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4. PUBLICIDADE E VIOLAÇÃO À IMAGEM-ATRIBUTO DE GÊNERO

4.2 A PUBLICIDADE E SUA INFLUÊNCIA SOCIOCULTURAL

4.2.2 Publicidade e sua influência sociocultural

Um aspecto fundamental da publicidade a ser abordado neste trabalho é sua influência na sociedade, notadamente sua possibilidade de conformar comportamentos. Embora a ideia básica de persuadir indivíduos a adquirirem mercadorias tenha acompanhado toda história da humanidade onde havia comércio640, foi no século XX que ela expandiu-se para influenciar de forma mais incisiva a vida social641. A publicidade transcendeu o âmbito da venda de produtos e serviços e passou a abarcar também outros campos, a exemplo da política e do meio artístico642, havendo quem entenda que atualmente ela estaria assumindo o lugar de “quarto poder” tradicionalmente atribuído à imprensa643

, inclusive por ter se tornado o principal meio de suporte econômico às mídias de massa644, as quais, por vezes, curvam-se à ética do consumo645.

A publicidade torna-se, neste cenário, algo “onipresente”, que funcionaria como “núcleo privilegiado de produção simbólica contemporânea”, por veicular, agregado aos bens de consumo, valores, estilos de vida e normas de conduta646, constituindo-se “espécie de novo farol da sociedade”, indicando os padrões a serem seguidos647.

Neste diapasão, a publicidade atuaria como instrumento de controle social, constituindo-se de forte elemento cultural da sociedade de consumo648, sendo responsável por uma verdadeira indústria cultural, que leva o consumidor a pensar de forma pouco crítica,

638 SANTOS, op. cit., p. 48- 53. Assim, o marketing envolve todo o conjunto de atividades desde a identificação

das possibilidades do mercado, passando pela criação até a utilização e exaurimento do produto ou serviço pelo consumidor (LOPES, op. cit., p. 150).

639 LOPES, op. cit., p. 151.

640 RODRIGUES, Agustin Perez. A História da Mídia Brasileira e o Desenvolvimento da Mídia Exterior. In:

Augusto Guzzo Revista Acadêmica, n. 6, 2003, p. 62. Sobre a evolução da publicidade, no Brasil e no mundo:

SANTOS, Gilmar. Princípios da Publicidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005, p. 31-40. De forma mais completa: TRINDADE, Luis. Foi você que pediu uma história da publicidade? Lisboa: Tinta da China, 2008.

641 MARSHALL, Leandro. O Jornalismo na Era da Publicidade. São Paulo: Summus, 2003, p. 96-97. 642

Ibidem, p. 93.

643 Ibidem, p. 93. 644 Ibidem, p. 107.

645 Ibidem, p. 111. Segundo o autor, haveria uma “catequização ideológica compulsória da publicidade sobre o

jornalismo” (ibidem, p. 119).

646 SEVERIANO, Maria de Fátima Vieira. Pseudo-individuação e Homogeneização na Cultura do

Consumo: reflexões críticas sobre as subjetividades contemporâneas na publicidade. In: Estudos e Pesquisas em

Psicologia, 2006, v. 6, n. 2, p. 106.

647

MARSHALL, op. cit., p. 95.

648 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. O Controle Jurídico da Publicidade. Revista de Direito do

pela qual se “constrói, substitui e fortalece estereótipos e matizes culturais”649

, ou, ainda, que “se elogiam ou condenam determinados estilos de vida, fomentam-se ou silenciam-se ideologias, convencem-se pessoas sobre a utilidade das coisas, de certos hábitos e condutas e vende-se um oásis de sonhos, de euforia e de perfeição”650.

As pessoas, expostas a “um verdadeiro bombardeio cultural” que busca persuadi-las têm dificuldade em se manterem alheias ao “tiroteio de sensações”651

, o qual, “de forma sorrateira e imperceptível (...) o induz a determinado comportamento social”652

, agindo de forma persuasiva653. Um exemplo disso é a relação entre publicidade e consumo de bebidas alcoólicas654.

Esta característica da publicidade tem sido afirmada já há algum tempo. Desde a década de 1960 é sabido que a sua influência sobre comportamentos não é algo secundário, mas um fator de grande relevância655, embora muito tenha sido questionado acerca de tal afirmação, havendo quem coloque em xeque o caráter essencialmente manipulativo da publicidade656. Contudo, mesmo quem reconhece uma atuação maior do próprio indivíduo ou corpo social na definição de suas preferências afirma ser inegável que a publicidade exerce influência relevante657.

