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OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO

No documento [ – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 36-42)

2. SER OU NÃO SER: EIS O DILEMA DA QUESTÃO IDENTITÁRIA

2.3 OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO

Para melhor entendermos os modos de organização do discurso, recorremos à

Grammaire du sens et de l’expression (1992) de Patrick Charaudeau. Para esse autor, os

modos de organização do discurso constituem os princípios de organização da matéria linguística, princípios que dependem de uma finalidade comunicativa própria do locutor, podendo ter como finalidades uma descrição, uma narração ou uma argumentação. Para Charaudeau (Patrick Charaudeau, verbete “modo de organização do discurso”. In: Charaudeau, P. e Maingueneau, D, 2004, p. 337-338), trata-se de “distinguir as operações linguageiras que são postas em funcionamento em cada um dos níveis de competência: o nível situacional de reconhecimento das coerções psico-sócio-discursivas da situação de comunicação; o nível discursivo dos modos de organização; o nível semiolingüistico da composição textual.”

Em relação ao modo de organização enunciativo, o autor o define como aquele que organiza as categorias da língua ordenando-as quanto à posição do locutor em relação ao interlocutor, em relação a ele próprio e em relação aos outros. Este modo está sempre presente, articulando-se aos outros três modos de organização, argumentativo, descritivo e narrativo, e os comanda. O locutor, a partir do conhecimento sobre os contratos de comunicação, deverá saber como se portar em cada situação pressupondo a existência de um TU para quem ele fala. Há três maneiras de posicionamento do locutor quanto à situação de comunicação:

ALOCUTIVA: caracteriza-se pelo fato do locutor implicar o interlocutor no seu ato de enunciação impondo-lhe o conteúdo de seu propósito (entendendo-se “propósito” como aquilo que o locutor quer comunicar). As formas linguísticas, como pronomes (tu, você) identificam o interlocutor e o uso de frases interrogativas e imperativas são comuns neste tipo comportamento;

ELOCUTIVA: o locutor situa seu propósito em relação a si mesmo, sem envolver seu interlocutor. As formas linguísticas, como pronomes em 1ª pessoa e o uso de frases exclamativas são comuns neste tipo comportamento;

DELOCUTIVA: o locutor tenta se afastar do propósito, fazendo com que este se imponha como tal. A utilização da forma impessoal ou o uso da terceira pessoa identificam este comportamento.

Segundo Charaudeau (2008), no comportamento ALOCUTIVO, o sujeito falante se enuncia em posição de superioridade ou inferioridade em relação ao seu interlocutor. Visando cumprir seu propósito, este comportamento se utiliza de categorias modais de Interpelação (IP), Injunção (IJ), Autorização (AT), Aviso (AV), Julgamento (JG), Sugestão (SG), Proposta (PP), nas quais o locutor se coloca em posição de superioridade em relação ao seu interlocutor e as categorias de Interrogação (IT), Petição (PT), colocando-se em uma relação de inferioridade em relação ao seu interlocutor.

Para o autor, o ponto de vista do sujeito falante sobre o mundo (ELOCUTIVO) pode ser especificado como:

-Ponto de vista do modo de saber, que especifica de que maneira o locutor tem conhecimento de um Propósito. Corresponde às modalidades de “Constatação” e de “Saber/Ignorância”.

- Ponto de vista de avaliação, que especifica de que maneira o sujeito julga o propósito do enunciado. Corresponde às modalidades de “Opinião” e de “Apreciação”.

- Ponto de vista de motivação, que especifica a razão pela qual o sujeito é levado a realizar o conteúdo do Propósito referencial. Corresponde às modalidades de “Obrigação”, “Possibilidade” e “Querer”.

- Ponto de vista de engajamento, que especifica o grau de adesão ao Propósito. Corresponde às modalidades de “Promessa”, “Aceitação/Recusa”, “Acordo/Desacordo”, “Declaração”.

- Ponto de vista de decisão, que especifica tanto o status do locutor quanto o tipo de decisão que o ato de enunciação realiza. Corresponde à modalidade de “Proclamação”.

O locutor se utiliza de procedimentos linguísticos da construção enunciativa elocutiva chamados de categorias modais: Constatação (C), Saber/Ignorância (S), Opinião (O), Apreciação (AP), Obrigação (OB), Possibilidade (P), Querer (Q), Promessa (PM),

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Aceitação/Recusa (AR), Concordância/Discordância (CD), Declaração (D), Proclamação (PC).

