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AS MÁSCARAS E OS TRAÇOS IDENTITÁRIOS

No documento [ – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 49-54)

2. SER OU NÃO SER: EIS O DILEMA DA QUESTÃO IDENTITÁRIA

2.7 AS MÁSCARAS E OS TRAÇOS IDENTITÁRIOS

Começamos, portanto, a questionar essas diferentes reações em relação a um mesmo profissional. Com a leitura da apresentação do livro Le discours politique: Les masques du

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pouvoir (2005), de Charaudeau, um novo olhar foi despertado para a questão identitária. No decorrer desse texto, o autor discute mais uma vez a questão das máscaras. É dito que o sentido de todo ato de linguagem é proveniente do encontro de um sujeito que enuncia e de outro que interpreta através da imagem que um faz do outro. Sendo assim, cada um não passa de uma imagem para o outro. A cada situação uma nova máscara pode aparecer, uma vez que ela constitui nossa própria identidade face ao outro.

Poderíamos considerar que cada instituição de ensino possui suas próprias máscaras, quer dizer, cada uma delas elenca uma série de princípios e propósitos que serão alvo de seu trabalho. Posto isto, o funcionário da instituição tenderá agir de forma compatível com as premissas traçadas para a mesma, sendo assim seu representante. Certamente, o mesmo ocorre com o professor. Em seu ambiente de trabalho, ele é um agente daquela instituição. Portanto sua imagem pode ficar atrelada à dela, ainda que isso seja involuntário e que o professor discorde de alguns dos princípios traçados por ela.

Nosso pensamento está em consonância com o de Bourdieu (1982, p. 101) ao dizer que o representante de um grupo é a personificação de uma pessoa fictícia, emprestando o seu corpo biológico a um corpo coletivo:

... Le porte-parole reçoit le droit de parler et d´agir au nom du groupe, de « se prendre pour » le groupe qu´il encarne, de s´identifier à la fonction à laquelle il « se donne corps et âme », donnant ainsi un corps biologique à un corps constitué. « L´état, c´est moi ».

... O porta-voz recebe o direito de falar e agir em nome do grupo, de “se colocar no lugar” do grupo no qual ele personifica, de se identificar com a função à qual ele “se entrega de corpo e alma”, dando um corpo biológico a um corpo coletivo. “O Estado dou eu. 3

É justamente aí que a questão das máscaras passam a fazer sentido. O professor veste uma máscara em um determinado espaço. Ao se locomover, serve-se de uma outra máscara. E assim sucessivamente. Não queremos concluir com isso que o professor muda sua personalidade em cada espaço habitado, mas sim que há, por trás dele, a máscara da instituição que acaba por refletir nele um determinado papel. Nessa perspectiva, o reconhecimento ou o fracasso do professor está, de uma certa forma, condicionado à imagem projetada por seu local de trabalho junto à sociedade graças à reputação construída ao longo do tempo, inclusive através da mídia.

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Embora possamos nos ver, seguindo o senso comum, como sendo a “mesma pessoa” em todos os nossos diferentes encontros e interações, não é difícil perceber que somos diferentemente posicionados, em diferentes momentos e em diferentes lugares, de acordo com os diferentes papéis que estamos exercendo. (HALL, 2000, p. 31)

Woodward (2000, p. 14) afirma que a identidade também está vinculada a condições sociais e materiais. Se um grupo é “simbolicamente marcado como inimigo, isso terá efeitos reais porque o grupo será socialmente excluído e terá desvantagens materiais.”

A título de curiosidade, fizemos uma pesquisa breve na página da internet do globo.com para analisar as recentes notícias sobre a rede pública de ensino. A escolha desse site foi motivada pelo fato de ser um veículo de ampla receptividade e legitimado pela população como fonte confiável de informação. Ao pesquisarmos por escola pública, a primeira página da busca aleatória apresentou dez títulos, sendo que nenhum deles fazia referência a algum aspecto positivo. Vejamos alguns exemplos:

400 estudantes ficam sem aula em escola pública de Samambaia.” (17/02/2011)

“Escolas do Distrito Federal guardam 63 kg de merenda escolar contaminados com larvas.” (18/02/2011)

F altam gás e merendeiras em grande parte das escolas da rede pública.” (15/02/2011)

Não obstante, resolvemos restringir nossa pesquisa para as manchetes que falassem da escola pública no Rio de Janeiro, visto que os títulos acima não fazem referência a essa cidade que é alvo desse trabalho. Selecionamos três das dez manchetes mostradas na primeira página de pesquisa. Voltamos a ressaltar que não havia destaques satisfatórios das escolas. Vejamos as manchetes:

Escola é invadida no Rio de Janeiro durante operação policial.” (20/10/2009)

