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4. PUBLICIDADE E VIOLAÇÃO À IMAGEM-ATRIBUTO DE GÊNERO

4.4 ANÁLISE DA PUBLICIDADE ATENTATÓRIA À IMAGEM DE GÊNERO

4.4.2 Parâmetros e análise da publicidade de gênero

4.4.2.8 Objetificação/coisificação

Embora o tema da objetificação costume ser relacionado ao do padrão de beleza nas críticas à publicidade, preferiu-se a abordagem em separado, ainda que constatação semelhante à que foi feita no tópico anterior possa ser realizada neste ponto. O movimento feminista repudia a publicidade que manipula “o corpo da mulher enquanto objeto de consumo”951

, vindo a objetificação a ser tratada como se fosse um processo que apenas atinge às mulheres952. Os estudos costumam destacar só a mulher como “coisificada”, objeto de consumo, obrigada a adequar-se a determinado padrão953, aparentemente não como um recorte metodológico, mas como compreensão dos fatos sociais na perspectiva monocular954.

949 Em alguns casos, a desconstrução de estereótipos pela própria empresa pode ser favorável, ampliando os

consumidores daquele produto ou serviço, a exemplo da campanha “verão sem vergonha”, promovida pelos produtos Dove, que visava a desconstruir o padrão vigente de beleza feminina, ampliando a representação de mulheres com características diferentes do “modelo ideal” (ibidem, p. 33). Segundo a autora: “tal campanha é composta de várias peças publicitárias nas quais as modelos são mulheres que fogem ao padrão estético vigente de esbeltez: são mulheres com relativo sobrepeso, ou seja, mulheres tidas como ‘gordinhas’ ou ‘fora de forma’. Em meio a uma infinidade de publicidades que exibem corpos esguios, essa campanha propõe um outro modelo de mulher, a mulher ‘de verdade’, aquela com a qual as consumidoras de publicidade podem se identificar com maior facilidade e mais prontamente”.

950 LYSARDO-DIAS, Dylia. A Construção e a Desconstrução de Estereótipos pela Publicidade Brasileira. In:

Stockholm Review of Latin American Studies, n. 2, 2007, p. 30.

951 ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é Feminismo. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 64. 952 SAMARÃO, Liliany. O Espetáculo da Publicidade: a representação do corpo feminino na mídia. In:

Contemporânea, n. 8, 2007, p. 51.

953

MIRANDA, op. cit., p. 439-440.

954 Conforme é possível perceber, além do texto como um todo, do trecho que trata da noção de igualdade entre

Contudo, a aproximação do corpo ao conceito de objeto é algo direcionado a todas as pessoas, independentemente de características955. Assim, o processo que normalmente é descrito como objetificação também atinge aos homens956, vindo também o corpo masculino a se tornar algo a ser vendido pela publicidade, visando à ampliação do mercado de consumo957, através da veiculação da sexualidade e nudez958, ou mesmo de alegorias às partes íntimas masculinas959.

Assim, mostra-se redutora a afirmação de que, por haver exposição corporal de uma forma “sexual” do corpo da mulher – até mesmo nas peças voltadas para o público feminino – , a intenção é de colocação da mulher como um objeto masculino960. Há quem entenda, por exemplo, que a publicidade de marcas de roupas íntimas, ao representar mulheres utilizando calcinha e sutiã em contextos de sensualidade acarretaria objetificação961, muito embora este paralelismo não seja feito em relação à publicidade de cuecas, que costumam utilizar homens na mesma situação962.

É, de fato, possível afirmar que as mulheres são mais expostas em conotações sexuais963, mas tratar a questão como se fosse apenas uma característica da representação feminina da publicidade é uma perspectiva monocular. Atualmente há uma vulgaridade na crítica à ideia de mulher como objeto, vindo qualquer representação do seu corpo, não

ideais que estimulem a igualdade entre os gêneros e que destaquem a existência da diversidade de mulheres brasileiras, implicando, efetivamente, em prejuízos às mulheres” (ibidem p. 440-441).

