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Vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no ordenamento jurídico

4. PUBLICIDADE E VIOLAÇÃO À IMAGEM-ATRIBUTO DE GÊNERO

4.1 VINCULAÇÃO DOS PARTICULARES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

4.1.3 Vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no ordenamento jurídico

Conforme foi referido, as doutrinas da eficácia “direta” e “indireta” da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais foram desenvolvidas de forma mais intensa na Alemanha, pelo que a posição adotada lá não necessariamente seria a aplicável aqui. Com efeito, a teoria que lá é dominante, da eficácia indireta, no Brasil corresponde à doutrina minoritária, sendo poucos os defensores da aplicação dela600, a exemplo de Dimitri Dimoulis

596 CANARIS, Claus-Wilhelm. Grundrechte und Privatrecht. In: Archiv für die civilistische Praxis, v. 184, n. 3,

1984, p. 245-246.

Entendendo-se que há também vinculação à observância dos direitos fundamentais por parte do juiz que decide uma questão privada, tendo em vista ser ele órgão estatal, não se observa diferença relevante entre a teoria dos efeitos indiretos e direitos, levando-se em consideração que caso se entenda que o juiz também viola direitos fundamentais ao não aplicá-los no caso concreto, “isso pressupõe a existência de um direito definitivo” de uma das partes sobre a outra, a qual é derivada de um direito fundamental (ALEXY, op. cit., p. 540).

597

SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 172.

598 DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 105. Esta perspectiva está, portanto, mais relacionada à dimensão

objetiva dos direitos fundamentais (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. 9. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 168; CUNHA Jr., op. cit., p. 617).

599 DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 105-111.

e Leonardo Martins601. Os autores advogam contra o reconhecimento do particular como vinculado diretamente aos direitos fundamentais, sugerindo situações privadas que não observam direitos fundamentais602. Contudo, se em uns casos, alguns direitos fundamentais parecem não ser aplicáveis às relações privadas, em outros tantos eles serão603. Assim, a constatação de um direito fundamental, faticamente, só poder ser oposto ao Estado e não a um particular não permite afirmar que tal condição é afeta a todos os outros direitos604.

Leonardo Martins sustenta ainda que a existência de eficácia horizontal direta acarreta uma constitucionalização do ordenamento jurídico, caracterizado pelo “desaparecimento gradual da fronteira entre o direito constitucional e o resto do ordenamento jurídico, sobretudo o direito privado,” afirmando ainda que tal situação não preserva a autonomia da vontade605

. Entretanto, sobre este posicionamento, Alexy afirma que citar a autonomia privada como forma de impedir os efeitos perante terceiros é uma deficiência da discussão, visto este é só mais um princípio constitucional, que também está sujeito à ponderação606.

Observando a Constituição brasileira, pode-se perceber que alguns direitos fundamentais têm seu principal campo de atuação exatamente por meio de vinculação direta dos particulares, como é o caso da defesa do consumidor607 ou das normas trabalhistas608. Por este motivo, Daniel Sarmento sustenta que, analisando a Constituição brasileira, não é possível aceitar doutrinas que somente são possíveis frente a textos constitucionais estrangeiros609. Na doutrina pátria, a ideia de vinculação direta dos particulares encontrou solo fértil em diversos campos do direito, como o processual, o trabalhista e o societário610. Dirley

601

DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 111. Conferir também: SCHWABE, Jürgen; MARTINS, Leonardo (org.). Cinquenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão. Beatriz Hennig et al. (trad.). Montevidéu: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2005, p. 82-83, 86.

602 DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 63. 603

NIPPERDEY, Hans Carl. Direitos Fundamentais e Direito Privado. Waldir Alves (trad.). In: Direitos

Fundamentais e Direito Privado: textos clássicos. Luis Afonso Heck (org.). Porto Alegre: Fabris, 2011, p. 64-

65).

604 BAQUER, Lorenzo Martín-Retortillo. Los Derechos Fundamentales y La Constitución. Zaragoza: El Justicia

de Aragón, 2009, 311.

605 SCHWABE; MARTINS, op. cit., p. 95-96.

606 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Virgílio Afonso da Silva (trad.). São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 540.

607

BAQUER, op. cit., p. 312. Veja-se, por exemplo, o direito ao décimo terceiro salário (art. 7º, VIII).