O ponto de vista em que o sujeito falante testemunha a maneira pela qual os discursos de terceiros se impõem a ele (DELOCUTIVO) pode ser analisado pelo seu modo de dizer, seja enquanto asserção ou discurso relatado. A primeira estaria relacionada à maneira de apresentar o propósito e a segunda dependeria da posição dos interlocutores, das maneiras de relatar um discurso já enunciado e da descrição dos modos de enunciação de origem.

Para o comportamento delocutivo, as categorias modais priorizadas para a asserção são as mesmas do comportamento elocutivo, exceto as de Promessa, Concordância e Proclamação, visto que essas implicam um parecer subjetivo do locutor. Porém, nesse comportamento, o ser falante se distancia do discurso, não expressando assim sua própria opinião. No que tange ao outro viés do delocutivo, o discurso relatado, poderíamos analisá-lo a partir da posição dos interlocutores e pela maneira de relatar (discursos citado (DC), integrado (DI), narrativizado (DN) e evocado (DE)). Para melhor compreendermos o discurso relatado, faremos agora uma breve apresentação sobre as diferentes maneiras pelas quais um discurso pode ser relatado por seu locutor:

a) Discurso citado: o discurso de origem é citado quase que em sua integralidade através dos recursos dos dois pontos e das aspas, também conhecido como “estilo direto”;

b) Discurso integrado: o discurso de origem é parcialmente integrado ao relato do locutor, sem a utilização dos recursos dos dois pontos e das aspas, também conhecido como “estilo indireto” ou “estilo indireto livre”;

c) Discurso narrativizado: o discurso de origem se integra totalmente, ou mesmo desaparece no dizer daquele que relata. Nas palavras de Charaudeau (2008), o locutor de origem torna-se o agente de um ato de dizer;

d) Discurso evocado: o discurso de origem aparece como um dado evocador do que o locutor de origem disse, seja através dos recursos das aspas, dos travessões ou parênteses.

O modo de organização descritivo visa a construir uma imagem a-temporal do mundo, “fazendo existir os seres do mundo ao nomeá-los e qualificá-los de modo particular” (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 2004, p. 338), podendo combinar-se com os modos narrativo e argumentativo em um mesmo texto, visto que o descritivo dá sentido a estes últimos.

O modo narrativo permite “organizar a sucessão das ações e dos eventos nos quais os seres do mundo estão implicados” (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 2004, p. 338). Para haver narração, é necessária a presença de um narrador que queira transmitir alguma coisa a alguém, sendo este alguém seu destinatário, e que haja um contexto para o desenvolvimento de uma seqüência de ações que se encadeiam progressivamente. O modo de organização narrativo organiza o mundo de uma maneira sucessiva e contínua, em uma lógica cuja coerência é marcada pelo seu início e fim. A lógica narrativa conta com três componentes:

1 - ACTANTES : Segundo o Dicionário de Análise do Discurso (2004, p. 33), o termo actante serve para designar os diferentes participantes que estão implicados em uma ação e que têm nela um papel ativo ou passivo. Dentre os actantes, temos aqueles diretamente ligados à ação: AGENTE (aquele que executa a ação) e o PACIENTE (aquele que sofre a ação). A partir dessa diferenciação feita em relação à postura do actante frente à ação principal, Charaudeau (2008, p. 162-163) propõe que o agente pode executar a ação atuando como:

Agressor

– comete um malefício

Benfeitor

– transmite um benefício;

Aliado

– associa-se a um outro actante para auxiliá-lo ou defendê-lo, seja agindo diretamente sobre o adversário do actante, seja agindo ao mesmo tempo que este.

Oponente

– contraria os projetos e as ações de um outro actante;

Retribuidor

– oferece a outro actante uma recompensa ou punição.

Segundo o autor das categorias, os papéis acima mencionados podem ser realizados de maneira a) VOLUNTÁRIA (consciente); b) INVOLUNTÁRIA (inconsciente); c) DIRETA (afrontamento direto) e d) INDIRETA (por meio de fingimento ou de intermediário).

Entretanto, se o actante sofre a ação, ele a recebe como:

Vítima

– é afetado negativamente pela ação de um outro actante.

Beneficiário

– é afetado positivamente pela ação de um outro actante.

