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Formações Não-lineares

No documento OUTROS TEMPOS, OUTROS ESPAÇOS (páginas 183-192)

Quando pensamos na manipulação e representação de documentos educacionais, o hipertexto assume importância fundamental.

(AMORIM et al., 2002, p.11) O currículo moderno, uma invenção do século XVI, pressupunha uma uniformização nos conteúdos a serem aprendidos pelos alunos. O ideal pansófico de Comenius (2002) tinha como fundamento ensinar tudo a todos. O entendimento do que fosse “tudo” resultava num recorte que determinava o que devia ser ensinado não apenas em uma turma, mas em todas as escolas. O currículo deveria ser construído por especialistas que iriam prescrever o que, como e quando ensinar. Esse modelo foi bastante utilizado até o século XX e ainda pode ser encontrado em muitas instituições de ensino.

A escola tradicional funciona utilizando uma grade disciplinar, com a distribuição de conteúdos a serem ministrados, que devem ser estudados por todos os alunos de uma turma, na mesma ordem e ao mesmo tempo. Para Veiga-Neto (2002), as mudanças de percepção do tempo estão relacionadas à compreensão da impossibilidade de um mundo isótropo, idealizado na Modernidade para dar conta da luta por igualdade e justiça. Um mundo entendido como anisótropo coloca impasses tanto no âmbito da produção, quanto na concepção de currículo, tendo como efeito a flexibilização.

Conforme Santomé (1998), a escola pautada na grade curricular é contemporânea da produção fordista. Partindo da noção de implicação mútua entre sociedade e escola, podemos perceber que tanto a linha de montagem quanto a grade curricular são estruturas rígidas, que tomam para seu funcionamento um tempo coletivo e objetivo, entendido como possível de ser geometrizado e seccionado em etapas e horários. Na década de 80, o sistema produtivo passa por mudanças, cuja principal característica é a flexibilidade. O trabalho celular começa a ser substituído pelo trabalho em equipe, as plantas industriais podem ser rápida e facilmente modificadas, novos conceitos administrativos, como produção enxuta e reengenharia, reduzem as necessidades de estoque e de mão-de-obra. O setor de serviços cresce em importância, colaborando na flexibilização do trabalho. O tempo fica cada vez mais liso e subjetivo, as etapas foram borradas. A percepção do tempo está sendo modificada. Também as propostas pedagógicas estão imbricadas com essa mudança (SANTOMÉ, 1998). Na década de 80 começa a surgir o conceito de flexibilização curricular, que compreende tanto a possibilidade das instituições elaborarem seus programas com maior autonomia, quanto a possibilidade dos próprios alunos intervirem nos caminhos de sua formação.

Frente a essas transformações, alguns autores vêm defendendo a necessidade de mudanças na Educação, para torná-la mais compatível com as capacidades cognitivas dos educandos. O currículo segmentado em disciplinas e organizado numa seqüência rígida não estaria atendendo e motivando os sujeitos hipertextuais que estão se constituindo na sociedade contemporânea. Não apenas os conteúdos disponíveis na internet devem ter uma geometria não-linear, que abra possibilidades de escolha e de personalização dos caminhos. Segundo esses discursos, existe a necessidade de reconfigurar o processo educacional, dando ao próprio currículo uma estrutura rizomática78.

A liberdade de escolha dada ao aluno na sua formação não apenas proporciona uma formação personalizada (ou customizada, expressão preferida pelo marketing), que atende os desejos individuais. Ela engendra um determinado tipo de subjetividade, que está alinhada com os modos de vida atuais. A liberdade de escolha na montagem do currículo é correlata à liberdade de escolha dos consumidores em relação a mercadorias e fornecedores. Segundo Veiga-Neto (2002), a liberdade de escolha confere mobilidade aos sujeitos. Como eu já havia

78 Rizoma é um conceito desenvolvido por Deleuze e Guattari (1995), na obra Mil Platôs. Os autores utilizam a metáfora de um tipo de vegetação aquática, que se desenvolve na superfície da água, não possuindo tronco ou caule, sendo totalmente ramificada. O rizoma opõe-se a idéia de hierarquia, pois ao contrário da estrutura de uma árvore, um rizoma, em tese, pode conectar qualquer ponto à qualquer outro ponto, oferecendo muitos começos e muitos fins.

escrito anteriormente, a liberdade parece ser uma das principais formas de governamento na Contemporaneidade.

