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O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO NA SALA DE AULA

No documento [ – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 45-48)

2. SER OU NÃO SER: EIS O DILEMA DA QUESTÃO IDENTITÁRIA

2.5 O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO NA SALA DE AULA

Conforme verificamos acima, Patrick Charaudeau (2008, 2009) nos mostra que o ato de comunicar vai muito além de simplesmente informar. Comunicar significa seduzir o outro através de um jogo de estratégias utilizadas pelos parceiros implicados no ato de comunicação.

Cada sujeito falante ocupa um determinado papel em uma determinada situação comunicativa e precisa recorrer a certas estratégias para que sejam reconhecidos como legitimados a ocupar aquela posição em que se encontram.

Em seu artigo Le contrat de communication dans la situation de classe, Charaudeau (1993) nos fala das identidades dos parceiros envolvidos nessa situação de comunicação, ou seja, professor e aluno. Segundo ele, a identidade do professor está atrelada a um status sócio- profissional que o faz ter uma relação de dependência com a instituição que o emprega, sendo

assim um representante da mesma. De

acordo com os discursos que circulam sobre o papel do professor, atribui-se a ele a competência do saber e do saber-fazer. Em relação ao papel do aluno, esses discursos o apontam como aquele que tem a obrigação social de aprender porque tal conhecimento lhe será útil e atribui-se a ele a competência da aprendizagem, supondo que este esteja apto a adquirir o saber e da compreensão, supondo que este possua a capacidade de compreender o que lhe será ensinado. Sua identidade estaria atrelada a um estado do não saber e de não ativo.

Esses imaginários sobre a identidade do professor e do aluno são muito recorrentes e facilmente recuperados nos discursos que circulam em nossa sociedade. Aliás, essa descrição se encaixaria perfeitamente no conceito de interdiscurso trazido no Dicionário de Análise do Discurso (Dominique Maingueneau, verbete “interdiscurso”. In: Charaudeau, P. e Maingueneau, D. 2004, p. 286), definido pelos autores como “o conjunto das unidades discursivas (que pertencem a discursos anteriores do mesmo gênero, de discursos contemporâneos de outros gêneros etc.) com os quais um discurso particular entra em relação implícita ou explícita”.

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Retomando assim a questão dos papéis do professor e do aluno, podemos afirmar que a eles são atribuídas, ainda que implicitamente, algumas tarefas, e para que o contrato de comunicação tenha êxito ambos devem cumpri-las a contento. Caso contrário, uma falha acontecerá nesse circuito. Essas atribuições compõem a identidade social dos parceiros desse contrato, ou seja, professor e aluno. Logo, caso um deles não cumpra com tais compromissos que circulam como se fossem obrigações, poderá colocar em risco sua identidade e perder sua credibilidade. Ou ainda, ao romper com as expectativas do parceiro, deslegitimará o projeto de comunicação do outro.

Dentre os discursos proclamados acerca do papel do professor, Charaudeau (1993) nos elenca três objetivos para o seu trabalho: o de ensinar (no sentido de transmitir um saber, funcionando como mediador entre o conteúdo e o aluno), o de avaliar (verificando os resultados da aprendizagem do aluno) e o de captar (tentando traspor as barreiras que possam vir a atrapalhar seu projeto). Ao aluno, dois objetivos lhe são atribuídos, o de aprender (adquirindo conhecimento porque dizem que será bom para ele) e o de provar (mostrando que assimilou os conteúdos que lhe foram transmitidos).

Segundo Charaudeau (1993), circula nos imaginários sócio-discursivos como tarefas do professor apresentar textos e ferramentas de trabalho, explicar os conteúdos, avaliar, corrigir, captar o interesse do aluno, etc. Ao aluno, caberá o papel de aprender, escutar e provar que aprendeu. Ora, diante desses objetivos traçados e do papel de cada parceiro no contrato de sala de aula, pode-se correr o risco de pensar que o aluno ocupa um lugar discursivo daquele que é passivo, enquanto o professor ocupa o lugar da autoridade, como outrora fora idealizado esse modelo de aluno e de professor na concepção das abordagens metodológicas que mais se destacaram ao longo da história, tais como Gramática e Tradução (ou Tradicional), Direta, Audiolingual e Audiovisual (PUREN, 1988). Entretanto, entendemos que para o aluno adquirir um conhecimento é necessário que haja esforço de sua parte, que interaja com os novos saberes. Portanto, que desempenhe um papel ativo, de agente do aprender.

Aliás, as abordagens mais recentes voltadas para o ensino de línguas estrangeiras pressupõem papéis de agentes tanto para alunos quanto para professores. A abordagem comunicativa, difundida intensamente no Brasil a partir da década de 80, e os princípios do sociointeracionismo trazidos por Vygotsky (1994) trazem uma nova visão de língua aliada a um grande interesse pelo ensino. Seus pressupostos teóricos funcionam como pilares para a

aprendizagem de línguas, inclusive fazem parte das orientações didáticas presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Nesta perspectiva desloca-se a ênfase da aprendizagem da forma linguística para a comunicação, preza-se pela utilização de materiais autênticos no lugar dos “artificiais”, adota-se o uso das quatro habilidades (compreensão oral e escrita e produção oral e escrita) de modo integrado, valoriza-se o contexto social e a interação. A maior crítica feita em relação às abordagens anteriores refere-se à falta de objetivos específicos no ensino de línguas. Essa abordagem defende a aprendizagem centrada no aluno tanto em termos de conteúdos quanto nas técnicas usadas em sala de aula e transfere o papel de autoridade e de distribuidor do conhecimento antes atribuídos ao professor para o de orientador. Valoriza-se o caráter afetivo nesta abordagem, o que faz com que o professor assuma também o papel daquele que se mostra sensível ao interesse dos alunos, encorajando- os a participar da aprendizagem da língua. Assim, o professor desempenha um papel ativo na condução das atividades propostas em sala de aula, talvez não mais à frente dos alunos, mas no meio deles, participando das tarefas, sanando dúvidas, promovendo a interação e conduzindo o processo. O aluno é visto como parceiro ativo que deve ser motivado a aprender a língua estrangeira e a se comunicar de forma competente no idioma. Atualmente, a abordagem comunicativa divide o lugar com a abordagem acional apresentada no CECRL (Cadre Européen Commun de Références pour les Langues), traduzido por QECRL (Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas), incentivado pelo Conselho Europeu e publicado em 2001. Dentro desta perspectiva trazida pelo QECRL, os aprendizes da língua são considerados como atores sociais capazes de agir sobre o mundo através do cumprimento das tarefas que lhes são designadas pelos professores e o processo de aprendizagem e de uso da língua ocorrem simultaneamente. Tenta-se proporcionar ao aprendiz um uso da língua próximo ao de uma situação real e preza-se pelo desenvolvimento da habilidade de interação (oral e escrita) além das outras habilidades preconizadas pela abordagem comunicativa, como a compreensão (oral e escrita) e a produção (oral e escrita).

Em consonância com as abordagens mais recentes formuladas para o ensino de línguas, professor e aluno devem desempenhar papéis ativos no contrato de sala de aula. O professor é o agente do ensinar e o aluno o agente do aprender e ambos interagem no processo de ensino/aprendizagem. Espera-se do professor que ele seja um aliado do aluno nesse processo, fazendo com que ele mobilize seus conhecimentos prévios, promova a interação social e o direcione pelo caminho que o levará a construir o saber.

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Trazendo esses conceitos para a realidade desse trabalho, podemos começar a buscar algumas respostas ou esclarecimentos às inquietações apresentadas como fatores motivadores desta pesquisa.

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