608 DÍEZ-PICAZO, Luís Maria. Sistema de Derechos Fundamentales. 3. ed. Pamplona: Thomson Civitas, 2008,

p. 158. Veja-se, por exemplo, o direito à proibição ao trabalho normal superior a oito horas diárias (art. 7º, XIII).

609 O autor, assim, afasta da aplicação à Constituição brasileira as teses dominantes em outros países, como os

Estados Unidos, que praticamente exclui a aplicação dos direitos fundamentais sobre as relações privadas, e a Alemanha, que sustenta a eficácia mediata (SARMENTO, op. cit., p. 279).

610 Respectivamente: DIDIER Jr., Fredie. O Direito Fundamental ao Devido Processo Legal e a Exclusão do

Sócio: notas ao art. 57 do Código Civil, p. 47-52; PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. A Aplicabilidade Direta dos Direitos Fundamentais nas Relações de Emprego Dentro do Novo Paradigma do Mundo do Trabalho, p. 29- 46; MARTINS, Irena Carneiro. Os Direitos Fundamentais, as Responsabilidades do Acionista Controlador e o Caráter imperativo do Artigo 116, parágrafo único, da Lei das S.A, p. 53-62; todos os artigos presentes in:

da Cunha Jr. chega a sustentar que a adoção da teoria da eficácia direta no Brasil não é nada mais que a aplicação do art. 5º, §1º, da Constituição, ao determinar a aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais611. Seria, portanto, semelhante à Constituição portuguesa, que prevê expressamente a vinculação das entidades privadas612.

Deste modo, conforme já referido, embora alguns direitos fundamentais não possam, por sua gênese, vincular os particulares – a exemplo do direito de ação (art. 5º, XXXV) – é possível afirmar que, na medida de sua compatibilidade com as relações privadas, as normas de direitos fundamentais estabelecem direitos subjetivos para os cidadãos, ainda que haja diferente amplitude e intensidade em relação à vinculação estatal613. No Brasil, portanto, a teoria que melhor se ajusta aos preceitos constitucionais é a da eficácia direta614. De forma mais consistente, o Estado sempre é e os particulares por vezes são – a depender do direito em espécie615 – destinatários dos direitos fundamentais. Não que tal vinculação se dê do mesmo modo, quanto às mesmas funções ou na mesma intensidade, havendo mais relevância sobre este tema em relação a determinados direitos616.

No que se refere ao objeto deste trabalho, contudo, a discussão acerca da adoção da teoria da eficácia direta ou indireta não tem maiores repercussões, sendo possível chegar à mesma conclusão partindo de uma ou outra premissa, tendo em vista que o debate mais relevante acerca da utilização de uma ou outra doutrina ocorre quando determinado conflito jurídico, havido entre particulares e que envolva bens tutelados por normas de direitos fundamentais, não se encontra regulado por nenhum dispositivo infraconstitucional.

No presente caso, a adoção de uma ou outra teoria possibilita ou a aplicação direta dos direitos fundamentais à igualdade e à imagem ou a leitura constitucional do dispositivo que veda a publicidade consumerista discriminatória (art. 37, §2º617). Considerando este dispositivo possui conceito indeterminado, a escolha entre uma ou outra teoria não se faz de

Direitos Fundamentais e Reflexos nas Relações Sociais. Rodolfo Pamplona Filho, Salomão Resedá (org.).

Salvador: Paginae, 2010.

611

CUNHA JR., Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. rev. ampl. atual. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 621.

612 Dispõe o art. 18, 1: “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são

directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”.

613

SARLET, op. cit., p. 248-251.

614 MARETTI, Luis Marcello Bessa. A Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares.

Revista de Direito Público, Londrina, v. 5, n. 3, 2010, p. 90.

615 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais

na perspectiva constitucional. 10. ed. rev. atual. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 376.

616 Por exemplo, Canotilho afirma que a discussão é especialmente relevante em relação ao direito à igualdade

(op. cit., p. 432).

617 Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva (...) § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade

discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

maior relevância. Contudo, a exposição feita possui importância por dois motivos: para fundamentar uma ou outra teoria que permita ou a incidência direta do direito fundamental ou sua entrada no direito privado através dos conceitos indeterminados; para possibilitar a aplicação do desenvolvimento que foi feito aqui a situações que, a princípio, não estariam sob incidência do CDC, a exemplo das publicidades institucionais, por atuação direta dos direitos fundamentais.