A personalização dos caminhos que cada um seguirá em um determinado curso está sendo apontada como uma das vantagens da EaD. A estrutura hipertextual é uma ferramenta para proporcionar a flexibilidade necessária na disposição de conteúdos e na formatação do curso. O hipertexto vem colaborando para desconstruir a noção de um tempo linear. O seqüenciamento na realização de atividades ou na leitura de textos perde sentido quando é utilizada a geometria rizomática do hipertexto. Conforme eu já havia apontado, o hipertexto está articulado com a intensificação da percepção subjetiva do tempo e com a fragmentação do espaço.

A partir do momento em que o professor[-aluno] recebe sua senha tem acesso aos conteúdos deste curso que estão organizados em módulos, sem, contudo, qualquer exigência de hierarquia. O professor[-aluno] poderá fazer opções de tópicos segundo suas necessidades e interesses imediatos (COSTA; FAGUNDES; NEVADO, 1998, p.93).

Os conteúdos curriculares tiveram a sua organização e tratamento a partir das interações com o grupo, possibilitando multiplicidade de conexões (redes) e combinações livres (hipertextualidade). [...]. O ambiente estudado rompeu com a tradição e o preconizado pelo modelo pedagógico diretivo (empirismo) de abordagem linear dos conteúdos curriculares (VALENTINI; FAGUNDES, 2001, p.115).

A estruturação do conteúdo no ambiente da Católica Virtual não foi construído simplesmente "jogando" um texto na internet. O conteúdo foi tratado de forma agradável e hipertextual (SOUSA, 2002, p.8).

A importância que vem sendo conferida ao texto não-linear como forma de personalizar o aprendizado é tamanha que ultrapassa os limites do ciberespaço e impõe-se nas páginas de papel.

O MDI [material didático impresso] para educação a distância pode ser constituído por módulos independentes, permitindo ao aluno o seu estudo não seqüencial; a linguagem, menos formal e mais comunicativa; o texto, mais flexível, tratado como hipertexto, permitindo idas e vindas, novas buscas, itinerários de leitura diferenciados (AVERBUG, 2003, p.13).

Isso mostra que até mesmo as tecnologias mais antigas estão sendo ressignificadas. O material impresso não está desaparecendo, mas seu formato vem sendo readequado às atuais percepções espaço-temporais. Cada vez é mais freqüente encontrarmos textos com notas que lembrem hiperlinks. A busca de uma escrita que rompa com a linearidade, mesmo utilizando como suporte a impressão, meio que em muito colaborou para a construção da racionalidade moderna, vem sendo uma preocupação para diversos autores. Talvez se possa identificar essa intenção em obras bem anteriores ao aparecimento do hipertexto. O livro O Jogo da

Amarelinha, de Cortazar (1982), originalmente publicado em 1963, parece-me um dos melhores exemplos de uma escrita não-linear que antecede ao hipertexto. Isso pode ser observado nas duas possibilidades de leituras apontadas pelo próprio autor: a primeira seguindo os capítulos seqüencialmente e a segunda percorrendo um percurso indicado no início do livro e que se inicia no capítulo 73. As duas leituras como que formam dois livros distintos. Essa obra sinaliza que já na década de 60 o pensamento linear estava sofrendo abalos.

Segundo McLuhan (2003), a ruptura com o pensamento linear inicia-se muito antes da invenção da microinformática. O surgimento de uma forma de pensar que organiza as informações de modo linear, categorizado e hierarquizado está ligado à escrita alfabética. A popularização da leitura ocorrida com a invenção da imprensa insere o pensamento moderno numa geometria muito particular. A composição dos textos em linhas seqüenciais, sua divisão em parágrafos e capítulos produz uma representação de mundo com uma organização semelhante. Para esse autor, desde o surgimento dos primeiros meios elétricos de transmissão de informação, a saber, o telefone e o telégrafo, o processo de transformação desse modo de pensar já estava em curso. Argumentando no mesmo sentido, eu diria que, com a introdução na vida cotidiana de novos meios, cada vez mais velozes e fragmentados, o pensamento cada vez mais se fragmenta e perde a linearidade. Nosso modo de pensar está abandonando a geometria do texto impresso, organizado de forma linear, classificatória e visual, para tomar a forma do hipertexto, distribuída rizomaticamente, integrada, sem hierarquizações e multimidiático.

