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Estudos Acadêmicos do ponto de vista Argumentativo

No documento [ – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 139-146)

3. OS DOCUMENTOS OFICIAIS E OS REGIMES DE VERDADE

5.1 DISCURSOS SOBRE A FORMAÇÃO PROFISSIONAL

5.1.2 Estudos Acadêmicos

5.1.2.2 Estudos Acadêmicos do ponto de vista Argumentativo

Conforme dissemos anteriormente, imaginávamos que alguns enunciadores além de narrarem suas experiências enquanto alunos do curso de Letras pudessem também esboçar opiniões favoráveis e/ou desfavoráveis em relação ao percurso acadêmico utilizando-se de argumentos que sustentassem suas teses. Na verdade, no âmbito de nossa pesquisa, todos os enunciadores, ao avaliarem sua formação e seu desempenho, ainda que implicitamente, parecem defender a mesma tese: o aprendizado de língua estrangeira é eficaz quando contempla de forma equilibrada o desenvolvimento das habilidades de compreensão oral e escrita, expressão oral e escrita e gramática.

Em uma tentativa de analisar os argumentos que se fundamentam num consenso social pelo fato de que os membros de um grupo sociocultural compartilham determinados valores,

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recorremos aos cinco domínios de avaliação: da Verdade, do Estético, do Ético, do Hedônico e do Pragmático (CHARAUDEAU, 2008). Entretanto, o domínio do Pragmático – domínio que define as coisas ou as ações em função de sua utilidade – sobressaiu frente aos outros nesse item. Todos os entrevistados recorreram às preconizações das metodologias de ensino de línguas, sobretudo no que tange a abordagem comunicativa, para justificarem se a formação acadêmica foi ou não satisfatória. Eles se serviram desse saber acerca das metodologias como princípio único balizador capaz de nortear um julgamento sobre o aprendizado de francês na Faculdade de Letras. Fica claro que todos os enunciadores têm como parâmetro a abordagem comunicativa no ensino de línguas estrangeiras. Logo, quando criticam o modelo de aula que tinham na Faculdade é porque esse se distanciava dos pressupostos apresentados por esse tipo de abordagem. Assim, o aprendizado na Faculdade era considerado bom, útil e eficaz quando as habilidades linguísticas eram abordadas segundo as preconizações da abordagem comunicativa.

Nos trechos a seguir, identificamos que os enunciadores emitem seus julgamentos sobre a “eficácia” do curso a partir dos princípios da abordagem comunicativa. Logo, o domínio de valor que se destaca é o do Pragmático.

Domínio do Pragmático:

Exemplo 30: as aulas da professora K eram muito dinâmicas, ela levava compreensão oral, vídeo”;

as outras trabalhavam a escrita, redação, gramática pesada, exercícios estruturais, aquela coisa bem cansativa.” (enunciador E)

Exemplo 31: Na faculdade eu sentia muita dificuldade na produção oral e na compreensão oral ;

“nós tivemos muita gramática, muita literatura, então eu tive que fazer curso fora”; “fui estudar na Aliança algum tempo depois”; “o método, o primeiro que eu usei na faculdade foi a “Gramática

Progressiva de Francês”; “na faculdade a gente só via gramática” ; “tive muita dificuldade na produção oral e na compreensão oral, mas na produção escrita e na gramática eram excelentes (as

aulas da faculdade)” ; “eu só vim a produzir (produção oral) a partir do quinto período (da faculdade). Então já era muito tarde” ; “não era nenhum método comunicativo (na faculdade)”; ““o

“Panorama” eu vi num curso de línguas, e aí é que eu comecei a me expressar na língua, a ouvir. Mas na faculdade era só gramática” ; “eu fui começar a pegar fluência dando aula porque aí a gente fala francês praticamente todo dia.” (enunciador M)

Exemplo 32: Eu já fazia Aliança Francesa e quando eu cheguei na faculdade, já tava na época do

Nancy. Eu fiz Fahupe, faculdade Dom Pedro II. A Fahupe começou nesse ano, 1970”; “a minha geração, e eu saí da faculdade em 1974,quase toda não tem mestrado nem doutorado”; “o colégio

quis investir em mim e me comprou todo o material e fui fazendo do meu jeito e com o auxílio dos

meus colegas da Aliança e da orientadora pedagógica que me ajudava muito”; “minhas aulas eram

a expressão oral apareceram com o método “De vive voix”, que deve ter sido em 1980. Ali começa com as imagens e a gente trabalhava com aqueles gravadores de rolo, enormes. Essa preocupação veio a partir dos anos 80. Antes eram textos literários ou então pequenas situações para passar alguma mensagem de civilização e mais nada.” (enunciador A)