Pelas considerações expostas, há quem entenda a publicidade comercial como algo inerentemente reprovável658, sendo um discurso totalitário, que produz determinadas relações sociais “através da manipulação ideológica de pasteurização da felicidade como um produto que está à venda”659

.

649 Ibidem, p. 48.

650 CASTRO, Maria Helena Steffens de. O Literário como Sedução: a publicidade na Revista do Globo. Porto

Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 67-68. Tal característica, segundo a autora, teria “a intenção de ocultar os aborrecimentos do dia-a-dia e proclamar o prazer proporcionado pelos objetos de consumo”.

651 MARSHALL, op. cit., p. 94. 652 XAVIER, op. cit., p. 128. 653 LOPES, op. cit., p. 152. 654

DIAS, Fernando Lacerda. Os Limites Jurídicos à Publicidade de Bebidas Alcoólicas. Boletim Científico da

Escola Superior do Ministério Público da União, Brasília, n. 35, 2011, p. 197. O autor aponta que “a mídia

exerce forte influência sobre as pessoas, influenciando os seus padrões de comportamento, criando hábitos e moldando vontades”, vindo a afirmar haver estudos empíricos “comparando 17 países com proibição total, proibição parcial ou sem qualquer proibição da propaganda de bebidas alcoólicas” que concluem que “onde a publicidade de bebidas alcoólicas é proibida, o nível de consumo e de acidentes automobilísticos é menor” (ibidem, p. 201). O autor faz referência à obra: BABOR, T. F.; CAETANO, R.; CASSWELL, S. Alcohol: no ordinary commodity. Oxford University Press, 2003.

655

PINSKY, Ilana; JUNDI, Sami A. R. J. el. O Impacto da Publicidade de Bebidas Alcoólicas sobre o Consumo entre Jovens: revisão da literatura internacional. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 30, n. 4, 2008, p. 363.

656 Conforme constata: SAMPAIO, op. cit., p. 80. 657 SAMPAIO, op. cit., p. 100.

658

TAVARES, Fred. Publicidade e Consumo: a perspectiva discursiva. Revista Comum, v. 11, n. 26, 2006, p. 124. Também demonstrando o pessimismo: SEVERIANO, op. cit., p. 117-118.

Deve-se constatar, contudo, que, a despeito de ser comum a imputação do caráter manipulativo à publicidade, este aspecto não é exclusivo deste tipo de comunicação; em verdade, qualquer linguagem, de um modo geral, está voltada para a persuasão ou manipulação de comportamentos alheios, a exemplo do discurso político, jurídico, jornalístico, acadêmico, dentre outros660. De fato, a estrutura persuasiva da publicidade utiliza-se de princípios básicos de retórica, a exemplo do apelo à emoção, do oferecimento da prova e do apelo à credibilidade do comunicador, abrangendo, portanto, qualidades emocionais, racionais e institucionais661 – mas que tipo de comunicação não os adota?

É sabido, por exemplo, que uma novela pode veicular certos hábitos através dos seus personagens e, com isso, ditar modas, gírias e costumes à população662. Deste modo também atua, inevitavelmente, a publicidade: ela acaba estabelecendo modelos de conduta para a média da coletividade663. Destaca-se ainda que o mero fato da publicidade ser persuasiva não significa que ela seja enganosa ou ilusória; e, sem aquela característica, ela não teria muita utilidade664.

A publicidade não precisa ser meramente informativa, de forma a vedar a chamada “publicidade de estilo de vida”665, afinal “nem toda informação é publicidade e nem toda

publicidade é só informação”, lhe sendo característico também a incitação do consumidor para o consumo666. Assim, a evolução da atividade publicitária foi marcada exatamente pela diminuição do papel informativo em favor da persuasão667.