955 BERTOLLI FILHO, Cláudio; TALAMONI, Carolina Biscalquini. Corpo de (Revista) Adolescente. In:

Comunicação Midiática, v. 7, 2007, p. 118-119, 127.

956 HOFF, Tânia Marcia Cezar. Corpo Masculino: publicidade e imaginário. Revista Eletrônica E-Compós, v. 1,

2004, p. 10-11. Disponível em: <http://compos.org.br/seer/index.php/e-compos/article/view/24/25>. Acesso em 12 set. 2015.

957

SILVA, Ricardo André de Barros. A Publicidade e um Novo Gênero Masculino. Dissertação (mestrado em Publicidade e Marketing). Instituto Politécnico de Lisboa, Lisboa, 2013, p. 20-21.

958 Ibidem, p. 51-52. No estudo indicado acima e já referido anteriormente, percebeu-se ainda que a maioria dos

anúncios trazia apenas homens (70, 15%), inclusive nus, com o tronco nu ou em roupas de banho. Personagens com o tronco nu representam 11,3% dos anúncios em que há pessoas. Embora o autor não afirme que todos os casos sejam representações de homens e não de mulheres, os anúncios colacionados ao trabalho (três) mostram um personagem homem, musculoso, com o tronco nu (ibidem, p. 81, 97, 97).

959 Ver figura 11 no apêndice B. Conferir também: SAGATIBA. O Que é Sagatiba?, parte 1. In: Youtube, 26 set.

2006. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=XteIER532XQ>. Acesso em 16 nov. 2015. Nesta peça, uma mulher e um homem estão nus em um quarto e ela, ao visualizá-lo sem roupa, exclama: “que Sagatiba, hein?”, estabelecendo correlação do órgão sexual masculino com a cachaça anunciada.

960 Um exemplo de tal visão está em: RIBEIRO, Silvana Mota. Corpos Visuais: imagens do feminino na

publicidade. In: Re-presentações do Corpo. Ana Gabriela Macedo, Orlando Grossegesse (org.). Braga: Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho, 2003, p. 128-130.

961 ZAMBONI, op. cit., p. 78-79.

962 Apenas para ilustrar, ver figura 12 no apêndice B. 963

VELOSO, Ana. Mulher e Mídia no Brasil: “uma pauta desigual”?. In: Estudos Feministas e de Gênero: articulações e perspectivas. Cristina Stevens, Susane Rodrigues de Oliveira, Valeska Zanello. Florianópolis: Mulheres, 2014, p. 409.

importando nem mesmo o público a que se dirige, a ser tratada com tal adjetivo depreciativo964.

Neste ponto, é relevante abordar o tema da publicidade de cerveja, à qual costuma ser atribuída a característica examinada neste tópico965. Dentro do que já foi abordado, o mero fato de haver representações de pessoas com caracteres sensuais/sexuais neste tipo de publicidade não implicaria desigualdade de gênero. Entende-se que tal violação dependeria de outros elementos para poder se reputar verificada, a exemplo da construção argumentativa de que haveria uma reiteração de representação desproporcional de mulheres nestas condições, estando esta situação – dada a intensidade da veiculação publicitária do produto – apta a prejudicar o equilíbrio entre homens e mulheres nas relações relativas à liberdade sexual, implicando, portanto, maior prejuízo a outros valores juridicamente tutelados. Contudo, se a tão só representação de mulheres trajando biquínis é suficiente para, sozinha, estabelecer esta correlação é algo duvidoso, sendo tal vinculação mais perceptível quando o resto da mensagem aponta neste sentido966, por exemplo, equiparando expressamente uma região erógena da mulher aos demais produtos (cerveja) anunciado, acompanhado dos dizeres “faça a sua escolha”967

.

