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4. PUBLICIDADE E VIOLAÇÃO À IMAGEM-ATRIBUTO DE GÊNERO

4.3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO CONTEXTO DA PUBLICIDADE VOLTADA AO

4.3.1 Publicidade no âmbito consumerista

Anteriormente já foi definido que o conceito de “publicidade” neste trabalho tem sempre um caráter transindividual. Contudo, seu escopo não é abordar todas as peças e campanhas que possuam esta característica, mas apenas aquelas que estão inseridas em uma lógica comercial, voltada ao mercado de produtos e serviços. Não está abrangida, assim, a publicidade de associações de classe, de entidades filantrópicas que não atuam no âmbito de consumo, da maioria das instituições públicas678, dentre outras. Esta demarcação é estabelecida porque, conforme será demonstrado, a atuação dos agentes econômicos, inclusive no âmbito publicitário, possui restrição diferenciada – ainda que todos os anteriores venham a se utilizar das mesmas técnicas de publicidade679. Neste sentido, é possível que alguns resultados a serem atingidos neste trabalho não sejam necessariamente aplicáveis às publicidades não comerciais.

Feita esta constatação, passa-se a definir o que é atuar no mercado de consumo em relação à publicidade. Sobre este tema, percebe-se que a legislação ordinária conformou o texto constitucional, positivando definições. Para estabelecer a abrangência das normas consumeristas, o CDC adotou diversos dispositivos que se complementam680, de forma a

678 A ressalva consubstanciada no termo “maioria” tem por base a existência, por exemplo, de empresas públicas,

que estão inseridas no mercado de consumo e são abrangidas por este trabalho.

679

GOFFMAN, Erving. Gender Advertisements. Nova Iorque: Harper Torchbooks, 1987, p. 27.

680 Assim está disposto: “Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou

serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material

ampliar o campo de incidência das normas protetivas681. A definição de consumidor importa a existência dos elementos subjetivo, objetivo e teleológico682. O elemento subjetivo encontra- se demarcado pela necessidade de existência de ao menos uma pessoa, seja ela física ou jurídica683. Contudo, o elemento subjetivo mais relevante para este trabalho, em razão de sua perspectiva transindividual, é evidenciado pela possibilidade de uma coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, figurar como consumidora (art. 2º) para fins jurídicos, não sendo necessário nem mesmo a identificação de um consumidor real que efetivamente foi prejudicado pela prática e deseja insurgir-se contra ela684.

Esta ideia é complementada pela previsão do art. 29, que estabelece que todas as pessoas, ainda que indetermináveis, atingidas por práticas comerciais – expostas à oferta, publicidade, práticas abusivas, cobradas em dívidas e as incluídas em bancos de dados – estão protegidas no âmbito consumerista, independentemente de vir ou pretender adquirir qualquer produto ou serviço ou de que seja firmada qualquer relação jurídica concreta685. O consumidor, contudo, não é o único a figurar no vínculo, devendo-se perceber a ligação consumerista sob um prisma relacional, estando do outro lado o fornecedor de produtos ou serviços686. Neste ponto, o CDC objetivou dar a mais ampla proteção possível ao consumidor, abarcando vasto espectro de relações, bem como de sujeitos que são considerados fornecedores687. É fornecedor “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados” (art. 3º) que atue em qualquer etapa da

ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (...) Art. 17. Para os efeitos desta Seção [II - Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço], equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento (...) Art. 29. Para os fins deste Capítulo [V – Das Práticas Comerciais] e do seguinte [VI – Da Proteção Contratual], equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

681 CAMPOS, Maria Luiza de Saboia. Publicidade: responsabilidade civil perante o consumidor. São Paulo:

Cultural Paulista, 1996, p. 199.

682 AMARAL, Luiz Otavio de Oliveira. Teoria Geral do Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010, p. 98.

683 Ibidem, p. 98. 684 Ibidem, p. 98-99. 685 LOPES, op. cit., p. 165. 686

Salienta-se a lição de Cláudia Lima Marques: “Um civil frente a outro civil será uma relação puramente de direito civil; o mesmo civil frente a um empresário, ou fornecedor, será uma relação de consumo; e este empresário ou profissional (...) se frente a outro empresário ou profissional, será uma relação empresarial (...)”. (BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito

do Consumidor. 5. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 90).