A observação que é feita aqui serve para salientar que, conforme aponta Gino Giacomini Filho, por vezes “a publicidade tem se tornado um bode expiatório” da sociedade, sendo utilizada como alvo de críticas que deveriam estar direcionadas para o âmbito social e para o próprio modo de vida das pessoas – inclusive dos críticos668. Assim, o autor referido, embora admita que a publicidade tenha efeitos lesivos, pondera acerca da relativa

660 Ibidem, p. 117.

661 Ibidem, p. 120-121. 662

PEREIRA, Adriana Lopes. Consumidor e a Mídia de Massa. In: O Consumidor: objeto da cultura. Denise Macedo Ziliotto (org.). Petrópolis: Vozes, 2003, p. 82.

663 XAVIER, op. cit., p. 123.

664 KAMLOT, Daniel. Persuasão: a essência da propaganda. In: Marketing, mar. 2012, p. 64. O autor fez sua

afirmação utilizando o termo “propaganda” ao invés de “publicidade”.

665 BENJAMIN, op. cit., p. 44-45. Em sentido contrário: XAVIER, op. cit., p. 131. O autor entende que o

objetivo principal da publicidade deve ser a apresentação da funcionalidade, adequação tecnológica e vantagem que o produto traz ao consumidor.

666

BENJAMIN, op. cit., p. 33.

667 Ibidem, p. 47.

incongruência de cobrar dela uma atuação socialmente equilibrada, enquanto a própria sociedade não o faz nos mais diversos setores669.

Neste sentido, a publicidade não tem apenas aspectos negativos; ela é necessária ao desenvolvimento das empresas670 e dos países, funcionando ainda como fonte de informação dos consumidores671, entretenimento e sustentação dos veículos de comunicação – além de poder atuar de acordo com os valores sociais, promovendo-os672 (malgrado normalmente seja dado mais destaque, de forma repressiva, para a atuação contrária). A análise da publicidade em geral não pode estar adstrita a uma perspectiva monocular673.

Portanto, tendo em vista não só sua ampla inserção na sociedade contemporânea, como também sua relevância, não parece adequado simplesmente colocar a publicidade como um problema a ser extirpado, a raiz de todos os males674. Por outro lado, considerando a forte influencia que a publicidade exerce nas relações pessoais e sociais, não se pode deixá-la sem limites jurídicos à sua atuação, sendo necessário que ela esteja em consonância com os princípios constitucionais e com a atividade legislativa de controle675.

Deste modo, “o direito deve considerar a publicidade como um instrumento de condução da sociedade, com o poder de mudar hábitos e costumes (...)”676

, em razão dela efetivamente conformar o comportamento das pessoas677, mas sem extirpá-la, tendo em vista não apenas seus aspectos positivos, como também o fato de que é inerente a qualquer tipo de comunicação a força persuasiva. O ponto fulcral, então, é estabelecer parâmetros ao seu desenvolvimento.

669 Ibidem, p. 123-124.

670 Há quem aponte, inclusive, que o desenvolvimento da publicidade aumenta a demanda, ocasionando o ganho

de produção de larga escala, que possibilita um menor preço de venda para o consumidor (HOLLIFIELD, Ann. Advertising Lowers Prices for Consumers. In: Advertising and Society: an introduction. 2. ed. Carol J. Pardum (org.). Malden: Wiley Blackwell, 2014, p. 13).

671 “A publicidade honesta, a publicidade despida de vícios e, por isso mesmo, não enganosa é indispensável para

que o consumidor maduro, suficientemente informado, possa livremente decidir a propósito do que é de seu interesse (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Liberdade de Expressão, de Informação e Propaganda Comercial. Revista

Crítica Jurídica, n. 24, 2005, p. 259).

672 GIACOMINI FILHO, op. cit., p. 127. 673

JHALLY, Sut. What’s Wrong with a Little Objetification?. In: Media/Cultural Studies: critical approaches. Rhonda Hammer, Douglas Kellner (org.). Nova Iorque: Peter Lang, 2009, p. 313. O autor faz referência à necessidade de superar as explicações unidimensionais de manipulação usualmente atribuídas à publicidade.

674 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin sustenta que deve ser afastado o posicionamento de que

qualquer publicidade é um mal que deve ser totalmente proibido, ideia “excessivamente geral e infantil” (op. cit., p. 41).

675 TICIANELLI, Marcos Daniel Veltrini. Delitos publicitários: no Código de Defesa do Consumidor e na Lei

8.137/90. Curitiba: Juruá, 2007, p. 64.

676

Ibidem, p. 64.

677 ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006,

4.3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO CONTEXTO DA PUBLICIDADE