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4. PUBLICIDADE E VIOLAÇÃO À IMAGEM-ATRIBUTO DE GÊNERO

4.1 VINCULAÇÃO DOS PARTICULARES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

4.1.2. Eficácia indireta

A teoria da eficácia indireta ou mediata foi desenvolvida de forma mais incisiva por Günter Dürig, a partir de 1953582, tendo se consagrado como a doutrina dominante na Alemanha583. Através dela, a vinculatividade dos direitos fundamentais recairia prima facie sobre o legislador, o qual estaria obrigado a conformar as relações particulares em observância àquelas normas584. Neste sentido, a chamada eficácia horizontal não implicaria aceitar o particular como imediatamente vinculado ao cumprimento dos direitos

577 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais e Relações entre Particulares. Revista Direito GV, v. 1, n.

1, 2005, p. 176-177. O autor utiliza como exemplo o caso dos realities shows, onde, a despeito da imensa desigualdade entre as grandes emissoras e os indivíduos, o que deve prevalecer é a análise da “sinceridade” no exercício da autonomia privada.

578 Não se trata, contudo, de “baixar a guarda” em relação à vinculação do Estado, mas sim, reconhecer que as

normas de direitos fundamentais, como qualquer norma constitucional, vincula a todos (BAQUER, Lorenzo Martín-Retortillo. Los Derechos Fundamentales y La Constitución. Zaragoza: El Justicia de Aragón, 2009, p. 310).

579George Marmelstein, ao contrário, afirma que a natureza desses direitos é ser um instrumento contra o Estado

(Curso de Direitos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 235). Contudo, a afirmação do autor é feita quando se analisa a possibilidade de titularidade de direitos fundamentais por pessoas jurídicas de direito público.

580 Com base na lição de Norberto Bobbio – quem afirma que o problema mais relevante dos direitos do homem

não é tanto de justificá-los, mas sim protegê-los (A Era dos Direitos. Nova ed. Carlos Nelson Coutinho (trad.). Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 23) – é possível sustentar que a teoria dos direitos fundamentais deve evoluir para a forma que melhor atinja sua finalidade, que melhor aplique o conteúdo das normas e que melhor proteja os cidadãos.

581 SARLET, op. cit., p. 376.

582 STEINMETZ, Wilson; MARCO, Cristhian Magnus de. A Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais na

Teoria de Robert Alexy. Revista da AJURIS, v. 41, n. 134, 2014, p. 512.

583 CUNHA JR., op. cit., p. 620. 584 CANOTILHO, op. cit., p. 448.

fundamentais585, o que ocorreria apenas de forma indireta586. Para Dürig, diversos direitos fundamentais não seriam aplicáveis ao âmbito privado; por exemplo, o direito à igualdade obstaria o exercício da doação ou da escolha testamentária587. Ademais, os direitos fundamentais teriam efeitos relativizados no âmbito privado, em favor do direito à autonomia privada588 – mandamento contido na constituição589.

Ao defender seu posicionamento, Dürig sustentou que os direitos fundamentais atuam na esfera privada através dos princípios, cláusulas gerais ou conceitos indeterminados contidos no Burgerliches Gesetzbuch (BGB) (Código Civil) que dependam de concretização valorativa590, em três “graus de intensidade”: a) o primeiro está relacionado à uma função interpretativa, de “mero aclaramento”, que explica o sentido para aplicação de um conceito mais abstrato em um caso particular, o que pode ser “bem retórico, por invocação de ideias de valores”591

; b) o segundo (mais raros) volta-se para casos mais incomuns, onde malgrado exista proteção legal – ou seja, não há lacuna –, eles possuem algumas particularidades que requerem uma “interpretação aguçada pelos valores”, ou seja, atuação mais incisiva do direito fundamental para manter a compatibilidade do direito privado com as normas constitucionais592; c) por último, nos casos “mais raros”, onde haveria lacuna legislativa que não concretiza no âmbito jurídico privado a proteção do direito fundamental, seria possível a excepcional atuação supletiva pela norma constitucional593 – neste último sentido, a proposição de Dürig significa uma aproximação com a teoria da eficácia direta594.

Na Alemanha, a teoria da eficácia indireta foi consagrada pelo Tribunal Constitucional após o julgamento do caso “Lüth”595

, em 1958, ainda que outros desenvolvimentos tenham sido feitos posteriormente. Por exemplo, Claus-Wilhelm Canaris afirmou, sobre o tema, que os direitos fundamentais deveriam ser vistos não apenas como vedação à intervenção

585 ALEXY, op. cit., p. 538.

586 SCHWABE, Jürgen; MARTINS, Leonardo (org.). Cinquenta Anos de Jurisprudência do Tribunal

Constitucional Alemão. Beatriz Hennig et al. (trad.). Montevidéu: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2005, p.82-83, 86.

587

DÜRIG, Günter. Direitos Fundamentais e Jurisdição Civil. Luis Afonso Heck (trad.). In: Direitos

Fundamentais e Direito Privado: textos clássicos. Luis Afonso Heck (org.). Porto Alegre: Fabris, 2011, p. 27.

588 Ibidem, p. 35. 589 Ibidem, p. 42. 590

Ibidem, p. 35.

591 Ibidem, p. 36-37.

592 Ibidem, p. 37-38. O autor exemplifica que seria ilícito “um contrato de não alugar habitações para judeus,

uma deserção testamentária para o caso do casamento com um ‘não-ariano’ (...) a não-aplicação do principio da igualdade de tratamento jurídico-trabalhista em mulheres somente por causa da qualidade feminina (...)”.

593 Conforme constatado por: WALT, Johan van der. The Horizontal Effect Revolution and the Question of

Sovereignty. Berlim: De Gruyter, 2014, p. 207-208.

594 Ibidem, p. 212. 595

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Direito Privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Boletim Científico da Escola Superior do Ministério

(abstenção), mas em seu efeito de reclamar o dever de proteção estatal (prestação) que vincularia o legislador privado a positivar normas de defesa596, orientando o legislador no momento da elaboração das normas legais597.

Portanto, de forma resumida, a teoria referida assenta que os direitos fundamentais, em relação aos particulares, atuariam de três formas principais. Uma delas é através da vinculação do legislador, exprimindo essas normas constitucionais na legislação comum, a qual deve tutelar os interesses dos particulares de forma protetiva, especialmente daqueles que se encontram em posição de desvantagem598. A segunda forma de utilização dos direitos fundamentais nas relações privadas seria que, em havendo legislação, esses direitos exerceriam um “efeito de irradiação” sobre as normas infralegais, especialmente em relação às cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, fazendo com que o seu conteúdo seja atualizado e conformado de acordo com a constituição599. Apenas em casos raros, de ausência de legislação sobre determinada questão, seria possível uma atuação mais direta dos direitos fundamentais.

4.1.3 Vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no ordenamento