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4. PUBLICIDADE E VIOLAÇÃO À IMAGEM-ATRIBUTO DE GÊNERO

4.3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO CONTEXTO DA PUBLICIDADE VOLTADA AO

4.3.2 A ponderação de direitos fundamentais

Feita a delimitação acerca de quais peças ou campanhas publicitárias encontram-se abarcadas pelo presente trabalho, passa-se a abordar o tema da ponderação entre direitos fundamentais. A breve explanação que será feita é fundamental para o entendimento acerca das possibilidades de o direito à igualdade limitar a liberdade dos agentes econômicos.

A necessidade de limitação a direito fundamental é algo inerente à sua existência, não sendo possível falar em direito “ilimitado”697

. Inclusive, a discussão acerca da necessidade de restrição de direitos que se contrapõem nem mesmo é originária da doutrina constitucional, tendo sido iniciada há muito tempo no âmbito do direito civil698. Pela ideia referida, mesmo quando a constituição não determina previamente a possibilidade de limitação – seja estabelecendo restrição expressa no texto constitucional, seja prevendo a chamada “reserva legal”, que pode ser simples ou qualificada699

–, tem-se reconhecido a necessidade de estabelecê-las, o que, aponta Canotilho, faria alguns setores doutrinários afirmarem a existência de “limites imanentes”700. O autor, contudo, pretere a adoção da ideia de “limites

imanentes”, tendo em vista que ela está associada à chamada “teoria interna” dos direitos fundamentais, propondo em substituição a existência de “restrições não expressamente autorizadas pela Constituição”701

– ou, ainda, “direito constitucional de colisão”702, consoantes com a “teoria externa” acerca da colisão desses direitos.

Segundo a referida teoria externa, as restrições a determinado direito não é algo que lhe é interno, abrangido pelo seu conteúdo, sendo, em verdade, determinadas apenas no caso

2009. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-mar-07/propaganda-comercial-nao-protegida-liberdade- expressao>. Acesso em 12 set. 2015).

697 DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 164. Os autores sustentam ainda que “as colisões e restrições nascem,

como já constatado, porque o exercício de um direito fundamental entra em conflito com outro ou com outros preceitos constitucionais (bens jurídico-constitucionais)” (ibidem, p. 170).

698

Conforme constata: SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 127). Para um resumo sobre o tema: MARCACINI, Daniela Tavares Rosa. O Abuso do Direito. Dissertação (mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006, p. 32-39.

699

DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 154.

700 CANOTILHO, op. cit., p. 1276-1277.

701 Ibidem, p. 1277. Aparentemente, a colocação do autor é uma evolução no seu pensamento, tendo em vista que

Virgílio Afonso da Silva, com base na obra de Canotilho publicada anteriormente (em 1998), critica o seu entendimento, porque ele utilizaria o termo “limites imanentes” como decorrente da teoria externa, ou seja, de que as restrições são resultantes da colisão entre direitos (op. cit., p. 166).

concreto, quando há colisão com o conteúdo de outro direito703. De forma mais simples, a teoria externa entende que as restrições derivadas de colisões são constituídas no caso concreto, enquanto a teoria interna sustenta que há apenas a declaração de limites já existentes previamente704.

Neste trabalho, entende-se mais adequada a teoria externa, sendo possível afirmar que os direitos fundamentais estabelecem uma proteção prima facie705 que pode ser afastada no caso concreto em que há colisão entre eles706. Sem entrar na discussão sobre se todos os direitos fundamentais possuem natureza de princípio, e por isso são ponderáveis707, ou se também as regras podem ser ponderadas708 – tendo em vista que, sob uma ou outra ótica, seguramente os direitos em colisão aqui trabalhados seriam reconhecidos como ponderáveis, sujeitos à promoção parcial dos seus conteúdos709 –, passa-se a analisar o modo de solução de tais conflitos normativos.

Embora a aplicação a casos concretos costume ser bastante problemática, a solução teórica é simples: “consiste no estabelecimento de uma relação de precedência condicionada (...) com base nas circunstâncias do caso concreto”, ou seja, ponderar/sopesar sob quais condições um direito tem precedência em face do outro, precedência esta que poderá ser alterada em situação diversa710. As ingerências em direitos fundamentais garantidos sem

703 SILVA, op. cit., p. 138. 704 Ibidem, p. 132. 705

Assenta John Rawls que os princípios têm apenas conteúdo prima facie, que deve ser ponderado com outros para obtenção da solução concreta (Uma Teoria da Justiça. Almiro Pisetta, Lenita M. R. Esteves (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 107).