Exemplo 33: “A professora vendo o meu desespero, professora da UERJ, conseguiu uma bolsa para

mim na Aliança Francesa”; “era gramática, tinha aula de língua e de literatura. Literatura você tinha que decifrar um texto, descobrir o texto e falar alguma coisa. Não era uma aula tão direcionada

na parte de língua francesa”; “na parte de língua francesa eram mais frases voltadas para a parte estrutural, gramática mas não a parte de pronúncia . Na faculdade você não aprende a falar, você já tem que entrar falando” ; “eu passava o dia no laboratório aprendendo, comprei todos os métodos que poderia comprar e paralelamente com a Aliança, onde eu tinha bolsa, eu fiz todo o curso e aí fui caminhando(enunciador N)

Exemplo 34: “A gente que já tinha uma base anterior de escola até, era uma coisa primária para

mim. Eles ensinavam francês zero, ou seja, eles partiam do zero. Eu não queria aquilo, eu queria que fosse dado outras coisas. Quando eu entrei na UFRJ a realidade era assim: vocês estão aqui para aprender francês, né? Então era vocabulário bobo, verbinhos regulares, depois o ÊTRE e o AVOIR para encaixar nas frases... Coisas muito básicas. Acho que a coisa só foi melhorar na faculda de nos períodos mais avançados. A partir do francês 6 eu me encontrei. A gente tinha textos mais elaborados, as questões eram de interpretação, você tinha que opinar, se posicionar, mas os professores eram bons. Nos períodos iniciais era só gramática, gramática com textos curtos e algum contexto para você entender do que se tratava; Depois os textos foram aumentando de tamanho e de complexidade. E aí eu fui gostando mais. E a parte oral era em sala. A partir do francês 6, 7 que tinha muito texto, muita conversação, a parte de literatura ajudou bastante porque foi uma realização. A

gente estudou desde a idade média, para mim foi fantástico. Foi uma descoberta.” (enunciador B) Acerca dos estudos de Graduação, a maior parte dos autorrelatos afirma que as habilidades linguísticas priorizadas eram as de compreensão e expressão escrita e gramática. Vejamos o que dizem os enunciadores E, M, A, N e B: “As outras (professoras) trabalhavam a escrita, redação, gramática pesada, exercícios estruturais, aquela coisa bem cansativa”; “Mas na faculdade era só gramática”; minhas aulas eram muito simples. Eram

textos em cima de civilização, gramática e mais nada”; “Na parte de língua francesa eram mais frases voltadas para a parte estrutural, gramática mas não a parte de pronúncia”; “Nos

períodos iniciais era só gramática”.

Os enunciadores M, A e N reconhecem a falta de trabalho voltado para o desenvolvimento da habilidade oral dos futuros professores nos estudos acadêmicos: “eu só vim a produzir (produção oral) a partir do quinto período (da faculdade)”; “a compreensão

oral e a expressão oral apareceram com o método “De vive voix”, que deve ter sido em 1980.

Ali começa com as imagens e a gente trabalhava com aqueles gravadores de rolo, enormes. Essa preocupação veio a partir dos anos 80. Antes eram textos literários ou então pequenas

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situações para passar alguma mensagem de civilização e mais nada”; na faculdade você não aprende a falar, você já tem que entrar falando”.

Dentre os oito enunciadores, apenas dois descrevem uma experiência acadêmica que contemplava a habilidade de produção oral, conforme os trechos 35 e 36:

Exemplo 35: “Fiz português-francês na PUC. Em francês você podia fazer um teste de nivelamento e

já entrar no nível que fosse”; “a parte mais interessante eu achava a da professora M porque ela trabalhava muito textos africanos. Ela já tinha uma visão diferente, não era só França”; “não trabalhavam compreensão oral, trabalhavam mais compreensão escrita, produção oral e produção escrita. Tínhamos temas para dar seminários e nós tínhamos que falar, a aula era toda em francês. Sempre tinha uma música”. (enunciador V)

Diferentemente dos enunciadores acima, o enunciador V sustenta ter tido uma formação também voltada para o desenvolvimento da habilidade de produção oral mas não a de compreensão oral: “Não trabalhavam compreensão oral, trabalhavam mais compreensão escrita, produção oral e produção escrita. Tínhamos temas para dar seminários e nós tínhamos que falar, a aula era toda em francês. Sempre tinha uma música”.

