• Nenhum resultado encontrado

3. OS DOCUMENTOS OFICIAIS E OS REGIMES DE VERDADE

3.3 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO (PPP)

3.3.2 E os outros PPPs?

Faz-se necessário agora analisar o PPP de uma escola estadual e uma municipal para que comparemos o que o projeto pedagógico da escola prescreve com as recomendações dos PCNs. Volto-me mais uma vez para uma de minhas experiências, desta vez na rede estadual. Há quatro anos, no início do meu primeiro ano na rede estadual, a direção da escola solicitou a elaboração do conteúdo programático do ano letivo. Como não tinha experiência para confeccionar esse material, pensei em estudar o Projeto Político Pedagógico que rege o ensino no Estado do Rio de Janeiro para então elaborar o documento dentro das orientações desejadas pela rede de ensino e respeitando a filosofia da escola.

Nessa busca pelo Projeto Político Pedagógico da rede estadual, entrei em contato com a Secretaria de Estado de Educação e fui informada de que esse documento é elaborado por cada unidade escolar isoladamente, mas sempre baseado nos Parâmetros Curriculares Nacionais, nas Orientações Curriculares e na Lei de Diretrizes e Bases. Ainda que tenha estranhado a inexistência de um documento de base comum da própria rede que normatizasse o trabalho a ser desenvolvido pelos professores, acabei concordando que realmente um documento não poderia contemplar as diferentes realidades das escolas da rede estadual do

Rio de Janeiro. Por isso mesmo que o PPP do Colégio Pedro II não é o mesmo do elaborado pela equipe do Colégio de Aplicação da UFRJ, por exemplo, embora ambos façam parte da rede federal.

De posse dessa informação, conversei com a orientadora pedagógica de uma das escolas da rede estadual em que trabalho e solicitei o documento. Para minha surpresa, ela me revelou sua inexistência. Argumentou que não adiantava escrever um projeto voltado para o ensino de línguas estrangeiras se ela recebe o professor que se apresenta na escola, independente da língua estrangeira que ele ensinará aos alunos.

Esbarramos assim em uma situação contraditória. Pude experienciar o sofrimento de uma amiga aprovada no concurso de professores de francês em 2007 que não encontrava vaga em nenhuma escola para trabalhar. Muitos diretores negavam-se a receber os concursados alegando haver preferência por uma língua estrangeira X ou Y. Em contrapartida, é mais fácil para essa escola elaborar um Projeto Político Pedagógico nessa área, visto que a oferta é sempre da mesma língua, podendo elaborar um programa com início, meio e fim.

No entanto, para uma escola em que o diretor aceita o professor de língua estrangeira recém-concursado, independente da área de atuação, a organização de um Projeto Político Pedagógico fica comprometida. O grande problema é que não há uma continuidade na aprendizagem da língua. No caso específico da escola estadual em que trabalho, a oferta de vagas é somente para o Ensino Médio. Então, a situação real do aluno é que no primeiro ano, ele pode estudar inglês, no segundo ano francês e no terceiro espanhol. A grade de horário é feita levando em consideração o horário de disponibilidade do professor. Nesse caso, a qualidade de trabalho almejada pelos PCNs e pelas OCNs fica comprometida. Aliás, conforme vimos anteriormente, o próprio documento voltado para o Ensino Fundamental de 6º ao 9º ano reforça a importância na continuidade desse aprendizado.

Mas o que diz a lei? Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional, implementada em 20 de dezembro de 1996, a escolha da língua estrangeira ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição. Entretanto, surge outro questionamento: a comunidade escolar está apta a fazer tal escolha, visto que engloba pais e alunos e muitos deles alegam desconhecer a relevância desta aprendizagem, acentuando que não dominam nem a própria língua materna?

