquinários. A sociedade de serviços e de informação tem como referência a tecnologia digital e as redes, recursos desmaterializados, fluidos e desterritorializados. Com o progressivo uso de atividades a distância na educação, os prédios das instituições cederão seu papel para os ambientes virtuais de aprendizagem.

A EaD tem como característica principal o afrouxamento das amarras geográficas. A dispersão dos alunos torna imprevisível sua abrangência espacial. Nesse sentido, a EaD é uma forma desterritorializada de educação. Nessa modalidade, a desterritorialização funciona articulada com o que eu chamaria de descronometração, ou seja, não apenas uma ruptura dos laços que amarram ao lugar, como também daqueles que amarram a um determinado tempo objetivo e coletivo.

No contexto tradicional o ambiente de aprendizagem é constituído de salas, mesas, cadeiras, material didático, alunos e professores que interatuam conforme o entendimento desses sujeitos do que seja ensino-aprendizagem. Esse é um ambiente físico, estático, determinado a priori. O contexto de interação obedece as leis de tempo e espaço, sendo que a aula se dá durante um período de tempo estabelecido e no espaço determinado do que seja a sala de aula. Já a virtualização desse ambiente de aprendizagem implica, inevitavelmente, em compreender e coordenar as novas relações de tempo e espaço. O ponto de articulação entre professores e alunos não é mais a sala de aula e o tempo determinado para as aulas. O ambiente virtual de aprendizagem é um espaço puramente relacional criado pelas redes digitais e no qual é preciso aprender a se movimentar (VALENTINI; FAGUNDES, 2001, p.109).

Conforme Lemos (2006) “O ciberespaço cria linhas de fuga e desterritorializações, mas também reterritorializações”, cria novas territorialidades. O ciberespaço é sulcado e controlado pelas regras técnicas e pelos gerenciamentos institucionais. O uso dos ambientes de aprendizagem constitui-se numa reterritorialização, pois esse funciona como um lugar particular, localizado com um endereço preciso que o singulariza.

Segundo Wilson (1995), o conceito "ambiente de aprendizagem" prioriza a idéia de "lugar" ou "espaço" onde ocorre a aprendizagem. Isto é, pressupõe a presença de uma série de atividades e recursos na qual o aluno utiliza ferramentas, coleta e interpreta informações, recebe orientação e suporte e, em muitos casos, interage com outras pessoas. Para este autor, a metáfora de "espaço" para a compreensão deste conceito é especialmente interessante porque ela traz a imagem de um lugar aberto, onde os alunos podem explorar e definir suas próprias metas de aprendizagem (STRUCHINER et al., 1998, p.5).

Mas não são apenas os processos educacionais que se desvinculam do território com a EaD. As próprias instituições de ensino também se desterritorializam. Diversos aspectos administrativos são alterados quando já não é necessário alocar salas de aula e controlar horários, como mostram os excertos abaixo.

Um aspecto ainda mais complexo diz respeito ao fato da educação a distância requerer que as instituições alterem significativamente sua rotina de trabalho, como por exemplo: políticas e procedimentos de inscrição de alunos em disciplinas, horário de aulas, procedimentos de avaliação, formaturas e presença nas atividades de ensino (LEITE; SILVA apud NOGUEIRA, 2002, p.80).

A necessidade de ações espaciais, incorporando um número cada vez maior de "clientes" por parte das Instituições de ensino pode tornar-se mais eficaz, na medida em que, sem uma necessária correspondência física do espaço (construção de prédios e sua manutenção) utiliza-se de tecnologias para mediar e facilitar as ações espaciais e gerenciais das mesmas. [...]. As políticas atuais de EAD, sob influência das novas tecnologias de informação e comunicação no universo das redes, modificam as formas tradicionais de comunicação reestruturando as políticas espaciais destinadas à sua implantação, desse modo, exigindo mudanças nas formas convencionais de organização e gerenciamento do espaço e do tempo nas universidades (MENEZES, 2001, p.72-73).

Um aspecto ainda mais complexo diz respeito ao fato de a EAD requerer que as instituições alterem significativamente sua concepção de educação, suas políticas e procedimentos para criação e desenvolvimento de cursos, sistemas de avaliação, etc. Enfim, implica em mudanças nos processos que envolvem a implantação e o desenvolvimento de cursos, para que se possa atuar no campo da EAD (PAULA; FERNEDA; CAMPOS FRILHO, 2004, p.2).

A EaD reestrutura não apenas práticas docentes e discentes, mas o próprio desenho institucional. À medida que as atividades a distância avancem, as instalações das instituições educacionais poderão ser reduzidas, o que talvez resulte na venda de prédios e até mesmo mudanças de localização. Tais transformações afetariam toda a região vizinha, modificando as relações sociais e econômicas.

A desterritorialização promovida pela EaD traz dificuldades de ordem legal: como legislar sobre algo que não conhece fronteiras e que está se tornando independente do território?

A regulamentação de tais cursos que utilizam a EAD, porém, implica em enfrentar desafios que vão desde "normatizar sem tolher a criatividade" até o "estabelecimento de critérios" que permitam superar o impasse atual que restringe a autorização de funcionamento de cursos e a distância dos limites territoriais de jurisdição do Sistema Educacional, sejam eles Estaduais, Nacionais ou Internacionais. [...]. A alteração mais substancial, no entanto, e que tem implicações tanto no campo jurídico quanto no campo educacional, diz respeito aos conceitos de tempo e espaço tradicionais rompidos pela EAD. Os itens de informação transmitidos pela Rede não possuem forma material estável no tempo e no espaço e circulam, principalmente, de modo anônimo e desregulado, ignorando, muitas vezes, fronteiras e escapando da legislação e da jurisdição nacional (LEITE, 2001, p.30-31).

A EaD ao desterritorializar os processos educacionais transforma a noção de região geo-educacional. Se a educação presencial circunscreve o público da instituição a indivíduos que habitem a uma proximidade que permita seu deslocamento freqüente, cursos com atividades a distância ampliam cada vez mais esse raio de ação. Na situação limite, em que a educação acontece totalmente a distância, a única barreira que ainda restaria seria referente à língua. A desterritorialização da educação promovida pela EaD está produzindo, também, uma percepção de aniquilamento do espaço.

No documento OUTROS TEMPOS, OUTROS ESPAÇOS (páginas 164-166)