706 CANOTILHO, op. cit., p. 1281-1282. 707

Robert Alexy expõe que colisão entre direitos fundamentais deve ser vista como colisão de princípios (Constitucionalismo discursivo. 2. ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 86). Assim, o caráter principiológico seria inerente às normas de direitos fundamentais (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos

Fundamentais. 2. ed. Virgílio Afonso da Silva (trad.). São Paulo: Malheiros, 2011, p. 118). Sobre o tema,

Humberto Ávila critica o posicionamento que insiste em qualificar de “princípios” normas que não tem as propriedades inerentes, resultando no absurdo da fácil maleabilidade de normas que a Constituição, pela técnica de normatização adotada, pretendia menos flexível (op. cit., p. 96-97).

708 Conforme sustentado em: ÁVILA, op. cit., p. 57-70. 709

Embora Humberto Ávila sustente trazer uma definição alternativa de princípio, afora negar a exclusividade da ponderabilidade dos princípios, sua teoria assemelha-se bastante com a de Alexy, sendo difícil visualizar maiores divergências, ainda que utilizando outras palavras para a conceituação (cf. op. cit., p. 85-86).

710 ALEXY, op. cit., p. 96. Ressalva-se que, ao invés de fazer menção a “direito”, o autor refere-se a “princípio”.

Manoel Jorge e Silva Neto entende que, na hipótese de conflito entre direitos constitucionais, caberia, anteriormente à ponderação, a aplicação do princípio da concordância prática, o qual determinaria a cedência recíproca dos direitos, implicando harmonização, ou seja, atribuição de mesmo peso e relevância aos direitos contrapostos (SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 169-170). Para esclarecer o entendimento, o autor utiliza a seguinte metáfora: “a harmonização, amparada na concordância prática ou cedência recíproca, mantém os direitos equilibrados em ambos os pratos da balança; a ponderação, de modo distinto, torna os pratos desequilibrados ao atribuir maior peso ou importância a

determinado direito num caso concreto” (ibidem, p. 170). Entende-se, contudo, que o referido comando não possui conteúdo diferente da ponderação. Esta trata da limitação de direitos contrapostos, na medida da necessidade para a solução do caso, não implicando necessária prevalência de um, sendo possível que, ao sopesá-los, ambos participem de forma aproximadamente semelhante para a construção da decisão. Neste

reservas apenas podem ser justificadas jurídico-constitucionalmente caso a limitação seja compensada pela promoção de outros direitos – ou bens jurídico-constitucionais – de igual relevância711.

Neste sentido, chega-se a afirmar que os direitos fundamentais não podem ter sua prevalência determinada em abstrato, mas apenas em concreto712. A esta afirmação parece ser possível um aperfeiçoamento: embora a decisão sobre colisões de direitos fundamentais somente possa ser obtida ao exame do caso concreto, é possível constatar que alguns direitos possuem, mesmo abstratamente, maior relevância do que outros, “por serem dotados de uma relevância intrínseca para o ser humano ou para a sustentação das bases democráticas e republicanas”713

, situação que, embora não predetermine a solução do caso, deve ser levada em consideração na argumentação que fundamenta a decisão.

Todos aqueles direitos mais próximos às finalidades essenciais da Constituição possuem maior força argumentativa714. É dentro deste raciocínio que se encontra na doutrina referência a um ou outro direito como sendo “um dos mais importantes do ordenamento jurídico” – ou afirmação que o valha –, seja a menção à vida715

, à igualdade716, à democracia717, à dignidade da pessoa humana718, à cultura719, à liberdade de expressão720, à

sentido, ao tratar do tema, Canotilho refere que “o princípio da harmonização ou concordância prática implica ‘ponderações’ (...)” (CANOTILHO, op. cit., p. 1225); Sarlet afirma que “o princípio da concordância prática busca atender – no contexto da unidade da constituição e da ordem jurídica – às exigências de coerência e racionalidade do sistema constitucional e se concretiza no âmbito da assim chamada ponderação de bens (direitos, princípios etc.) (...)” (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, op. cit., p. 224). Também igualando o conteúdo da concordância prática e da ponderação: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 96-97; CUNHA JR., Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. rev. ampl. atual. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 221.

711 PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos Fundamentais. António Francisco de Sousa; António

Franco (trad.). São Paulo: Saraiva, 2012, p. 154.

712

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 231. Ressalva-se que, ao invés de fazer menção a “direito”, o autor refere-se a “princípio”.

713 MARTEL, Letícia de Campos Velho. Hierarquização de Direitos Fundamentais: a doutrina da posição

preferencial na jurisprudência da Suprema Corte norte-americana. Revista Sequência, v. 25, n. 48, 2004, p. 92. A autora, contudo apenas faz referência a existência de posição doutrinária em tal sentido, sem tomar posição. Em sentido próximo, fazendo referência à “hierarquização de princípios”: OLIVEIRA FILHO, João Glicério de. A

Hierarquização dos Princípios da Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988. Tese (doutorado em

Direito). Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012, p. 24.