88

3.3.3 (IR) Resolução Número 4746

Não obstante, em 30 de novembro de 2011, a Secretaria de Estado de Educação publicou a resolução número 4746 impondo, para o Ensino Médio, a oferta de uma Língua Estrangeira Moderna, de acordo com recursos humanos existentes na instituição, de matrícula obrigatória e uma segunda Língua Estrangeira Moderna, de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno, ressaltando que a Língua Espanhola deverá constar entre as opções de Língua Estrangeira Moderna, de matrícula obrigatória ou facultativa. Essa resolução faz cair por terra o que havia sido discutido nas Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Tais orientações prezavam pelo desenvolvimento do aluno enquanto cidadão e esperava-se que, ao ter contato com uma língua estrangeira, qualquer que fosse, esse aluno fosse levado a pensar na cultura do outro e a repensar a sua própria cultura, o que reforçava o caráter formativo do Ensino Médio em detrimento de um caráter meramente profissional. Vejamos o capítulo III dessa resolução, que impõe a oferta de duas línguas estrangeiras modernas de oferta obrigatória, sendo uma delas a Língua Espanhola:

CAPÍTULO III DO ENSINO MÉDIO

Art. 15 - Da Parte Diversificada do Ensino Médio constará:

I - uma Língua Estrangeira Moderna, de acordo com recursos humanos existentes na instituição, de matrícula obrigatória;

II - uma segunda Língua Estrangeira Moderna, de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno;

III - o Ensino Religioso, de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa

para o aluno;

§ 1º - Nas unidades escolares onde a Língua Espanhola é a língua escolhida pela comunidade escolar, esta será a língua estrangeira obrigatória, sendo a segunda Língua Estrangeira de matrícula facultativa ao aluno.

§ 2º - A Língua Espanhola deverá constar entre as opções de Língua Estrangeira Moderna, de matrícula obrigatória ou facultativa.

§ 3º - O planejamento da Parte Diversificada constará do Projeto Político

Pedagógico da escola, oportunizando o exercício da autonomia e retratando a identidade da Unidade Escolar.

Decerto que essa resolução não favoreceu os professores de francês e que muitos deles tiveram dificuldades em encontrar escolas que os alocassem. Fundamentamos nossa afirmação no princípio de que muitos diretores priorizavam e priorizarão o ensino do inglês, podendo este ocupar o status de língua estrangeira obrigatória. A Língua Espanhola precisa

ser incorporada à grade curricular do aluno, seja ela obrigatória ou facultativa. Perguntamo- nos então que lugar ocupará a Língua Francesa?

Segundo a própria Secretaria de Estado de Educação, através de um funcionário legitimado a responder os e-mails que chegam ao endereço eletrônico da própria rede: curriculominimo@educacao.rj.gov.br, o francês apresenta-se em relação assimétrica em relação a outras línguas estrangeiras:

A história do francês na rede pública é realmente bem específica.

Entendo sua angústia. Primeiro, gostaria de dizer que o Currículo Mínimo de Língua Estrangeira foi pensado também para o francês. Qto ao material didático, a Associação de Professores de Francês do Rio de Janeiro tem lutado para que o francês faça parte do Programa Nacional do Livro Didático e do ENEM. Essas conquistas serão importantes para que o francês recupere seu lugar tão importante quanto às demais línguas. Nossos alunos podem e devem ter acesso a tantas línguas quantas quiserem. De momento, só posso dizer que você deve junto a sua diretora apoio

para obter meios (copias, data show) para que possa fazer seu trabalho.Um abraço.15

O que interpretar dessa mensagem? Que o francês é a única língua estrangeira que não possui livro didático e que perdeu seu lugar para as outras línguas? Que é a Associação de Professores de Francês que precisa implorar para que o francês seja contemplado pelo PNLD e faça parte do ENEM? Que o francês perdeu seu lugar face às outras línguas? Que a escola oferece uma variedade de línguas estrangeiras e que o aluno pode ter acesso a quantas ele desejar? Mas não ficou determinado que uma das línguas estrangeiras teria que ser o espanhol? Por que os diretores têm autonomia para escolher qual será a outra língua estrangeira disponibilizada pela escola?

Para ratificar essa situação vivenciada pelos professores, transcreveremos abaixo uma carta endereçada ao Sindicato Estadual de Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (SEPE/RJ) confeccionada por uma professora de francês da rede estadual, também entrevistada por nós, tendo sido considerada como “excedente” em sua escola, na qual avalia o propósito explicitando sua apreciação (AP) e o qualifica de acordo com um julgamento baseado em uma avaliação afetiva, relatando sua experiência e seu sentimento de indignação. Esta professora se utiliza da modalidade do discurso relatado (DR) para trazer à tona a visão

15

90

da diretora de sua escola sobre o papel das línguas estrangeiras na escola e para mostrar seu posicionamento contrário à postura da direção escolar.

