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4. PUBLICIDADE E VIOLAÇÃO À IMAGEM-ATRIBUTO DE GÊNERO

4.4 ANÁLISE DA PUBLICIDADE ATENTATÓRIA À IMAGEM DE GÊNERO

4.4.2 Parâmetros e análise da publicidade de gênero

4.4.2.2 Discurso do ódio

Estabelecida a premissa anterior, passa-se a abordar os limites quanto às possibilidades de limitação do conteúdo da liberdade publicitária. Neste ponto, buscar-se-á um parâmetro máximo e outro mínimo, ou seja, quando o conteúdo certamente viola a igualdade de gênero e, de outro lado, quando não se é possível fazer tal afirmação, estabelecendo-se, assim, balizas para todo conteúdo que se situe entre os dois extremos. O primeiro deles, agora analisado, é referente ao discurso do ódio (hate speech), ao passo que o segundo será visto no tópico seguinte.

O discurso do ódio é aquela manifestação que, sendo mais que uma mera discordância ou implicação, “desvalorize, menospreze, desqualifique e inferiorize os indivíduos”, visando à exclusão de determinados grupos827. Este discurso, busca a propagação da discriminação do diferente828, impossibilitando o diálogo por desprezar o ponto de vista alheio, não permitindo uma coexistência pacífica em sociedade829.

O discurso do ódio, em razão do seu caráter deletério, costuma ser proibido ou severamente limitado nos diversos países do mundo, sendo os Estados Unidos uma exceção830. No Brasil, a sua vedação foi estabelecida no já referido caso “Ellwanger”, julgado

826 BISOL, Ana Lídia Weber. Representações de Gênero na Publicidade Turística. Dissertação (mestrado em

Letras). Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2004, p. 53.

827 SILVEIRA, Renata Machado da. Liberdade de Expressão e Discurso do Ódio. Dissertação (mestrado em

Direito). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007, p. 79-80.

828 FREITAS, Riva Sobrado; CASTRO, Matheus Felipe. Liberdade de Expressão e Discurso do Ódio: um exame

sobre as possíveis limitações à liberdade de expressão. Revista Sequência, Florianópolis, n. 66, 2013, p. 344.

829 SILVEIRA, op. cit., p. 110. 830

BARENDT, Eric. Freedom of Expression. In: The Oxford Handbook of Comparative Constitutional Law. Michel Rosenfeld, András Sajó (org.). Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 891. O autor destaca principalmente o caso RAV v. City of St. Paul, 505 U.S. 377, julgado pela Suprema Corte em 1992.

pelo STF em 2003831, relativo ao fato de o impetrante ter editado e publicado livros que “tinham como ponto em comum uma visão negativa acerca do povo judeu”832

. Na decisão do tribunal, ficou consignado que o direito à igualdade e à dignidade humana, bem como a vedação à discriminação, seriam fundamentos suficientes para justificar a limitação à livre manifestação833.

Neste trabalho, não se pretende aprofundar o tema. O objetivo da referência a tal parâmetro é afirmar que, se mesmo em relação ao exercício da liberdade de expressão propriamente dita, de caráter político, é vedada a propagação do discurso do ódio, ainda mais razão teria que ele também fosse vedado em relação à liberdade publicitária. Neste sentido, o “hate speech” funciona como um limite máximo, sendo possível afirmar que está em desacordo com a Constituição qualquer publicidade comercial que transmita conteúdo que vise ao desprezo contundente de qualquer dos gêneros, ainda que esta situação seja de difícil ocorrência834.

Campanhas cujos textos configurariam este discurso são as promovidas pela marca de produtos de limpeza “Bombril”835

. Além de estabelecer uma vinculação direta das mulheres aos deveres de limpeza doméstica836, a publicidade, de outro lado, é construída sobre a desvalorização do gênero masculino. Comparam-se os homens aos cachorros, em um sentido pejorativo837, afirmando-se que eles seriam toscos e pouco evoluídos838, “devagar”839, seres- humanos inferiores, com dificuldade para o serviço doméstico840, que são “tudo bobo”, com

831 STF, Tribunal Pleno, HC 82.424/RS, Rel. Min. Maurício Corrêa, julg. 17.09.2003. 832

MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 421.

833 STF, Tribunal Pleno, HC 82.424/RS, Rel. Min. Maurício Corrêa, julg. 17.09.2003, p. 133-134 e 284 do

acórdão.

834 O que é mais comum é a tentativa de encaixar determinada peça ou campanha no conceito de discurso de

ódio, embora tal atitude costume figurar como sendo descabida, conforme constata Luís Felipe Miguel em relação à publicidade da marca de lingerie “Hope” (Discursos Sexistas no Humorismo e na Publicidade: a expressão pública, seus limites e os limites dos limites. In: Cadernos Pagu, v. 41, 2013, p. 109-111).

835 A referência ao “texto” é porque a construção final, com nítida intenção de humor, dificulta – embora não

impossibilite – a verificação quanto à ideia de desejo de diminuição do gênero oposto. Contudo, considerando-se apenas o texto, ausente do devido contexto, a desvalorização dos homens resta patente.

836 O que, embora não se entenda configurar discurso do ódio, também estaria vedado pelo ordenamento jurídico,

conforme desenvolvimento que será apresentado adiante.

837

“Homem solta pelo, faz xixi no chão e eventualmente até baba. Praticamente um cachorro. Por isso, minha amiga, você que é um ser-humano superior e evoluído, tem que adestrar o seu homem para que ele se comporte direito (...) pisou na bola, é jornalada na fuça, que comigo é assim” (BOMBRIL. Adestramento, 2011. In:

Youtube, 11 mar. 2011. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=X_820G5F61g>. Acesso em 10

nov. 2015).

838 BOMBRIL. Homem das Cavernas, 2011. In: Youtube, 11 mar. 2011. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=5sOQghIgLH0>. Acesso em 10 nov. 2015.

839 BOMBRIL. Comparação, 2015. In: Youtube, 31 jul. 2015. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=PdllP358nAI >. Acesso em 10 nov. 2015.

840 BOMBRIL. Inveja, 2011. In: Youtube, 11 mar. 2011. Disponível em:

pouca utilidade841, subordinado à mulher no âmbito da casa842, que as mulheres fazem tudo “um pouquinho melhor” que os homens843

e que eles só entendem a mensagem em forma de ordem e não de conversa844.

Salienta-se que a publicidade que veicula discurso do ódio, no entanto, não se confunde com a “publicidade chocante” (Schockwerbung), entendida como aquela que veicula imagens fortes, chocantes, intimamente relacionadas a posições políticas e juízos de valor sobre questões sociais, como restou caracterizado no caso “Benetton”, julgado pelo Tribunal Constitucional alemão, que entendeu pela licitude da conduta845.