As transformações espaço-temporais e a tecnologia hipertextual estão contribuindo para modificar a concepção do tipo de material a ser utilizado nos processos educacionais, diferindo do entendimento moderno. Para Comenius (2002), a homogeneidade dos conteúdos e dos métodos de ensino deveria ser garantida pela adoção de livros escritos por especialistas com finalidade didática. O mesmo livro deveria ser adotado em todas escolas, garantindo que todos aprenderiam a mesma coisa, na mesma ordem e de modo simultâneo. Esse elemento de ligação entre todas as escolas foi chamado por Comenius de livro panmetodológico que, por sua finalidade didática, deveria ter características especiais, utilizando linguagem própria para a idade dos alunos a quem se destinava e impondo recortes ao conteúdo, de modo a adequar seu nível de complexidade à capacidade intelectual das turmas. Essa concepção perpassou boa parte do pensamento moderno e produziu os livros textos que são utilizados nas escolas (e universidades) até os dias de hoje. Contudo, o uso da internet abre acesso a uma imensa massa de informações que já não pode ser

recortada ou filtrada. Já não é possível ao professor ou à escola selecionarem o que deve ser utilizado como material de estudo.

É preciso registrar aqui, entretanto, que, se os textos disponíveis forem preparados para se adequar ao meio, sendo enriquecidos por estruturas de hipertexto, anotações, comentários, glossários, mapas de navegação, referências (links) para outros textos igualmente disponíveis, que possam servir como discussões ou complementos dos textos originais, a eficácia do ensino a distância aumenta consideravelmente (NOGUEIRA, 2002, p.82).

O livro didático se multiplica numa infinita rede de informações. A dificuldade agora não é ter um livro com informações completas, mas um “índice” que possa organizar e auxiliar a navegação nesse oceano.

Com a aprendizagem colaborativa, muitos usuários podem contribuir para um crescimento expressivo da base de dados que torna imprescindível um algoritmo de procura de conteúdo seguindo critérios definidos pelo usuário (AMORIM et al., 2002, p.15)

Para Bauman (2001), estamos vivendo numa época caracterizada por uma abundância de meios e por uma quase impossibilidade de decisão em relação aos fins. Atualmente, um dos desafios dos internautas, de um modo geral, e de alunos de EaD, especificamente, é como não se perder nas redes de hipertexto. Nesse emaranhado de infinitas vias, os mapas ptolomaicos parecem de pouca valia, pois os caminhos se abrem na medida em que se navega. Talvez os mapas do ciberespaço estejam mais próximos dos sensoriais mapas medievais do que dos objetivos mapas modernos. Nos artigos analisados, encontrei a expressão da preocupação com esses percursos livres, que podem fazer com as naus naufraguem numa navegação sem bússola ou mapa pelo ciberespaço.

A WWW é a mais flexível das abordagens existentes [...], mas sofre de um problema que tem afetado a maioria das aplicações da tecnologia de hipertextos: o usuário pode facilmente perder-se na rede de hipertextos. Assim, explorar a Internet deveria ser um esforço cooperativo dos estudantes: aqueles que participarem de um curso devem compartilhar suas explorações das facilidades da Internet e deixar que outros saibam quais abordagens de pesquisa levam a materiais úteis de forma mais produtiva (AMORIM et al., 2002, p.12).

A navegação por caminhos totalmente livres pode ocasionar problemas de compreensão de localização. Nossa premissa é que muitas vezes é aconselhável uma determinada ordenação para percorrer um conjunto de conhecimentos, o qual é construído gradativamente, tornando-se pré-requisito para conhecimentos posteriores (AMARAL et al., 2003, p.39).

Apesar dos artigos indicarem um desejo de ruptura com a ordem moderna, suas rotinas e seus rígidos currículos, persiste a idéia de que seja necessário um certo compartilhamento coletivo das práticas. A completa dispersão dos alunos tornaria impossível um mínimo controle sobre a aprendizagem e sobre os sujeitos. A aglutinação do

grupo em torno de alguns objetivos comuns continua sendo perseguida na EaD. O que muda é a forma como são constituídos e os sentidos que são atribuídos a esses objetivos. Eles são frágeis, contingentes e flexíveis. Ninguém mais supõe que seja possível estabelecer como objetivo geral e permanente ensinar tudo a todos (COMENIUS, 2002). A cada ano, a cada turma, os objetivos são reformulados. Já não são objetos rígidos, mas imagens holográficas. Os caminhos bem traçados pela pedagogia moderna estão dissolvidos em sulcos mutantes. A cada semestre, uma invenção (mais ou menos) coletiva dos percursos válidos naquele momento.