Prezados colegas,

Venho solicitar a assistência da entidade e denunciar o desrespeito (AP) para

com que os professores de Língua Estrangeira francês e espanhol estão sendo tratados mediante a não inclusão desses profissionais no quadro de horários de 2012, sob a alegação de que " todos os alunos escolheram o idioma Inglês", e devido a esse fato, todos os demais docentes de LE estão "excedentes" no COLEGIO ESTADUAL X, situada no bairro Y.

É tão absurdo (AP) que a orientação da direção é que esses docentes venham ao colégio, cumpram a carga horária sem NADA fazer, e aguardem alguma SOLUÇÃO ( ? ) (DR) para todos os que sobraram !!!! (

palavras da Diretora). Sou professora de Francês, lotada há três anos no colégio e agora pela primeira vez enfrento tal dificuldade para exercer meu ofício ! Justamente numa época de globalização, Copa do Mundo, Olimpíadas e demais exigências do mercado profissional e do setor de turismo, esses senhores discriminam o ensino de duas importantes línguas em detrimento de um único idioma dito OBRIGATÓRIO. Sempre houve a primeira língua e a língua optativa, contemplando TODOS os profissionais. Esse ano porém, havendo espaço somente para profissionais do idioma Inglês, os demais não servem para mais nada !

O senhor Risolia deveria rever sua mal feita resolução (AP) e retificar suas

linhas no que diz respeito ao ensino das Línguas Estrangeiras Modernas, sob pena de limitar o acesso dos alunos aos demais núcleos linguísticos e culturais, impondo a discriminação entre colegas em seu local de trabalho, além de dar ensejo para que a direção decida sozinha o que serve ou não para a comunidade escolar (uma vez que nenhuma assembléia com pais, alunos ou professores foi realizada para uma decisão democrática, em conformidade com os reais interesses de todos os envolvidos).

Me sinto ultrajada (AP), sem entender ou achar motivos plausíveis para a conduta da Secretaria de Educação mediante essa postura baseada numa resolução mal orientada, vaga e mal escrita (AP), e que prejudica mais do que resolve os problemas (AP), concernentes ao ensino propriamente dito.

Agradeço antecipadamente por todo o apoio que o Sepe puder nos oferecer nesse momento de inquietação, falando eu em nome dos demais colegas que estão na mesma situação em que me encontro, sem saber a quem recorrer.

Conhecendo um pouco a realidade dos alunos do curso noturno, não acreditamos que a maioria deles sinta-se motivada para estudar para uma disciplina “facultativa.” Não trazemos nessa fala nenhum pré-julgamento em relação a esses alunos. Apenas imaginamos que como chegam cansados de uma longa jornada de trabalho e possuem inúmeras preocupações familiares, já que muitos são pais de família, poderão encontrar nessa facultatividade um meio de eliminarem algumas avaliações formais, estudo e até mesmo um tempo de aula.

Podemos ir mais além nessa questão da disciplina não obrigatória. Aliás, só para esclarecer, a disciplina é de oferta obrigatória mas de matrícula facultativa ao aluno. Sabendo de antemão dessa característica da disciplina, o aluno poderá não levá-la a sério ou nem mesmo fazer sua inscrição para cursá-la. Ele pode concluir que um único tempo semanal (correspondendo a 45 minutos) não lhe propiciará um vasto conhecimento da língua. A consequência imediata é que o professor designado para essa disciplina se sentirá desmotivado para preparar suas aulas que podem não contar com a presença de qualquer aluno.