Portanto, próximo do que foi concluído em relação ao tópico do padrão de beleza, se a exploração comercial do corpo puder ser considerada abusiva – posição não adotada neste trabalho –, este entendimento não guarda pertinência direta com a igualdade entre homens e

964 VERÍSSIMO, Jorge Domingos Carapinha. A Mulher “Objecto” na Publicidade. In: Livro de Actas da IV

Congresso SOPCOM: repensar os media: novos contextos da comunicação e da informação. Aveiro,

Universidade de Aveiro, 2005, p. 1708. Neste sentido, Kim Sheehan sustenta que a representação de pessoas em um estado “passivo” – ou seja, não parecendo desenvolver atividade alguma, com função meramente decorativa, e que é mais comum em relação às mulheres do que aos homens – também seria uma forma de objetificação (op. cit., p. 97-99).

965

Conforme constata: ZAMBONI, op. cit., p. 25-26.

966 Até mesmo trabalho que afirma genericamente que a utilização de “mulheres seminuas” seria para “conduzir

à ideia de que se o espectador consumir a cerveja, ele terá o mesmo prazer que a mulher do cartaz poderia lhe dar” (ibidem, p. 25), ao tratar casuisticamente desta construção, elenca diversas peças publicitárias nas quais sempre se aponta outros elementos a sugerir esta vinculação que implicaria “objetificação”: a mulher seminua é dançarina de cabaré (ibidem, p. 28); há uma limitação física do homem em relação à mulher (ibidem, p. 29, figura 8); as mulheres são apontadas como estando em pano de fundo, para adornar a imagem (ibidem, p. 29, figura 9); o texto que acompanha a imagem estabelece um padrão de beleza feminina (ibidem, p. 70); o copo de cerveja sobrepondo o corpo da mulher estabelece a “objetificação” (ibidem, p. 84, figura 33); há equiparação do corpo da mulher com os ingredientes da cerveja (ibidem, p. 84, figura 34); a posição sugerida implica

desconforto à mulher (ibidem, p. 86); há o desprezo pelo rosto humano (ibidem, p. 87); a modelação de objetos para que exponham o corpo (ibidem, p. 88); há a fragmentação do corpo feminino (ibidem, p. 89, figura 39). Apenas em um caso a mera imagem de uma mulher de biquini foi apontado como suficiente para estabelecer a “objetificação” (ibidem, p. 80, figura 30).

967 Conferir figura 13 no apêndice B. Entende-se, portanto, que a mera utilização do produto para representar

partes do corpo humano, femininas ou masculinas, não implica violação à igualdade de gênero. É necessário que junto a essa “coisificação” haja a demonstração de que aquela representação pode implicar situações ou

comportamentos atentatórios às coletividades, notadamente através da reiteração desproporcional de uma mesma ideia.

mulheres, e deve ser firmado não só em relação a um gênero. São necessários outros elementos (por exemplo, a reiteração desproporcional) para configurar possível violação.

Sobre o tema da objetificação em si – usualmente relacionado às mensagens que fazem referência, ainda que implícita, à sexualidade –, entende-se que deve haver parcimônia na afirmação de que a mera conotação sexual acarretaria “objetificação” da pessoa – especialmente pela relevância que o termo tem no direito constitucional, indicando violação à dignidade da pessoa humana, com base na “fórmula do objeto”, elaborada por Günter Dürig968.

O apelo sexual, de fato, possui grande força psicológica, captando a atenção dos consumidores, e por isso é tão utilizado na publicidade, ainda que de forma diferenciada969. Mas, conforme destaca Sut Jhally, o problema da “objetificação” seria a desigualdade neste processo e não ele em si, tendo em vista que “todos nós objetificamos homens e mulheres de alguma forma em algum momento”, e que a objetificação poderia ser explorada de modos criativos e aprazíveis, menos relacionados ao exercício de poder970.