Exemplo 36: “Os meus professores levavam jornais e passavam filmes sem legenda pra gente e

depois você tinha que fazer uma avaliação. A gente trabalhava todas as competências, mas eu achava que lá tinha mais oral do que escrita. Quando eu voltei para a Aliança, eu voltei para fazer o Mauger. Por que como é que eu ia dar aula no ensino público sem saber a parte da gramática? Então quando eu voltei pra Aliança eu voltei para Mauger porque ele era mais gramática. Eu vi muito pouco da gramática na faculdade. Eu não gostei de literatura não porque foi muito empurrado.” (enunciador R)

O enunciador R reforça o trabalho com todas as habilidades linguísticas, porém salienta que a parte oral recebia maior destaque em relação às outras, o que torna sua experiência acadêmica distinta das relatadas pelos outros enunciadores: “A gente trabalhava

todas as competências, mas eu achava que lá tinha mais oral do que escrita.”

Falando em distinção, acreditamos que o autorrelato do enunciador W sobre sua experiência acadêmica apresente julgamentos de valor concernentes não somente ao domínio do Pragmático, como o dos outros enunciadores, mas também do Ético:

Domínio do Pragmático e do Ético:

Exemplo 37: Acho que a UFRJ sempre foi muito elitista . Nós ouvíamos e víamos coisas do tipo:

“Isso aqui não é o seu lugar”; “Essa é uma língua de elite”; “O que você tá fazendo aqui?”; “a professora falava o tempo todo. A gente falava muito pouco mas isso desenvolveu muito bem o meu

O enunciador W relembra um modelo de aprendizagem centrado no professor em um formato de aula expositiva. Relata em termos de bem e de mal, a postura e o comportamento exigidos por sua professora segundo as leis do consenso social da época, bem como o

enunciador N, segundo o exemplo 38.

Exemplo 38: “Foi a minha experiência também. Eu tranquei o primeiro semestre na UERJ por causa

dessas coisas. A professora falava a mesma coisa.” (enunciador N)

Contudo, na fala “a gente falava muito pouco mas isso desenvolveu muito bem o meu

ouvido” há uma referência ao valor concernente ao domínio do Pragmático. Esse enunciador ressalta que pelo fato de somente seu professor “ter voz” em sala de aula, ele acabou não desenvolvendo habilidades de produção oral. Por outro lado, reconhece a utilidade de ter ouvido exaustivamente seu professor durante as aulas como fator de extrema importância no desenvolvimento de habilidades de compreensão oral.

Diante do exposto, somos levados a retomar a tese e os argumentos apresentados pelos entrevistados e concluir que a grande queixa durante o curso superior está atrelada ao fato de terem sido ou não expostos aos pressupostos da abordagem comunicativa. É como se a conclusão dos enunciadores fosse a seguinte: 1. O ensino na Faculdade foi bom porque trabalhamos todas as competências/ou outras competências que não somente a gramática; 2. O ensino na Faculdade não foi bom porque não trabalhamos todas as competências/ou só trabalhamos a gramática. Mais uma vez nos vemos diante de uma avaliação no domínio do Pragmático, ou seja, que define em termos de útil e de inútil os projetos das ações humanas em função das necessidades dos sujeitos agentes que os realizam.

1. O ensino na Faculdade foi bom porque trabalhamos todas as competências/ou outras competências que não somente a gramática.

O enunciador E deixa claro que as aulas dinâmicas são aquelas em que os professores fazem uso de aparelho de som e vídeo. Em contrapartida, o trabalho com ênfase na gramática e em exercícios estruturais faz com que a aula se torne monótona e esgotante.

O enunciador B relata que os anos iniciais também contemplaram o ensino da gramática mas a partir do sexto período houve um trabalho voltado para a compreensão textual e para a conversação.

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O enunciador V menciona como interessante os aspectos de interculturalidade abordados em suas aulas, tais como textos que tratassem de países francófonos e do trabalho realizado com músicas. Menciona um trabalho voltado para todas as competências, exceto a compreensão oral.

O enunciador R é o único a relatar o desenvolvimento de todas as competências durante seu estudo universitário. Aliás, é o único a narrar que o ensino das outras competências sobressaiu ao ensino da gramática. Por esse motivo, o enunciador foi buscar reforço em um curso de línguas. Para ele, era inconcebível aprender uma língua sem ter um profundo conhecimento gramatical sobre ela.

2. O ensino na Faculdade não foi bom porque não trabalhamos todas as competências/ou só trabalhamos a gramática.

O enunciador M relata a inexistência de uma aprendizagem pautada na abordagem comunicativa no ensino superior. Entretanto, tal abordagem aparece preconizada pelos documentos oficiais que balizam o ensino de línguas nas escolas.

O enunciador A descreve a trajetória do ensino de línguas no país por volta dos anos 80. Relata que somente após a chegada do método De vive voix é que foram introduzidas atividades voltadas para o desenvolvimento da compreensão e da expressão oral através de imagens.

Os enunciadores W e N reiteram a inexistência de um trabalho voltado para o desenvolvimento da expressão oral e afirmam que o aprendizado de aspectos gramaticais sempre teve maior ênfase.