“Escola pública precisa recuperar credibilidade, diz professora da Turma 1901.” (27/12/2010)

Estudante de 12 anos agride diretora de escola no Rio de Janeiro.” (05/04/2010)

Certamente, não temos o objetivo de querer provar que a mídia denigre a imagem da escola pública ou que não há notícias que projetem uma imagem satisfatória dessa escola. Também somos conscientes de que, com base nessa pesquisa rápida em uma página de

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internet, não podemos tirar conclusões precipitadas. Só quisemos buscar um meio de tentar entender como a população em geral enxerga essa escola, mostrando uma parcela do funcionamento discursivo, e porque a avaliação da sociedade a profissionais dessa rede de ensino é geralmente relacionada a desprezo, descrença e até mesmo pena.

Acerca dessa temática, estamos em total harmonia com Bauman (2005, p. 51), no que refere à questão da influência do trabalho na construção da identidade de uma pessoa:

Houve um tempo em que a identidade humana de uma pessoa era determinada fundamentalmente pelo papel produtivo desempenhado na divisão social do trabalho, quando o Estado garantia a solidez e a durabilidade desse papel, e quando os sujeitos do Estado podiam exigir que as autoridades prestassem contas no caso de deixarem de cumprir as suas promessas e desincumbir-se da responsabilidade assumida de proporcionar a plena satisfação dos cidadãos.

Continuando nossa navegação pela internet, fizemos a mesma pesquisa com o curso privado Aliança Francesa, visto que a presente pesquisa visa conhecer o trabalho dos professores de francês em instituições públicas e nesse curso atuantes na cidade do Rio de Janeiro. Para isso, digitamos o nome dessa instituição no mesmo site acima citado e nos deparamos com as seguintes manchetes:

Aliança F rancesa oferece curso voltado para a pré-escola.” (26/02/2007)

“Aliança Francesa realiza seminário sobre novas tecnologias no ensino do francês.” (22/10/2008)

“Aliança francesa inaugura filial em Campo Grande.” (17/07/2007)

“Aliança Francesa tem banco de vagas com oportunidades no exterior.” (15/05/2010)

Escolhemos quatro das dez manchetes listadas na primeira página. Como podemos observar, nos quatro títulos não há qualquer referência que denigra a imagem da instituição. Pelo contrário, as manchetes evocam expansão, modernização e sucesso, uma vez que inaugura nova filial, realiza seminário sobre assunto pioneiro no ensino e amplia sua gama de cursos, oferece oportunidades no exterior, características essas que deslumbram o leitor. Talvez, por essa razão, as máscaras dos professores reflitam uma imagem positiva à população em geral. Podemos ainda ir mais além no que tange à imagem dessa instituição privada. No Brasil, esta é uma representante oficial da língua e da cultura francesa além de ter a exclusividade para aplicar exames de proficiência reconhecidos mundialmente. Essa

entidade nos remete ainda à França, país que muito influenciou o nosso em diferentes aspectos e conta com a gratidão e com o encantamento do povo brasileiro, o que nos leva a concordar que a “representação atua simbolicamente para classificar o mundo e nossas relações no interior”, segundo Hall (apud Woodward, 2000, p. 8). Sem falar que há nessa instituição uma política forte de investimento nos professores cuja segunda língua é o francês. Como a maioria desses professores não são nativos há bastante incentivo do governo francês para que eles façam cursos de formação/reciclagem na França através de bolsas de estudos financiadas por esse governo. Há uma preocupação com o aperfeiçoamento da língua como também pelo conhecimento da civilização francesa.

Talvez estejamos no caminho certo de pensar que a instituição empresta ao professor um lugar de porta-voz da mesma, devendo, portanto, defender e reafirmar os seus interesses, ou talvez estejamos no caminho equivocado. Nossa meta é levantar questões e problematizá- las a fim de tentar reunir traços que compõem a identidade do professor de francês.

Aproveitando esse ponto de discussão entre os valores institucionais e a postura do profissional dentro daquele contexto de trabalho, desponta-nos a necessidade de um levantamento de informações sobre como essas instituições se apresentam e que convicções elas defendem em seus documentos oficiais.

Para tanto, selecionamos para nossa análise, documentos que discorram sobre o trabalho do profissional da educação, abrangendo aspectos normativos sobre o seu agir e pautando-se nos pilares de sustentação das instituições de ensino.

Introduziremos, no próximo capítulo, uma apresentação sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), sobre as Orientações Curriculares e outros textos oficiais divulgados pelas redes de ensino municipal, federal e estadual, analisando-os discursivamente e apontando como eles influenciam diretamente do trabalho do professor e na construção de sua identidade social.

No documento [ – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 49-54)