Todavia, o pensamento não-linear não se impõe pelo fato de existir uma tecnologia que tenha essa potencialidade. Estamos vivendo numa época de transição de comportamentos e sentidos. A maioria dos indivíduos ainda está bastante ligada à cultura do texto impresso, mantendo uma forte organização linear e hierárquica de pensamento. O excerto abaixo mostra que tal comportamento foi observado num curso a distância, em que o potencial do hipertexto não foi aproveitado pela maioria dos participantes.

Os módulos do curso, criados sem uma hierarquia tradicional em que um conteúdo é considerado pré-requisito do outro, foram lidos pelos inscritos, de modo seqüencial, tendendo a reproduzir a leitura linear a que estamos habituados: todos seguiram a leitura na ordem exata em que se encontravam dentro do "site" e responderam, às questões sugeridas nos "forms", de forma a atender inclusive a numeração das questões (COSTA; FAGUNDES; NEVADO, 1998, p.99)

Gostaria de observar que esse excerto é de 1998. Ou seja, esse curso aconteceu numa época em que muito poucos estavam habituados a utilizar a internet. Hoje, talvez já exista uma maior inserção na cibercultura por parte de alguns grupos. Creio que experiências atuais com grupos de jovens com grande familiaridade no uso da internet poderiam levar a uma conclusão diferente. Possivelmente a navegação não-linear estaria mais evidente.

Além de proporcionar a construção de roteiros de estudo personalizados, o hipertexto torna possível a interferência do leitor no texto original. Ele cria a

possibilidade de realizar anotações paralelas ao texto. Essas anotações, dependendo das interações realizadas, podem apresentar-se com uma riqueza maior que o próprio texto (MARTINS; AXT, 2004, p.46)

A possibilidade de o leitor intervir no texto não é nova. Muitos de nós, quando lemos um livro, fazemos marcas e anotações. A diferença é que esses comentários apresentam uma nítida distinção do original. Porém, antes do surgimento da imprensa, principalmente durante a escolástica, os manuscritos sofriam a intervenção e recebiam comentários que tornavam cada exemplar único. Essas intervenções eram incorporadas às cópias e a distinção entre o texto original e os comentários era bastante difícil. A própria atribuição da autoria se

perdia, sendo que muitos textos antigos são apócrifos ou de autoria discutível. A uniformidade e a repetibilidade dos textos só foram garantidas a partir do surgimento da imprensa. As primeiras impressões de livros clássicos e medievais foram feitas a partir da revisão dos manuscritos, comparando-se diversas versões, com a finalidade de retirar os comentários e anotações que não pertenciam à obra original (MCLUHAN, 2003). Assim como os antigos manuscritos, os recursos atuais também tornam possível a interferência do leitor no texto pela inserção de seus comentários de forma tecnicamente indistinguível do original, ou seja, leitor e autor se confundem e a noção de autoria empalidece. A Wikipedia (2006) —uma enciclopédia on-line elaborada coletivamente, na qual cada um colabora criando ou modificando verbetes para os quais se sinta qualificado— é o mais conhecido exemplo dessa nova forma de escrita. A noção de autoria fica enfraquecida nesse meio: em cada verbete não existe nenhuma identificação e os verbetes podem ser editados por outra pessoa diferente daquela que criou o texto original. As marcas da criação são encontradas num arquivo chamado histórico, que arquiva as versões anteriores do texto e o nick de quem alterou. Algo muito semelhante aos comentários dos manuscritos anteriores à imprensa, com a vantagem das sucessivas versões estarem reunidas. A avaliação de cada verbete é pública e realizada por meio de um arquivo chamado discussão. Ferramentas de escrita coletiva também têm sido utilizadas em atividades de cursos a distância.