Para uma mesma autora, quando uma mulher é comparada a algum produto, ainda que em um sentido elogioso, diz-se haver a objetificação pelo mero fato de haver a comparação com uma coisa, algo negativo971; contudo, quando o homem é comparado ao um objeto, passa-se a analisar o conteúdo da mensagem, perquirindo se a “objetificação” tem ou não uma mensagem elogiosa972. Assim, conforme ressalta Sut Jhally, “um pouco” de objetificação, como parte da sociedade, não é um problema em si; o perigo reside no excesso de objetificação, “quando uma pessoa é vista como nada mais do que um objeto”973

.

Ademais, representações sexuais podem ser feitas comercialmente até mesmo para promover pautas de extrema relevância social, a exemplo da agência de turismo dinamarquesa que tratou do tema para incentivar a procriação, tendo em vista que a baixa taxa de

968 Para Dürig, citado por Ingo Wolfgang Sarlet, “a dignidade da pessoa humana poderia ser considerada atingida

sempre que a pessoa concreta (o indivíduo) fosse rebaixada a objeto, a mero instrumento, tratada como uma coisa, em outras palavras, sempre que a pessoa venha a ser descaracterizada e desconsiderada como sujeito de direitos” (As Dimensões da Dignidade da Pessoa Humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 9, 2007, p. 380).

969

SHEEHAN, Kim. Controversies in Contemporary Advertising. 2. ed. Los Angeles: Sage, 2014, p. 104. A autora afirma que para os homens, o apelo sexual está mais relacionado à beleza corpórea, enquanto para as mulheres, há elementos que estabeleçam maior conexão com o romantismo

970 JHALLY, Sut. What’s Wrong with a Little Objetification?. In: Media/Cultural Studies: critical approaches.

Rhonda Hammer, Douglas Kellner (org.). Nova Iorque: Peter Lang, 2009, p. 319-321.

971 ZAMBONI, op. cit., p. 78-79. A autora faz menção ao slogan “Hope [marca de lingerie] é como você: já vem

com sensualidade de fábrica”.

972 Ibidem, p. 89-90. Na peça trazida pela autora, uma garrafa de cerveja, vestida com um gravata, figura como

se fosse um homem “guerreiro” e “trabalhador”, sendo a umidade que se forma em volta da garrafa gelada comparada ao seu suor.

fecundidade do país pode gerar problemas futuros, notadamente os relativos à previdência social974.

A investigação feita neste capítulo, embora tenha se posicionado sobre algumas questões de mérito – ou seja, de que conteúdo da publicidade está ou não em acordo com os ditames constitucionais referidos –, preferiu abordar parâmetros para balizar o debate acerca do tema. A razão para esta preferência “procedimental” será melhor desenvolvida no capítulo seguinte, acerca da tutela dos direitos aqui referidos.

974 O vídeo da publicidade encontra-se disponível em: UOL NOTÍCIAS. Agência de Turismo Faz Promoção

para Estimular Sexo e Gravidez na Dinamarca, 23 out. 2015. Disponível em

<http://economia.uol.com.br/noticias/ redacao/2015/10/23/agencia-de-turismo-faz-promocao-para-estimular- sexo-e-gravidez-na-dinamarca.htm>. Acesso em 24 out. 2015. Interessante notar, ainda, que a publicidade que combate o que se costuma chamar de “objetificação” e valoriza representações mais realísticas podem ter uma resposta mais positiva por parte dos consumidores, especialmente se reflete pessoas com características variadas (SHEEHAN, op. cit., p. 108-109). Em sentido contrário, há estudo que indica que a publicidade que usa o corpo da mulher de forma apelativa costuma ser mais desvalorizada, notadamente pelas mulheres com maior nível de escolaridade e renda (PIEDRAS, Elisa Reinhardt. Publicidade, Imaginário e Consumo: anúncios no cotidiano feminino. Tese (doutorado em Comunicação). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007, p. 195. A pesquisa, contudo, contou com baixa amostragem, no total de dez mulheres, tendo aprofundado mais aspectos qualitativos do que quantitativos).

5. TUTELA PROCESSUAL DO DIREITO À IMAGEM-ATRIBUTO NA