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Para melhor visualizarmos os papéis desempenhados pelos actantes, propomos o seguinte quadro adaptado do modelo proposto por Charaudeau (1992, p. 723):

Actantes Agente Paciente

Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário

2 – OS PROCESSOS: unem os actantes entre si dando uma dimensão funcional à ação destes.

3 – AS SEQÜÊNCIAS: relacionam os processos e os actantes com uma finalidade discursiva segundo os princípios de organização. Estes se subdividem em:

(A) Princípio da coerência: a sucessão de ações não é arbitrária, tendo o texto um início e um fim.

(B) Princípio da intencionalidade: o início e o fim do texto precisam de uma motivação para dar sentido narrativo à seqüência de ações, composta de três etapas:

INICIAL – nasce uma “falta” que possibilita um processo de “busca” para sanar a falta. ATUALIZAÇÃO DA “BUSCA” – tenta-se obter o objetivo que sanará a falta.

FINAL – termina pela vitória ou pelo fracasso do objeto da busca.

(C) Princípio do encadeamento: as seqüências se sucedem de forma linear e consecutiva gerando a ação seguinte.

(D) Princípio da recuperação: localização das seqüências no espaço e no tempo. Normalmente as seqüências são organizadas no tempo de forma cronológica.

O modo de organização argumentativo organiza as relações existentes entre as ações apresentadas pelo modo de organização narrativo, tendo como função persuadir e convencer o interlocutor através da argumentação.

Conforme apresentamos acima, é através do modo argumentativo que o sujeito falante persuadirá o TU, fazendo com que ele se engaje ao seu projeto e o legitime. Essa teoria aqui

apresentada nos remete à teoria comunicacional apresentada por Charaudeau. Sabemos, por meio dela, que todo discurso se passa no âmbito de uma situação comunicativa na qual há um número de dados fixos que sobredeterminam os participantes do ato de comunicação. Estes dados prescrevem como os sujeitos devem se comportar para que a comunicação se realize e o momento em que eles podem usar as estratégias discursivas para tentar engajar e influenciar o outro. Assim, dentro dessa encenação argumentativa, o sujeito que quer argumentar deverá se servir de procedimentos que validem sua argumentação. Para tal, ele questionará a proposta (asserção que diz alguma coisa sobre o mundo), argumentando segundo o seu interesse, ou seja, apresentando sua proposição e justificando sua tomada de posição. Nessa tentativa de provar a validade de uma argumentação, alguns sujeitos constroem seus discursos pautados no valor dos argumentos servindo-se dos procedimentos semânticos. Esses valores são compartilhados socialmente e são organizados em cinco domínios de avaliação: domínio da Verdade, domínio do Estético, domínio do Ético, domínio do Hedônico e domínio do Pragmático. Cada um desses domínios se define em termos de avaliações que girem em torno dos seguintes pares semânticos:

a) Verdade verdadeiro e falso

Define algo de maneira absoluta e compreende o saber como princípio único capaz de explicar os fenômenos do mundo.

b) Estético belo e feio

Define os seres e os objetos do mundo em termos de belo e feio.

c) Ético bem e mal

Define como deve ser o comportamento humano diante de uma moral em termos de bem e mal.

d) Hedônico agradável e desagradável

Define em termos de agradável e desagradável o que pertence ao âmbito dos sentidos que buscam prazer em relação aos projetos e ações humanas.

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e) Pragmático útil e inútil

Define em termos de útil e inútil os projetos e as ações humanas.

Para Charaudeau (2008), os domínios do Pragmático e do Ético podem imbricar-se no caso de avaliações concernentes à organização racional da vida – o trabalho, o sucesso, o mérito, por exemplo, na medida em que uma regra de comportamento tenha sua eficácia comprovada (campo do pragmático) e se torne um modelo a ser seguido (campo do ético).

Faz-se pertinente outra observação acerca dos domínios Estético e Hedônico uma vez que eles parecem, de alguma forma, estar conectados. Os valores referentes ao campo do Estético estão intrinsecamente atrelados às definições em termos de belo e feio e os valores ligados ao campo do Hedônico estão relacionados a uma busca pelo prazer. Entretanto, a motivação para desejar algo pode ser suscitada pela beleza de um produto, por exemplo. Por essa razão, esses dois domínios apresentam-se como indissociáveis em algumas análises.

Na sequência, exporemos um esquema de Charaudeau (2008, p. 77), no qual visualizaremos as relações existentes entre os participantes de um ato de comunicação.

No documento [ – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 36-42)