Para concluir esse bloco temático que fala sobre a formação profissional, subdividido em Motivação para estudar a Língua Francesa na Faculdade de Letras e Estudos Acadêmicos, gostaríamos de fazer uma observação que vai ao encontro de um de nossos objetivos explicitados na introdução dessa tese. Havíamos mencionado o desejo de estabelecer um possível mapeamento sobre a identidade dos professores de francês do Rio de Janeiro em início e fim de carreira. Acreditávamos que o olhar e as expectativas sobre o ensino/aprendizagem de Língua Francesa dos professores em início de carreira fossem diferentes daqueles do professor mais experiente. Entretanto, no que diz respeito à formação

profissional, encontramos em quase todos os autorrelatos motivações e aliados bem semelhantes para estudar a Língua Francesa. No quesito Estudos Acadêmicos, também fomos confrontados a experiências bastante análogas. Aliás, até as críticas ao processo de aprendizagem foram as mesmas. Isso nos leva a pensar que a sala de aula não presenciou uma evolução tão marcante nas últimas décadas, apesar de todos os recursos e da tecnologia da informação e da comunicação voltados para o ensino.

Talvez o que tenha mudado seja a experiência que os professores em fim de carreira tiveram com metodologias de ensino anteriores à abordagem comunicativa em que o modelo de aula era predominantemente expositivo e o professor era o centro da aula. As atuais metodologias de ensino idealizam o aluno como eixo da aprendizagem, ele deve mobilizar seus conhecimentos prévios e interagir com os novos conteúdos. Essa mudança de papéis pode causar certa estranheza aos professores em fim de carreira formados dentro de uma concepção distinta de ensino-aprendizagem. Cabe ainda ressaltar um resquício do pensamento da segunda metade do século XIX em que o estudo da Língua Francesa era voltado à elite visto que o rapaz pertencente a uma boa família era enviado a Paris para completar seus estudos e ter uma boa formação. Por essa razão, dois entrevistados trazem em seus relatos uma experiência desagradável que tiveram durante o curso de Graduação alimentada por esse pensamento: “Acho que a UFRJ sempre foi muito elitista. Nós ouvíamos e víamos coisas do

tipo: “Isso aqui não é o seu lugar”; “Essa é uma língua de elite”; “O que você tá fazendo aqui?”; “a professora falava o tempo todo (Enunciador W) e Eu tranquei o primeiro semestre na UERJ por causa dessas coisas. A professora falava a mesma coisa (que quem

não tinha o nível deveria trocar a matéria)” (Enunciador N). Esses relatos rompem com a

imagem do professor veiculada nos imaginários sócio-discursivos. Espera-se que o professor seja um aliado do aluno no processo de ensino-aprendizagem e não um oponente. Há aqui uma quebra de expectativa em relação ao papel do professor visto que ele não agiu como deveria. Por essa razão qualificamos essas observações no domínio do Ético. Porém, esse pensamento elitista foi mudando ao longo dos anos, tanto que não o encontramos nas falas dos professores em início de carreira.

Antes de passarmos para o próximo bloco temático, gostaríamos apenas de fazer um esclarecimento. Ao consultarmos a página 112, encontraremos o roteiro com as perguntas direcionadas aos enunciadores durante as entrevistas. Podemos perceber que dois blocos temáticos receberam destaque: Formação e O ensino de Francês ontem, hoje e amanhã. O

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primeiro bloco contemplou três indagações, sendo que duas delas já foram objeto de análise: Como se deu a sua motivação para estudar a Língua Francesa na faculdade de Letras? e Descreva sua formação acadêmica. O terceiro comando, Descreva sua atuação profissional, tinha como intenção ouvir dos nossos enunciadores suas respectivas trajetórias profissionais até chegarem às redes estadual, municipal ou federal de ensino e/ou ao curso privado Aliança Francesa. Além disso, ao narrarem suas experiências, poderíamos identificá-los enquanto professores em início e em fim de carreira, uma vez que acreditávamos que essa categorização seria de extrema relevância para o nosso trabalho. Ademais, muitas das falas referentes à trajetória profissional acabam fazendo referência ao curso de Graduação visto que ele confere ao estudante um diploma de profissional de Língua Francesa e a primeira experiência profissional ocorre muitas vezes durante o curso superior. As informações obtidas com esse comando foram parcialmente apresentadas esquematicamente na página 116, quando apresentamos o perfil de cada enunciador.

Passaremos, a seguir, para os relatos concernentes ao segundo bloco temático: O Ensino de Francês Ontem, Hoje e Amanhã.

5.2 – DISCURSOS SOBRE O ENSINO DE FRANCÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA

No documento [ – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 139-146)