687 Destaca Rizzatto Nunes (Curso de Direito do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 90) que

cadeia de atividades relativas a produtos e serviços688. A referência a estes bens consubstancia o elemento objetivo689.

Um aspecto fundamental na definição de produtos e serviços é a remuneração. Sobre o tema, destaca-se que ela não precisa ser feita de forma direta para que se caracterize a relação de consumo, sendo possível que haja a remuneração de modo indireto, ou seja, “quando não é o consumidor individual que paga, mas a coletividade (facilidade diluída no preço de todos) ou quando ele paga indiretamente o ‘benefício gratuito’ que está recebendo”690

. Portanto, a mera gratuidade não significa que não há remuneração, como acontece com os programas de fidelidade de empresas aéreas691.

O terceiro elemento da relação de consumo, o teleológico, consiste na exigência de que a pessoa que adquire o produto ou serviço o faça enquanto destinatária final (art. 2º) da cadeia produtiva, e não para transformá-lo ou reinseri-lo no mercado de consumo692. Embora a regra seja de considerar consumidor o destinatário final fático e econômico do bem, a doutrina693 e a jurisprudência do STJ694 tem defendido a teoria do chamado finalismo aprofundado, que amplia o conceito literal do art. 2º do CDC, reconhecendo a possibilidade de existir relação de consumo na aquisição de produtos e serviços que são utilizados na cadeia produtiva, observando sempre a existência de vulnerabilidade no caso concreto, no caso do destinatário pessoa jurídica695.

A exposição feita demonstra que as pessoas físicas ou jurídicas que comercializam produtos ou serviços no mercado de consumo e utilizam da publicidade para suas atividades estão abarcadas pelos parâmetros fixados neste trabalho696, ainda que a peça ou campanha

688 O próprio art. 3º traz a amplitude das atividades: “(...) de produção, montagem, criação, construção,

transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Em relação aos serviços, estes não podem ser de caráter trabalhista (art. 3º, §2º).

689 AMARAL, op. cit.p. 99.

690 CALDEIRA, Patrícia. Caracterização da Relação de Consumo: conceito de consumidor/fornecedor. teorias

maximalista e finalista. análise dos artigos 1º a 3º, 17 e 29 do CDC. In: Comentários ao Código de Defesa do

Consumidor. Marcelo Gomes Sodré, Fabíola Meira, Patrícia Caldeira (Org.). São Paulo: Verbatim, 2009, p. 31-

32.

691 BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do Consumidor: à luz da jurisprudência do STJ. 4. ed.

rev. atual. ampl. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 76.

692 AMARAL, op. cit, p. 100. Assim, é consumidor toda pessoa que seja a destinatária final fática e econômica

do bem (FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 9. ed. rev. ampl. sist. atual. São Paulo: Atlas, 2007, p. 26).

693

BENJAMIN; MARQUES; BESSA, op. cit., p. 97; AMARAL, op. cit., p. 104-106.

694 A exemplo, REsp 733.560-RJ. Terceira Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. julg. 11.04.2006; e AgRg nos

EDcl no REsp 866.389-DF. Rel. Min. Sidnei Benetti. julg. 19.06.2008).

695 BENJAMIN; MARQUES; BESSA, op. cit., p. 97; AMARAL, op. cit., p. 94. 696

Em sentido semelhante, Paulo Sergio Cornacchioni define publicidade comercial como “toda forma de comunicação social massificada tendente a persuadir o maior número de pessoas ao consumo de determinado produto ou serviço” (Liberdade de Expressão Não Protege Propaganda. Revista Consultor Jurídico, 07 mar.

analisada não esteja voltada à venda de um produto, podendo, por exemplo, ter apenas a finalidade de trabalhar a imagem da empresa.