Ou, pensando por outro lado, sejamos otimistas e acreditemos que as turmas vão se formar, talvez não com a totalidade de alunos de uma turma regular mas com um número expressivo de alunos. O professor concursado em regime de dezesseis horas assume a carga de doze tempos em sala de aula. O que isso significa nesse contexto? O professor terá a responsabilidade de conduzir doze turmas distintas, contará com o compromisso de preencher doze diários de classe, lançará a nota de doze turmas no site Conexão Educação, sistema online criado pela Secretaria de Estado de Educação, participará de mais conselhos de classe, elaborará mais planejamentos de curso, etc. Para resumir, o professor de língua estrangeira facultativa terá muito mais trabalho do que um professor de português, por exemplo, que se ocupa de três turmas e cumpre sua carga horária.

Em compensação, se retomarmos nossa visão pessimista, caso os alunos não se matriculem na disciplina optativa, o professor não cumprirá sua carga horária obrigatória. O que ele fará então? Vai ficar na sala dos professores cumprindo o horário e conhecer a revolta dos outros professores que entrarão em sala de aula? Vai executar algum serviço administrativo? Vai procurar outra escola até que consiga os seus “desejados” doze tempos?

Aliás, outro ponto que merece ser destacado é o novo sistema de ensino para jovens e adultos implementado na rede estadual para o ano letivo de 2013. A Educação de Jovens e Adultos era realizada em um período de dezoito meses no Ensino Médio e as três fases (I, II, III) pelas quais os alunos passavam ofertavam todas as disciplinas. O atual sistema Nova Eja aumentou em mais seis meses o curso, totalizando vinte e quatro meses, porém a carga horária diária foi reduzida para se adequar às necessidades desse público. As disciplinas são oferecidas em quatro módulos, um por semestre. As únicas disciplinas que estarão presentes em todos os módulos são as de Português e Matemática. Para exemplificar, somente no módulo IV haverá a oferta de Língua Estrangeira e somente no módulo III haverá a oferta de

92

Educação Física. Estamos certos de que nessa fase de implementação da Nova Eja o professor dessas disciplinas terá que aguardar dezoito meses para entrar em sala de aula lecionando a matéria para a qual prestou concurso. Sem falar que o projeto, até o momento, considera língua estrangeira apenas Inglês e Espanhol.

Paradoxalmente a essa realidade de colocar as línguas estrangeiras à parte, sobretudo aquelas diferentes de Inglês e Espanhol, o governo do Estado assinou um convênio com o Ministério da Educação francês para a criação de uma escola bilíngue Português/Francês no Rio de Janeiro prevista para 2014. 16 No dia doze de abril de 2013, professores de francês da rede estadual foram convidados a participar de uma reunião com o secretário de Estado de Educação e com o embaixador da França no prédio do Consulado Francês na qual foi apresentado o projeto inovador e anunciada as etapas do processo seletivo que selecionará três dos cinquenta e oito professores atuantes na rede.

Infelizmente, não temos a solução para os questionamentos acima discutidos. Nossa meta também não é apontar as soluções, mas trazer à baila situações às quais são submetidos os professores de língua estrangeira, especificamente os de francês. Acreditamos que o entorno do trabalho do professor possa implicar diretamente em sua atuação em sala de aula.

Para finalizar o assunto, faltou-nos falar sobre do Projeto Político Pedagógico da rede municipal de educação do Rio de Janeiro no que tange à língua estrangeira. Assim como para a rede estadual, fui informada pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro que esse documento é elaborado por cada escola, respeitando os parâmetros e as orientações curriculares em vigor, porém, debruçando-se sobre a realidade da escola. Partimos então para contato com os professores da rede municipal que participaram das entrevistas que analisaremos posteriormente. Para nossa surpresa, eles anunciaram que suas respectivas escolas não possuíam Projeto Político Pedagógico para francês. Aliás, vale a pena dizer que um desses professores acaba de ser convidado a ocupar o cargo de coordenador de francês na rede municipal e afirmou achar improvável que alguma unidade escolar disponha de tal projeto.

Até o presente momento, tentamos elucidar o que os documentos oficiais abordam sobre a questão do ensino de língua estrangeira. No entanto, ainda não discutimos em

16 Informação extraída do site da SEEDUC (Secretaria de Estado de Educação) através do link: http://www.rj.gov.br/web/seeduc/exibeconteudo?article-id=1338993

momento algum o que esses documentos proferem sobre a prática docente propriamente dita, assim como o que é esperado de um profissional da educação.

No documento [ – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 88-95)