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Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

No documento [ – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 70-74)

3. OS DOCUMENTOS OFICIAIS E OS REGIMES DE VERDADE

3.2 A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO DE BOURDIEU E AS DIRETRIZES DO

3.2.2 Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

O Ministério da Educação (MEC) divulgou em 2006 as Orientações Curriculares para o ensino de Línguas Estrangeiras no Ensino Médio. Cabe abrir um parêntese sobre esse texto impresso e distribuído nas escolas, cujo espaço de discussão está voltado para o ensino de inglês e de espanhol e propostas de reflexões acerca desses ensinos são apresentadas. Entretanto, ressalta-se que as teorias expostas no documento se aplicam ao ensino de outras Línguas Estrangeiras.

Neste documento, também endereçado aos professores, ressaltou-se novamente a importância do trabalho sob uma perspectiva de inclusão social do aluno cujo foco atinja aspectos culturais e educacionais, priorizando não somente as habilidades de leitura, como também a prática escrita e a comunicação oral contextualizadas. Assim, implicitamente, o professor depreende que faz parte do seu trabalho o desenvolvimento das três habilidades citadas.

No que se refere às habilidades a serem desenvolvidas no ensino de Línguas Estrangeiras no Ensino Médio, este documento focaliza a leitura, a prática escrita e a comunicação oral contextualizadas. (Orientações

Segundo o texto de referência para o professor, desenvolver valores sociais, culturais, políticos e ideológicos fazem parte do aprendizado de uma língua estrangeira, uma vez que tais valores não podem ser dissociados do ensino de uma língua estrangeira e que seu aprendizado tem que ir além de capacitar o aluno a utilizá-la para fins comunicativos. Além disso, as atividades de leitura bem como concepções como letramento, multiletramento podem contribuir igualmente para esse aprendizado. Logo, é tarefa do professor de língua estrangeira desenvolver conceitos de cidadania, prática de leitura e de escrita e comunicação oral:

Reiteramos, portanto, que a disciplina Línguas Estrangeiras na escola visa a ensinar um idioma estrangeiro e, ao mesmo tempo, cumprir outros compromissos com os educandos, como por exemplo, contribuir para a formação

de indivíduos como parte de suas preocupações educacionais. (Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, 2006, p. 91)

Além dessas duas novas propostas trazidas pelas orientações curriculares, desenvolver valores que contribuem na formação do cidadão e incluir habilidades de expressão escrita e oral voltadas para o conceito de letramento, também enfatiza que o ensino de Línguas Estrangeiras para o Ensino Médio não deve se restringir ao mercado de trabalho, conforme orientação do trecho a seguir (IJ), e lembra que seu objetivo maior é contribuir na formação do aluno enquanto indivíduo e cidadão. Acerca da questão da língua estrangeira que deve ser ensinada na escola, reconhece-se que, muitas vezes, pais, alunos e diretores defendem a necessidade de língua estrangeira no currículo em vista do mercado de trabalho. Todavia, o objetivo estabelecido para as línguas estrangeiras no Ensino Médio visa a criar possibilidades de o cidadão dialogar com outras culturas, objetivo esse que pode ser alcançado através do aprendizado de qualquer que seja a língua estrangeira. Vejamos o trecho a seguir:

Reforçamos que a proposta de ensino de Línguas Estrangeiras para o nível

médio não deve restringir-se ao mercado (IJ), lembrando seu caráter educativo, de formação de alunos (indivíduos, cidadãos). (Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, 2006, p. 119).

Esse desejo da comunidade escolar (pais, professores, alunos, diretores, coordenadores) pela manutenção da Língua Inglesa no currículo é motivado pela busca por uma colocação no mercado de trabalho que muitas vezes demanda esse saber ou pelas

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exigências que as novas tecnologias nos impõem, ou porque essa é a língua das negociações no mundo globalizado (IJ), conforme o excerto abaixo:

... (a proposta de ensino de Línguas Estrangeiras para o nível médio) não deve negligenciar o mercado de trabalho (IJ), e que muitos alunos que concluem

esse nível de escolaridade saem em busca de trabalho.... (Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, 2006, P. 119)

Dessa forma, apesar de reconhecermos tal demanda como legítima, acreditamos que ela seja influenciada pelo movimento econômico-cultural da globalização. Somos ainda levados a questionar a concepção plurilinguista inicialmente revelada nesses documentos prescritivos. Tais textos trazem em suas apresentações a importância do desenvolvimento de uma competência plural, aberta ao enriquecimento de novas competências em função de novas experiências verbais, integrando aprendizagens escolares e extra-escolares. Todavia, fica nítido, para nós leitores, que os documentos institucionais vêm reforçando a importância do ensino do inglês e do espanhol. Ainda que aleguem que as prescrições para o desenvolvimento do trabalho com essas línguas sirvam para todas as outras, de certa forma, as exclui.