O hipertexto, de fato, sugere toda uma nova gramática de possibilidades, uma nova maneira de escrever e narrar. O hipertexto, como recurso tecnológico mediado pela internet, é um instrumento pedagógico eficaz para o indivíduo construir seus sentidos e significar o mundo através de uma relação compartilhada, coletiva e social (PORTUGAL, 2004).

É necessário portanto possibilitar que as participações sejam discutidas, reformuladas, reescritas, dentro do próprio ambiente ou seja, juntamente com o texto produto deve haver o texto processo, que será o responsável pela construção (SEIXAS; VICARI, 2002, p.46).

Colocar os indivíduos numa rede de escrita hipertextual ensina muito mais do que conteúdos: ensina formas de comportamento e noções espaço-temporais. A escrita colaborativa faz com que cada um deva expor seus pensamentos a um regime de visibilidade coletiva. Além disso, o texto compartilhado não será a soma das colaborações individuais, mas o resultado de acomodações e negociações, abertas ou implícitas, dentro do grupo. O texto colaborativo empalidece a representação do autor e desloca sua função. Ainda que existam marcas apontando os sujeitos que foram responsáveis pela escrita, noto uma certa indiferença em relação a esse sujeito. Os leitores parecem dizer, junto com Foucault (1992, p.71) ,“que importa quem fala”. Observo esse enfraquecimento da função do autor nos textos

disponíveis na internet, em geral. Se a figura do autor surgiu na medida em que o sistema penal poderia punir os discursos transgressores (FOUCAULT, 1992), é possível que a condição atual da internet, que dificulta a localização e punição dos sujeitos que elaboram enunciados que transgridam a lei, esteja imbricada com o apagamento da função do autor. Grupos nazi-facistas, homofóbicos e pedófilos espalham suas idéias pela rede, sem limites de fronteiras nacionais, e, na maioria das vezes, não são punidos, pois é difícil localizá-los. Nesse contexto, “que importa quem fala”, se não posso alcançar o comunicante. Esse é um dos aspectos que pode estar imbricado com o enfraquecimento da posição de autor. Um segundo ponto, está na transformação do modo de circulação das informações. Ao contrário da tradição das mídias vendidas como mercadorias, é cada vez mais difícil cobrar pelos textos, imagens e sons que circulam na web. O enfraquecimento dos direitos ligados à autoria estaria apagando essa noção. Novamente se poderia pensar: se nada devemos ao autor, “que importa quem fala”.

Para Lévy (1993), as representações espaço-temporais, os estilos de saber e a forma de conhecer estão entrelaçados com o que ele chama de tecnologias intelectuais, ou seja, com as tecnologias que dão suporte à informação. Uma primeira revolução no pensamento humano teria acontecido na passagem das sociedades da oralidade primária para as sociedades onde a ênfase para guardar e transmitir informações estava na escrita linear. Acontece, então, um distanciamento entre a emissão e a recepção da mensagem, bem como a sua descontextualização. Nas sociedades orais, as únicas formas de transmissão dos saberes eram as narrativas e os cantos, o que limitava o que podia ser transmitido. Para auxiliar a memória eram desenvolvidas estratégias que ampliavam as associações e elaboravam a informação. Entre estas estratégias estava a criação de mitos. A transmissão dos saberes por meio da escrita torna possível uma maior objetividade e a formação de um imenso depósito de conhecimento. A escrita foi a condição que permitiu a formação de saberes teóricos e hermenêuticos e que conferiu uma suposta racionalidade ao pensamento humano.

Estaríamos agora passando por uma segunda revolução do pensamento (LÉVY, 1993), numa passagem de uma sociedade em que a transmissão de saberes era prioritariamente realizada através da escrita linear, para uma nova etapa em que a principal tecnologia da inteligência será a escrita hipertextual. Para esse autor, essa transformação terá efeitos muito mais radicais do que aqueles que ocorreram quando da introdução da escrita linear. Estamos apenas no início dessa transformação, mas já podemos prever que as formas de pensar serão cada vez mais não-lineares e invocarão cada vez um maior número de conexões. Nesse sentido, o pensamento estaria se tornando algo talvez mais parecido com o

que havia nas sociedades orais. Porém, se existem algumas semelhanças, as diferenças são ainda mais acentuadas. Ao contrário do que acontecia nas sociedades orais, a quantidade de informação que hoje está disponível é virtualmente ilimitada. A rede de associações tende a

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