714 Neste ponto, é possível fazer referência, embora não seja o mesmo posicionamento, à ideia de Canotilho

acerca dos “princípios estruturantes”, que seriam aqueles “constitutivos e indicativos das ideias diretivas básicas de toda a ordem constitucional. São, por assim dizer, as traves-mestras jurídico-constitucionais do estatuto jurídico do político”, sendo exemplos o princípio democrático e o republicano (op. cit., p. 1173).

715 RIVERO; MOUTOUH, Hugues. Liberdades Públicas. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão (trad.).

São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 347.

716 CUNHA JR., op. cit., p. 665. 717

CANOTILHO, op. cit., p. 288.

718 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Proteção Constitucional à Liberdade Religiosa. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

liberdade de imprensa, que goza de uma posição preferencial a outros direitos por sua maior importância “na construção de uma sociedade democrática”721

. Este entendimento tem ressonância, embora de forma mais rigorosa, na jurisprudência da Suprema Corte americana, tendo sido alcunhado de doutrina da posição preferencial (preferred position), consubstanciando certa hierarquização prima facie de direitos fundamentais722. Esta teoria possibilita, por exemplo, que a liberdade de expressão naquele país seja considerada essencial para a manutenção da democracia, tendo a Suprema Corte dos Estados Unidos reconhecido que ela teria um “status especial na ordem constitucional”723

.

Há quem critique a ponderação, afirmando ser decisão de cunho político, que excede as possibilidades da interpretação do julgador, implicando subjetividade724. Em resposta, pontua Virgílio Afonso da Silva que “não é possível buscar uma racionalidade que exclua, por completo, qualquer subjetividade na interpretação e na aplicação do direito. Exigir isso de qualquer teoria é exigir algo impossível”725. Portanto, a ponderação não é apenas algo possível, mas necessário, à solução de colisões entre direitos fundamentais726. Esta ideia será utilizada posteriormente.

719 HÄBERLE, Peter. Constituição e Cultura: o direito ao feriado como elemento de identidade cultural do

estado constitucional. Marcos Augusto Maliska, Elisete Antoniuk (trad.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. xiii.

720 MENDES; BRANCO, op. cit., p. 263.

721 KOATZ, Rafael Lorenzo-Fernandez. As Liberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STF.

In: Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: balanço e crítica. Daniel Sarmento; Ingo Wolfgang Sarlet (coord.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 423.

722 “A doutrina da posição preferencial significa, pois, a hierarquização dos Direitos Fundamentais protegidos

pelo devido processo legal e a inserção de alguns em posição privilegiada em relação a outros. Em que pese todos possuírem caráter de fundamentabilidade, uns são apostos em local cimeiro, tomados como de maior peso de per si. Então, os Direitos Fundamentais que assumem o mais alto posto na hierarquização correspondem aos dotados de posição preferencial. Diante da privação destes, usar-se-á o escrutínio estrito; na ausência deles, usar- se-á o teste da mera razoabilidade” (MARTEL, op. cit., p. 100). A autora completa ainda que “diante da privação destes, usar-se-á o escrutínio estrito; na ausência deles, usar-se-á o teste da mera razoabilidade” (ibidem, p. 100). Também neste ponto parece que o entendimento da Suprema Corte americana escapa ligeiramente ao firmado neste trabalho, no qual se entende que a diferença na decisão é apenas quanto ao ônus argumentativo – embora esta ideia também acabe sendo contemplada no modelo referido.

723

BARENDT, Eric. Freedom of Expression. In: The Oxford Handbook of Comparative Constitutional Law. Michel Rosenfeld, András Sajó (org.). Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 891. O autor faz referência ao caso Palko v. Connecticut, 302 U.S. 319, julgado em 1937.

724 DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 221-222. Além da objeção apontada, Alexy, defensor da ponderação,

indica que haveria por parte da doutrina, de forma mais ampla, objeções filosóficas, objeções metodológicas e objeções dogmáticas, vindo o autor a demonstrar a impertinência de cada uma delas (ALEXY, op. cit., p. 155- 179).

725 SILVA, op. cit., p. 146-147. 726

Mais uma vez, faz-se a ressalva de que há doutrina (Humberto Ávila) que sustenta que a ponderabilidade seria característica de todas as normas. Embora se concorde com esta teoria, ela não é fundamental para este trabalho, pelo que se colocou a tese mais amplamente aceita e que está contida naquela.

4.3.3 Liberdade publicitária: liberdade de expressão no contexto da publicidade