Novamente, estamos diante de outra reflexão de Bourdieu que o levou a desenvolver o conceito central de sua teoria, o habitus. Para melhor entendermos esse conceito, trazemos, resumidamente, algumas ideias difundidas pelo autor, sobretudo, como os bens de consumo são propícios a exprimir as relações de distinção social e, ainda, como o gosto também é característico das classes sociais.

La relation de distinction se trouve objectivement inscrite et se réactive, qu’on le sache ou non, qu’on le veuille ou non, dans chaque acte de consommation, au travers des instruments d’appropriation économiques et culturels qu’elle exige. (BOURDIEU, 1982, p. 170).

A relação de distinção se encontra objetivamente inscrita e se reativa, sabendo ou não, querendo ou não, em cada ato de consumo, através dos instrumentos de apropriação econômicos e culturais exigidos por ela.11

A estratificação social pode ser apreendida nas práticas sociais. Esta evidência é apontada por Bourdieu nas estatísticas de visitas aos museus, às bibliotecas ou à ópera. Em um trabalho analítico realizado junto ao INSEE12, ele reconhece que estas práticas são quase

11 Tradução nossa 12

exclusivas das “classes cultivadas”. Assim, buscando relacionar as práticas culturais às suas classes sociais, o autor verifica a evidência do gosto como sendo um produto social. E, neste sentido, ele acredita que os “bens de luxo”, por serem raros são consumidos apenas pelas “classes dominantes” e são responsáveis, em grande parte, pelas classificações sociais de distinção.

O gosto, julgamento estético e de valor, define o homem, segundo Bourdieu, pois ele determina a classe social por ele ocupada. O capital cultural, grande responsável por este julgamento, funciona como um sistema de classificações que vai do mais legítimo ao menos legítimo. Tal legitimidade permite distinguir os agentes em relação a outros agentes pertencentes a outras classes.

As práticas culturais e de consumo são fortemente desiguais se pensadas numa estrutura social hierarquizada. Isto explica uma luta de classes no interior do espaço social, uma vez que na tentativa de se afirmar socialmente, o consumo dos bens culturais e materiais passa a ser uma prática de distinção social. Logo, a identidade social do indivíduo que repousa sobre a sua filiação e que, de certa forma, é completada pela escola, passa a ser baseada na vontade de distinção que acontece por meio de acúmulo de propriedades materiais e culturais.

Após esse mergulho em alguns dos pressupostos teóricos defendidos por Bourdieu, podemos retomar o conceito de habitus. Esse nos permite entender de que forma a concepção de mundo adquirida pelos indivíduos é socialmente definida. Erroneamente, acreditamos nas manifestações subjetivas dos indivíduos quando pensamos em suas atitudes e formas de conceber o mundo. Bourdieu busca esclarecer de que forma os indivíduos são determinados por suas razões objetivas de existência. Este conceito é melhor definido quando subdividido em dois componentes, o ethos e a hexis. O ethos é a forma interiorizada da moral que controla a conduta cotidiana, permitindo a adesão aos valores comungados por um grupo social dominante, enquanto que a hexis corresponde às definições do corpo, definições adquiridas inconscientemente ao longo de sua formação, igualmente interiorizadas.

Portanto, somos levados a pensar até que ponto essa solicitação específica pela Língua Inglesa no currículo não seria interpelada, mais uma vez, pelas normas, valores e crenças arraigados nos indivíduos pertencentes às classes dominantes. Na abordagem bourdieusiana, a escola legitima as desigualdades sociais e mantém a dominação dos dominantes sobre as classes populares, impondo-lhes o reconhecimento do saber das classes dominantes como o único legítimo.

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Um dos efeitos menos percebidos da escolaridade obrigatória consiste no fato de que elas conseguem obter das classes dominadas um reconhecimento do saber e do saber-fazer legítimo (e.g.3 em matéria de direito, de medicina, de técnica, de divertimento ou de arte), acarretando a desvalorização do saber e do saber-fazer que elas detêm efetivamente (e.g. direito consuetudinário, medicina doméstica, técnicas artesanais, divertimento ou arte). (BOURDIEU; PASSERON, 1970, 2008, p. 64).

Dessa forma, poderíamos concluir que a escolha da língua estrangeira a ser ensinada na escola seria feita de forma a atender às necessidades da classe dominante. Por outro lado, esse saber é imposto para a classe dominada como essencial, já que a classe dominante o detém. Talvez, espelhando-se no habitus das classes dominantes, as classes dominadas desejem para seus herdeiros uma realidade diferente da que tiveram e enxerguem no aprendizado dessa língua estrangeira um meio de ascensão social. Esclarecemos que nossa intenção não é buscar meios para justificar a preferência de uma língua estrangeira em detrimento de outra. Gostaríamos apenas de apontar que tal escolha poderia ser motivada por outros fatores diferentes daqueles citados anteriormente (globalização, mercado de trabalho, exigências do mundo tecnológico), propiciando uma discussão travada à luz de conceitos provenientes da visão sociológica bourdieusiana.

Vejamos a seguir a proposta da rede municipal para o ensino de línguas estrangeiras no ensino fundamental na cidade do Rio de Janeiro.

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